quarta-feira, 28 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Eleição municipal não pode ignorar agenda climática

O Globo

Municípios são responsáveis pela ocupação do solo, fator crítico para prevenir efeitos de enchentes ou secas

Os efeitos das mudanças climáticas já fazem parte do dia a dia dos brasileiros há algum tempo. Em maio, o país se comoveu com o drama dos gaúchos ante a devastação sem precedentes causada por chuvas inclementes, que mataram mais de 180 moradores, deixaram cidades submersas, arrasaram a infraestrutura e impuseram prejuízos bilionários. Nos últimos meses, em meio a secas severas e temperaturas abrasadoras, incêndios têm se alastrado, destruindo vegetações e causando transtornos à população. Seria de esperar que tal realidade fizesse das mudanças climáticas um dos principais temas da campanha municipal país afora. Não é o que acontece, porém.

Como mostra a série de reportagens do GLOBO “Cidades resilientes”, os candidatos a prefeito parecem passar ao largo da preocupação, apesar de medidas de adaptação e mitigação dos efeitos do aquecimento global dizerem respeito sobretudo à esfera municipal. Todo candidato deveria tratar do assunto em suas propostas e planos de governo. Mas, com exceção do Sul, onde as cicatrizes das chuvas ainda se fazem presentes, a reportagem revela que a maior parte dos programas trata o tema de forma vaga, relegando a segundo plano medidas de longo prazo.

As promessas mais comuns dizem respeito a ações de Defesa Civil (sistemas de alerta), obras de drenagem, criação de parques ou plantio de árvores. Não que tais iniciativas sejam pouco importantes. Mas a emergência climática exige mais. Candidatos deveriam explicar com clareza suas políticas para evitar a ocupação de áreas suscetíveis a desastres (como encostas e margens de rios) e estratégias para reassentar famílias vulneráveis. Mesmo impopulares, são providências incontornáveis para minimizar os efeitos das tragédias resultantes de eventos climáticos extremos, mais e mais frequentes.

Responsáveis pela ordenação do uso do solo, os municípios arcam com responsabilidade fundamental na prevenção de desastres. A tragédia no Rio Grande do Sul mostrou que a ocupação das cidades precisa ser repensada. Não há como impedir que rios transbordem ou encostas deslizem sob chuvas torrenciais, mas é possível reduzir os efeitos das tragédias planejando melhor a ocupação. Certas áreas, pelos riscos óbvios, não podem receber moradias. Mas só 13% das cidades brasileiras têm plano específico para reduzir perigo de desastres, revelou levantamento da Associação de Pesquisa Iyaleta. Menos de um terço dispõe de plano diretor com prevenção a inundações. Sistemas de alerta estão em apenas 8%.

Num cenário de eventos extremos mais intensos, os candidatos deveriam apresentar propostas que contemplem reflorestamento de encostas, arborização de ruas, refrigeração dos transportes e de escolas, preparação das redes de saúde, com atenção sobretudo a crianças e idosos. Não se trata mais de projeção para o futuro. Em pleno inverno, cidades brasileiras têm registrado temperaturas acima dos 40 graus.

As campanhas não podem ser tão desconectadas da realidade. Não é improvável que chuvas torrenciais, ondas de calor, secas prolongadas e incêndios devastadores aconteçam nas próximas semanas, meses ou anos. As cidades precisam estar preparadas para dar respostas. Na campanha, os candidatos podem até fugir do tema. Mas, uma vez eleitos, certamente serão expostos a ele. Não poderão alegar surpresa.

Nota conjunta com Colômbia sobre a eleição venezuelana envergonha Brasil

O Globo

A esta altura, já está claríssimo que Maduro fraudou o pleito e precisa entregar o poder a quem venceu

Desde 28 de julho, quando os venezuelanos foram às urnas, têm sido tíbias as manifestações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de seu assessor internacional Celso Amorim e do Itamaraty sobre a fraude cometida pelo ditador Nicolás Maduro para se perpetuar no poder. No último fim de semana, a condescendência com Maduro alcançou um patamar constrangedor na nota conjunta emitida por Brasil e Colômbia.

