segunda-feira, 19 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Uso da IA por extremistas desafia governos

O Globo

Vídeos fraudulentos que mobilizaram protestos no Reino Unido soam alarme para riscos da nova tecnologia

A Justiça Eleitoral fez bem ao estabelecer regras para o uso de ferramentas de inteligência artificial (IA) na campanha eleitoral deste ano. Proibiu o uso de vídeos em que as imagens são manipuladas para simular algo que os candidatos não disseram na realidade, conhecidos como deepfakes, e passou a exigir a identificação de qualquer propaganda que faça uso de recursos de IA. Mas a atenção das autoridades deveria, na verdade, ser mais ampla. É preciso que o poder público trace planos de ação para enfrentar a aplicação da nova tecnologia digital pelo crime e por grupos extremistas, neonazistas, supremacistas brancos ou radicais de esquerda.

As manifestações da extrema direita contra os imigrantes nas últimas semanas no Reino Unido foram apoiadas nas redes sociais por conteúdos produzidos por IA. No mesmo dia em que três crianças foram mortas em Southport, no fim de julho, uma conta no X postou para mais de 400 mil seguidores uma imagem, produzida por IA, de homens com vestes muçulmanas e punhais nas mãos correndo atrás de um bebê, tendo ao fundo o Parlamento Britânico, com a seguinte mensagem: “Precisamos proteger nossas crianças”. Não demorou para o vídeo fraudulento atrair 920 mil visualizações.

Esse é apenas um exemplo — facilmente desmascarado, é certo — do que a IA é capaz de gerar em mãos mal-intencionadas. A preocupação não se restringe a golpes como telefonemas para obter senhas de cartões de crédito simulando à perfeição a voz do gerente ou de um parente. Cresce o temor com o uso da tecnologia por extremistas, solitários ou em organizações. Um grupo de pesquisadores americanos do Middle East Media Research Institute (Memri) produziu um relatório de 200 páginas exibindo casos concretos dos riscos trazidos pela IA. “Os extremistas, desde os primórdios da internet, costumam ser usuários precoces de novas tecnologias. Rapidamente migram para essas plataformas, que oferecem novas maneiras de alcançar um público mais amplo”, afirma Simon Purdue, diretor do Memri.

Grupos neonazistas disseminam pelas redes mensagens estereotipadas e conspiratórias, tradução de discursos de líderes fascistas, vídeos manipulados, enfim, toda uma produção de material nocivo e fraudulento. Outro grupo que mapeia as redes sociais, o Tech Against Terrorism (Tecnologia contra o Terrorismo), localizou 5 mil arquivos gerados por IA generativa — capaz de produzir conteúdos novos —, compartilhados por supremacistas brancos e integrantes de organizações terroristas como Estado Islâmico e al-Qaeda. Esses grupos sempre se preocuparam com a propaganda de suas ideias. Com a IA, passaram a ter poderosos instrumentos de falsificação da realidade.

Não é de hoje que o acesso à internet exige filtros e dispositivos de segurança dos usuários. Agora os cuidados têm de ser redobrados por causa das possibilidades de fraudes permitidas pelas novas ferramentas digitais desenvolvidas por meio da IA. É hora de organizações da sociedade civil e poder público adotarem programas permanentes de esclarecimento sobre as vantagens e riscos que acompanham as novas tecnologias.

Crédito mais fácil deverá manter Brasil na liderança do mercado de fintechs

O Globo

Por decisão do Conselho Monetário Nacional, financiamento para empresas inovadoras foi facilitado

O Brasil lidera na América Latina o mercado de fintechs, empresas que atuam no mercado financeiro por meio de plataformas digitais. Uma em quatro dessas empresas inovadoras no continente opera no país. Em 2017, não passavam de 230, segundo o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Ao final do ano passado, eram 722. Por decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN), as regras de financiamento às fintechs de crédito no Brasil foram alteradas no começo de agosto para facilitar a captação de recursos. Ainda é cedo para avaliar os efeitos da medida, mas, se ela cumprir o objetivo de reduzir os custos de financiamento e aumentar o dinamismo no mercado de crédito, especialmente aquele voltado para pequenas e médias empresas, o país deverá se manter na dianteira.

A melhoria no ambiente de negócios para as fintechs tem o potencial de reverberar pelos mais diferentes setores. Para competir com as instituições financeiras tradicionais, elas costumam apostar em agilidade e menos burocracia. Custos baixos e uma experiência melhor para os clientes são outras características associadas às fintechs. Com o uso intensivo de recursos tecnológicos, elas tentam explorar nichos negligenciados pela concorrência, expandindo a oferta de produtos e serviços. A expectativa do Banco Central é que, com o tempo, ajudem a ampliar ainda mais a concorrência e a aumentar a eficiência do sistema financeiro.

A decisão do CMN chegou no momento em que o setor dá sinais de amadurecimento. As fintechs em fase de expansão ou consolidação aumentaram de 31% do total em 2022 para 44% no ano passado, segundo a Fintech Deep Dive 2023, quinta edição da pesquisa da Associação Brasileira de Fintechs. Quatro em dez declararam ter parado de registrar prejuízo, nível mais alto em cinco anos. A análise do faturamento também traz boas notícias. Há menos fintechs com receita inferior a R$ 350 mil e mais com faturamento superior. Em 2022, 60% tinham menos de 20 funcionários. Em 2023, 51%.

Além de ser o maior, o mercado brasileiro destoa do latino-americano. Na região, o segmento de meios de pagamento ocupa o primeiro lugar, com 21% das empresas. No Brasil, predomina o crédito. Em 2023, esse segmento tinha participação de 17%, ante 