Quase um mês depois de Maduro perder a eleição e cometer uma fraude vergonhosa, está claríssimo que ele precisa entregar o poder a quem venceu. Em vez de exigir isso, o comunicado conjunto repete a ladainha expressa pelo governo brasileiro desde a madrugada de 29 de julho, quando, horas depois do fechamento das urnas, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE), controlado pelo regime chavista, declarou Maduro vencedor sem divulgar os boletins de urna, conhecidos em espanhol como “atas”. Na última semana, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) venezuelano, também dominado pelo chavismo, validou a fraude sem sequer fingir examinar uma única ata. A nota conjunta limita-se a exigir a apresentação das atas para que o resultado possa ser aferido: “Brasil e Colômbia tomam nota da decisão do TSJ sobre o processo eleitoral. Reiteram que continuam a aguardar a divulgação, pelo CNE, das atas desagregadas por seção de votação”.

A esta altura, diversas apurações independentes confirmaram a vitória do oposicionista Edmundo González com base nas atas que vieram a público. Organismos internacionais e organizações independentes de monitoramento eleitoral denunciaram a fraude de Maduro. Mas assessores de Lula continuam a defender a postura ambígua, argumentando ser importante manter um canal de comunicação aberto com o regime venezuelano, até para que Maduro entregue o poder de modo pacífico. Os fatos, porém, teimam em demonstrar que ele não tem a menor intenção de ceder.

O contraste com a reação de Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Estados Unidos, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai é vexaminoso. Juntos, os 11 países condenaram a pantomima ridícula do Judiciário venezuelano. “Rechaçamos categoricamente o anúncio do TSJ”, afirma o texto conjunto. Em separado, o Departamento de Estado americano diz que a decisão “carece de toda credibilidade, dadas as provas contundentes de que González recebeu o maior número de votos em 28 de julho”.

Desde a eleição, a repressão à oposição venezuelana tem sido cruel, e Maduro não dá sinal de estar disposto a negociar transição nenhuma. Enquanto a ditadura endurece, o Itamaraty segue o mesmo tom brando, sem nada conseguir. É verdade que até agora o governo brasileiro não reconheceu o resultado fraudado. Mas é pouco. Pior do que não ter a menor influência na política venezuelana — ao contrário do que tenta dar a entender a dupla Lula-Amorim —, é o Brasil passar a imagem de conivente com um ditador sanguinário.

Intervenção no gás gera despesa e insegurança jurídica

Valor Econômico

Ao influir na eficiência e na velocidade da produção de petróleo, o decreto interfere nos planos de desenvolvimento empresariais já firmados

O preço do gás natural pago pelos usuários no Brasil é alto. A Lei do Gás, aprovada em 2021 pelo governo de Jair Bolsonaro, prometia um “choque de energia barata”, segundo o então ministro da Economia Paulo Guedes. Não deu certo, e o governo Lula faz agora nova tentativa de reduzir preços, com espírito bem diferente da lei anterior, intervindo nos preços nos setores da infraestrutura do insumo e na produção do gás natural. As medidas interferem nos planos das empresas e têm ingredientes suficientes para deslanchar batalhas judiciais à frente.

O problema do preço do gás é real e um peso para a indústria. O preço doméstico é de US$ 21 por milhão de BTUs, quase dez vezes os US$ 2,50 pagos pelos consumidores nos EUA e mais do que o dobro dos US$ 9 cobrados dos europeus (dados da CNI; Valor, ontem). Cerca de 70% da oferta de gás natural é proveniente da Petrobras, e um estudo do governo indicou que 46% do custo pedido pelo insumo decorre da cobrança da estatal pelo uso de gasodutos marítimos de escoamento e tratamento do gás. A extração compõe apenas 14% do custo total e o transporte e a distribuição, 20%.

Grande parte do gargalo de custos e oferta, então, se concentra na Petrobras e suas práticas monopolistas. A Lei do Gás, que apostava na “promoção da livre iniciativa para exploração de atividades concorrenciais”, conseguiu alguma abertura nas atividades periféricas do gás, mas não prosperou na redução dos preços e tampouco no aumento da oferta. Para um governo que desde seu início imiscuiu-se nos assuntos da Petrobras a ponto de demitir seu presidente, o petista Jean Paul Prates, seria natural que buscasse a saída para os problemas em negociação com a empresa. No entanto, o presidente Lula e seu ministro da Energia, Alexandre Silveira, foram por outro caminho.

O objetivo dos decretos que compõem o Plano de Transição Energética, mas que de imediato tratam apenas de petróleo e gás, é o maior controle sobre as atividades. Um decreto revogou a criação do Comitê Técnico para o Desenvolvimento do Mercado de Combustíveis, que, entre outras atribuições, tratava do processo de venda dos ativos de refino da estatal, já definitivamente sepultada.

Um dos pontos centrais do decreto 12.153, publicado ontem, e que modifica o decreto 10.712, que regulamentou a Lei do Gás, refere-se aos percentuais de injeção de gás na exploração de petróleo. Pelo menos 50% do gás natural, subproduto da exploração, é reinjetado. A reinjeção aumenta a eficiência e a velocidade da extração do óleo. A meta é ampliar a oferta de gás que sai dos poços diminuindo seu uso no processo de obtenção do petróleo.

Ao influir na eficiência e na velocidade da produção de petróleo, o decreto interfere nos planos de desenvolvimento empresariais já firmados com multinacionais e empresas domésticas. O decreto é taxativo, ao dar poderes à Agência Nacional do Petróleo (ANP) de, após ouvir empresas e examinar viabilidade técnica-econômica, determinar “a redução da reinjeção de gás natural ao mínimo necessário, inclusive com o estabelecimento do volume máximo de gás natural a ser reinjetado”. O Ministério de Minas e Energia disse que o decreto vale só para novos contratos, mas não há uma linha sobre isso no dispositivo legal. Ao contrário. Registra o decreto que “quando identificar a possibilidade de aumento do volume de produção de gás natural, a ANP determinará, aos atuais operadores dos respectivos campos, a revisão dos planos e projetos de desenvolvimento”. Além disso, “caso o operador do campo não atenda ao disposto... a ANP adotará as medidas legais e contratuais cabíveis”.

O decreto estende a atribuição da ANP à fixação de regras para a exploração dos serviços de transporte, distribuição, processamento e todas as etapas necessárias para que o gás chegue ao consumidor. Estabelecerá para elas uma tarifa máxima e outra mínima, esta correspondente ao retorno pretendido pelo investidor para a remuneração do capital investido, com correção monetária e amortização de longo prazo. Dado o viés estatista do governo Lula, há o temor de que a intervenção no sistema de produção recaia mais sobre as empresas privadas do que sobre a Petrobras monopolista.

Houve tempo suficiente, desde que o pré-sal foi descoberto, em 2006, para se encontrar uma solução para ampliar a oferta de gás natural, sem a necessidade de canetadas como a dos decretos desta semana. O presidente Lula aproveitou a ocasião para anunciar que estenderá a compra subsidiada de gás dos atuais 5,6 milhões de famílias que têm direito a um preço menor para 20,8 milhões de famílias. O custo, de R$ 102 pago bimestralmente por família, saltará de R$ 3,4 bilhões para R$ 13,6 bilhões em 2026, ano em que Lula tentará a reeleição.

O presidente age como se houvesse fartos recursos disponíveis e nenhuma restrição fiscal. Conseguiu ao mesmo tempo ampliar o intervencionismo estatal, criar insegurança jurídica sobre contratos em um setor que colhe esplêndidos resultados, gerar mais despesas e dificultar ainda a missão do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de encontrar receitas para financiar gastanças que parecem não ter fim.

Transição energética de Lula é balela

Folha de S. Paulo

Apesar da alcunha 'verde', enganosa, pacote lançado pelo Planalto tem gás natural, combustível fóssil, como protagonista

Quando se trata de transição energética, em qualquer lugar do mundo, o desafio é encontrar meios de substituir a queima de combustíveis fósseis, que agrava a mudança climática, por fontes limpas de energia. Não no Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), porém.

O pacote recém-lançado pelo Planalto, apesar da alcunha "verde", enganosa, tem os olhos no passado. Quase tudo nele se volta a fomentar o consumo de gás natural, outro fóssil a jorrar dos campos do pré-sal, numa reprise do delírio estatizante que tantas brechas abriu, não faz muito, para a corrupção.

"O gás é nosso" poderia ser o lema dessa recaída no estilo varguista de propelir o desenvolvimentismo nacionalista com hidrocarbonetos enterrados há milhões de anos. Trata-se de um recurso finito e condenado à obsolescência pela luta contra o aquecimento global.

Até incentivos para a moribunda indústria naval o programa traz, à revelia dos fracassos no setor e na contramão da política da Fazenda de rever benefícios tributários.

Nem mesmo se empregou a tese de acelerar os fósseis para financiar a transição no sentido de energias descarbonizadas, como a eletricidade eólica e solar fotovoltaica.

A espinha dorsal da política é ampliar a geração em usinas termelétricas a gás, em detrimento de recursos renováveis como vento e luz solar. Eis um rumo certo para sujar a matriz energética nacional, uma das mais limpas da Terra.

Para tanto, o governo pretende reduzir a reinjeção de gás nos poços petrolíferos, recurso empregado para otimizar a retirada de óleo. Verdade que a parcela de reinjeção no país é alta, 56%, contra a média internacional de 25%; também é fato que a queima do gás para produzir eletricidade emite menos carbono que a de óleo ou carvão.

Hoje, a decisão sobre quanto gás será reinjetado cabe à empresa detentora do campo, de olho na rentabilidade. Agora o governo quer autorizar a Agência Nacional do Petróleo a interferir no processo e estipular a proporção de gás reintroduzido no poço, com vistas a aumentar a oferta do combustível.

Mais gás no mercado contribuirá para baixar seu preço, favorecendo indústrias que já optaram por essa energia, mas tende a encarecer o sistema como um todo, pela necessidade de infraestrutura de distribuição. Foi assim com as emendas que impuseram termelétricas a gás em estados do Nordeste onde não havia gasodutos.

Há quem aponte ainda que o pacote estaria em conflito com a Lei do Gás de 2021, por criar obrigações e restringir direitos de produtores. A mudança não poderia em princípio ser feita por meio de decreto intervencionista, como agora.

O desenho apresentado pelo Planalto passa longe, longe demais, de um plano efetivo de transição energética. Não está à altura do que o Brasil almeja e a atmosfera do planeta necessita.

Entre o crime e o clima

Folha de S. Paulo

Incêndios suspeitos não eximem governos de agir contra o aquecimento global

O avanço das chamas em São Paulo levou à prisão, até esta terça (27), de meia dúzia de suspeitos de provocarem incêndios. Um deles queimou lixo em seu terreno e foi liberado após o caso ser registrado como crime ambiental. Outro diz ter agido em nome do PCC, mas sua vinculação com a facção foi descartada pelo Ministério Público.

Polícia Civil paulista e a Polícia Federal estão apurando os casos. Por óbvio, devem-se investigar ações propositais ou articuladas. Isso, contudo, não pode ser usado como pretexto para governos se eximirem de enfrentar os efeitos da crise do clima.

Segundo a ministra do Meio AmbienteMarina Silva, o enorme volume de queimadas em dois dias seria sinal de atividade intencional. Mas essas 48 horas não bastam para explicar o aumento descomunal de focos, não só em São Paulo, indicando que a ação humana pode não ser o fator decisivo.

De 19 a 25 de agosto de 2023, foram registrados 9.428 focos de incêndio no país. No mesmo período de 2024, o número mais que dobrou, indo a 19.767. Em São Paulo, a alta foi de 338%; em Mato Grosso, 236%. Os 3.482 focos no território paulista entre 1º e 25 de agosto são quase dez vezes os 352 de todo o mês no ano passado.

Desde junho de 2023, com o início do El Niño aliado ao aquecimento global, o Brasil apresenta distúrbios climáticos que afetam as cinco regiões —com grandes volumes de chuva no Sul e seca no restante do país. Já se sabia que a estiagem do inverno em 2024 seria intensa.

O governo federal até chegou a aumentar a infraestrutura de combate ao fogo na amazônia, mas as medidas não foram suficientes. Agora, o bioma da região Norte, o pantanal e São Paulo ardem, e a fumaça chega a dez estados.

Que se investiguem possíveis atos criminosos. Mas já passa da hora de o poder público, em todos os níveis, entender que os efeitos da crise climática precisam ser monitorados continuamente, e planos de prevenção e contenção devem ser instituídos com urgência.

Alexandre de Moraes ataca de novo

O Estado de S. Paulo

Ao tratar vazamento de mensagens que expõem seus métodos heterodoxos como parte de um complô contra a democracia, o ministro avilta o Estado Democrático de Direito que jura defender

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes parece não ter ficado satisfeito em instrumentalizar o poder de polícia do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para aumentar ainda mais o seu capital político-institucional, chamemos assim, como uma espécie de plenipotenciário guarda-costas do Estado Democrático de Direito no Brasil.

Após o jornal Folha de S.Paulo ter publicado o teor de conversas envolvendo Moraes e assessores que sugerem aquela instrumentalização, o ministro não só determinou ex officio a abertura de um inquérito para apurar o vazamento do conteúdo ao matutino, como ainda se pôs a presidir a investigação – sigilosa, por óbvio, como é de seu feitio.

Diante de mais essa mixórdia de papéis promovida por Moraes ao arrepio do devido processo legal, a defesa de um dos envolvidos nas conversas, Eduardo Tagliaferro, pediu ao presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, que Moraes fosse impedido de seguir como relator do inquérito, haja vista o seu “nítido interesse na causa”. Barroso indeferiu o pedido do ex-servidor do TSE sustentando que, nas mensagens, não havia indícios de parcialidade de Moraes capazes de comprometer a sua permanência à frente do caso.

No dia 25 passado, Moraes determinou que a Secretaria Judiciária do STF procedesse à reautuação do inquérito sobre o vazamento, agora como uma simples petição – uma “PET”, no jargão técnico da Corte. Na prática, trata-se de algo próximo a um rebaixamento, pois um inquérito, a rigor, deixou de existir do ponto de vista formal. O busílis é que, no mesmo despacho, o ministro determinou que a tal “PET” fosse “distribuída por prevenção ao Inquérito 4.781″, o chamado inquérito das fake news, que, ora vejam, é relatado pelo próprio Moraes.

Não se pode condenar quem veja nessa manobra uma forma de Moraes responder às críticas que tem recebido por sua atuação opaca à frente dos inquéritos mais sensíveis sob sua relatoria no STF. Consta que a enorme concentração de poder pelo ministro na condução dos infindáveis inquéritos das fake news, das milícias digitais e dos atos antidemocráticos tem incomodado cada vez mais alguns de seus pares na Corte, ainda que, publicamente, tanto o STF como a Procuradoria-Geral da República (PGR) sejam enfáticos na defesa de Moraes.

Todo esse apoio incondicional, no entanto, começa a ficar constrangedor, para dizer o mínimo, diante de evidências cada vez mais consistentes de que Moraes parece crer que vale tudo em nome de uma suposta defesa do Estado Democrático de Direito, até mesmo atropelar os ritos processuais mais comezinhos. A produção de provas contra suspeitos de atentar contra a democracia fora do processo regular, como sugerem as conversas entre Moraes e seu principal auxiliar no STF, o juiz instrutor Airton Vieira, e entre este e Tagliaferro, estaria coberta por esse manto de sacralidade democrática na defesa do País contra o golpismo bolsonarista. É disso que Moraes tem se valido para contestar até mesmo seus críticos de boa-fé, que jamais devem ser confundidos com os verdadeiros inimigos da democracia que detrataram a mais alta instância do Poder Judiciário com o claro objetivo de minar sua legitimidade como guardiã da Constituição “cidadã”.

Exposto o seu peculiar método de intercâmbio de informações entre o STF e o TSE, Moraes se apressou em associar o vazamento a uma suposta ação insidiosa de “organização criminosa” que, em sua visão, teria como objetivo desestabilizar as instituições, fechar o STF e restaurar a ditadura no País. Nada menos.

Concretamente, é forçoso dizer, se há algo em curso no País que pode, de fato, desestabilizar as instituições e, no limite, ameaçar o Estado Democrático de Direito é a atitude monocrática do ministro Alexandre de Moraes e a sua aparente incapacidade de reconhecer erros na condução de inquéritos sigilosos que há muitíssimo tempo já deveriam ter sido encerrados.

Tamanha concentração de poder em uma autoridade ou instituição é diametralmente oposta ao ideal republicano fundamental. Ao agir como se pairasse acima do bem e do mal por força exclusiva de suas eventuais virtudes morais ou boas intenções, Moraes avilta o próprio Estado Democrático de Direito que ele jura defender.

Cobranças desarrazoadas

O Estado de S. Paulo

Ameaça de ministro de intervenção na Aneel e cobrança de Lula de suposto descaso em demora da Anvisa evidenciam aversão do governo federal à atuação das agências reguladoras

No curto intervalo de três dias, agências reguladoras sofreram dois duros ataques do governo federal. No primeiro, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), ameaçou intervir na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), acusando-a de inércia no andamento de processos do governo. O segundo round coube ao próprio presidente Lula da Silva, durante a inauguração de uma indústria farmacêutica no interior de São Paulo, quando reclamou de forma inflamada da demora na liberação de medicamentos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

A ameaça de Silveira veio em forma de ofício enviado à Aneel repleto de acusações aos diretores como omissão, retardamento, funcionamento deficiente, incapacidade reiterada e inércia. Uma semana antes, Silveira, em audiência na Câmara dos Deputados, havia dito que o governo identificara um boicote das agências, que tinha a maioria dos cargos preenchida pelo governo anterior. Lula também já havia reclamado que o loteamento das agências havia favorecido a iniciativa privada.

Não chega a causar espanto a má vontade de Lula em relação às agências reguladoras. Afinal, são autarquias que surgiram como consequência do processo de desestatização, para garantir a elevação do padrão de qualidade de serviços públicos que passaram a ser oferecidos por empresas privadas. Na visão maniqueísta de seu governo, as agências representam a redução do poder do Estado sobre a economia, um verdadeiro anátema para a seita lulopetista.

Sob a gestão Bolsonaro, no extremo oposto, a contrariedade com a atuação autônoma das agências – garantida por lei – também desagradou sobremaneira. O exemplo mais gritante foi a resistência da Anvisa em avalizar a prescrição de medicamentos como a hidroxicloroquina como tratamento da covid, como defendia Bolsonaro. Recorde-se que a vacinação contra a doença ocorreu diante da persistência da agência, sem a qual o número de mortes poderia ter sido ainda maior do que as 700 mil registradas.

Horas depois de Lula afirmar que só veria rapidez quando “algum companheiro da Anvisa perceber que um parente morreu (...) porque o remédio não foi produzido”, o presidente da agência, Antonio Barra Torres, revidou publicamente, dizendo que desde a transição vem alertando sobre o déficit de pessoal e suas consequências. Tentando acalmar os ânimos, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, publicou extensa nota pública reconhecendo o sucateamento da Anvisa e de outros órgãos e defendendo para a autarquia “a mesma autonomia técnica que permitiu respostas ao negacionismo do governo anterior”.

Aneel e Anvisa integram o rol de 11 agências reguladoras setorizadas que atuam hoje com cerca de um terço de sua capacidade operacional e contabilizam 3.708 cargos vagos, de acordo com levantamento do Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação (Sinagências). A gestão autônoma dessas instituições de Estado não significa que operem de forma apartada do governo ou da sociedade. Tanto que a maioria das sessões deliberativas é aberta à participação pública, podendo ser acompanhada inclusive pela internet. As audiências públicas para definir políticas setorizadas são uma praxe em todas elas.

O temor de uma interferência desmedida do governo fez o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) pedir à Corte medida cautelar para evitar qualquer ato que caracterize ameaça à Aneel. O MPTCU diverge da tese de que há previsão legal para intervenção em agências reguladoras. O ministro Silveira, porém, voltou à carga e reiterou que a Aneel é vinculada ao Ministério de Minas e Energia e, como tal, sujeita a cobranças. “Não é nada de mais dizer que todos os diretores das agências até então foram nomeados por um governo que não tem sinergia conosco”, disse.

Para garantir que serviços que saíram da esfera estatal para a iniciativa privada cheguem aos cidadãos de maneira eficiente e com qualidade é preciso despolitizar o debate. E, mais importante, dotar de pessoal e equipamentos as agências antes de subir o tom das cobranças.

Tropeço da ciência no Brasil

O Estado de S. Paulo

Produção cai por dois anos, num sinal de que fontes de financiamento exigem reformas

A produção científica no Brasil vai mal. Pela primeira vez, o número de artigos científicos publicados por pesquisadores brasileiros registrou queda por dois anos seguidos. A desaceleração da produtividade daqueles que se dedicam ao conhecimento, à inovação e à tecnologia no País escancara um diagnóstico nada abonador para o futuro de uma nação que almeja o progresso. Não há desenvolvimento possível sem ciência de ponta.

Os números são desanimadores. De acordo com o relatório da Agência Bori em parceria com a editora científica Elsevier, a produção do Brasil caiu 7,2% em 2023 em relação ao ano anterior. Além disso, em 2022 foi registrado um recuo de 8,5% na produção em relação a 2021, quando o País havia batido o recorde de publicações, com mais de 69 mil artigos. Os dados mostram a reversão de uma alta contínua iniciada em 1996.

Existem muitos fatores que explicam esse cenário, que no Brasil, porém, é mais desolador. O primeiro deles a impactar a pesquisa já era previsto para o mundo todo e se trata de um refluxo decorrente da covid-19. Durante a pandemia, pesquisadores de inúmeros países buscaram respostas para a doença que assolava a humanidade. Passada essa fase aguda, a tendência era de queda na produção de artigos científicos.

Mas no Brasil a baixa na produção é maior do que a verificada em outros países. Em termos porcentuais, o País só ficou atrás de Etiópia e Taiwan, em uma lista com 53 países. Logo, não só a covid explica tamanho insucesso. Segundo o relatório, os investimentos públicos federais em pesquisa têm caído desde 2013 e a soma dos investimentos estaduais, desde 2015. Não há pesquisa sem dinheiro.

Apesar dos reajustes de bolsas de mestrado e doutorado, os valores ainda ficam aquém das necessidades, e isso se reflete no interesse pela área. Segundo a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o número de ingressantes em pós-graduação caiu 12% entre 2019 e 2022 e, no ano passado, voltou a subir (10,8%).

Ao Estadão, o pró-reitor de Pesquisa e Inovação da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Nussenzveig, faz uma metáfora perfeita sobre a situação do País ao afirmar que “pesquisa científica é como maratona, não é corrida de 100 metros”. Por isso, de acordo com ele, o Brasil demanda constância e segurança, e “é nisso que o País precisa focar daqui para a frente”.

Passou da hora de o Brasil levar pesquisa científica a sério, e isso exige mudanças estruturais que vão contrariar lobbies acadêmicos e sindicais, além de se chocar com ranços ideológicos. Não à toa, o governo federal, avesso ao debate, aparentemente ignorou os resultados do relatório.

Fato é que o País precisa de reformas profundas para aumentar as fontes de financiamento da ciência, o que inclui a participação mais ativa do setor privado, a valorização das pesquisas de impacto e a recompensa justa aos pesquisadores em razão de seus méritos e de metas alcançadas. Somente com essas mudanças é que a ciência vai se tornar mais atrativa para jovens talentos, mais produtiva e de melhor qualidade.

Liderança ambiental sem ambiguidades

Correio Braziliense

O protagonismo ambiental precisa acontecer a partir do rompimento de paradigmas inversamente proporcionais, como o ainda alto consumo de combustíveis fósseis no Brasil

Enquanto o Brasil arde em chamas, o Relatório da Organização Meteorológica Mundial, organizado pela ONU e publicado ontem, aponta para um panorama também apocalíptico em ilhas do Pacífico. Nos últimos 30 anos, o nível do oceano aumentou em média 15cm. Em algumas regiões, no entanto, esse dado ultrapassou os 30cm, como em Pago Pago, capital de Samoa Americana, e Suva, principal cidade de Fiji. 

O cenário devastador motivou uma visita do secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, a Tonga, um dos países com risco de ser engolido pelo mar nas próximas décadas. Tuvalu, também na Oceania, é outro território ameaçado. Como é de conhecimento científico e da sociedade em geral, o aumento do nível do mar está diretamente relacionado ao derretimento de geleiras, uma consequência do aquecimento global. 

As sucessivas tragédias ambientais aqui e em outros países são um prenúncio do que as próximas gerações vão sofrer diante da inércia humana para pensar soluções mais sustentáveis e adotar um estilo de vida menos dependente da exploração natural, sobretudo dos combustíveis fósseis. A situação é cada vez mais irreversível.

Ainda que o Brasil tenha uma das matrizes energéticas mais sustentáveis do planeta, a partir da predominância da fonte hidrelétrica, o país precisa ampliar seu protagonismo na discussão mundial sobre o tema. São bem-vindas iniciativas como a do atual governo ao se colocar à disposição para receber a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), a ser realizada em Belém, em novembro do ano que vem. 

Mesmo assim, esse protagonismo precisa acontecer também a partir do rompimento de paradigmas inversamente proporcionais, como o ainda alto consumo de combustíveis fósseis no país — 92% da energia usada em transporte tinha origem do tipo em 2019, segundo a Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês). É preciso que o poder público incentive e até dê mais subsídios às produções de etanol e biodiesel, ainda que políticas como essas sejam impopulares na elite econômica, sobretudo entre acionistas da Petrobras, principal produtora de petróleo do Brasil. 

O momento atual é chave para definição do futuro da humanidade. É preciso pensar de maneira coletiva, característica tão rara atualmente. Basta ver os casos dos países insulares da Oceania que praticamente não contribuem para a poluição do planeta, até por conta de suas pequenas populações, mas serão os primeiros a pagar a conta. 

Não há mais espaço para o toma lá dá cá ambiental a partir de posicionamentos ambíguos, como sediar a próxima COP ao mesmo tempo em que se tenta ampliar a exploração de petróleo. É preciso incentivar o pensamento da cidade inteligente, que alia o avanço da tecnologia ao desenvolvimento sustentável. 

Urge a criação de mecanismos capazes de apontar mais precisamente os culpados pelos noticiados incêndios criminosos, mas também os responsáveis pelo desperdício de água e pelo desenvolvimento de poluição em larga escala.

 

 

 

 

 

 

 

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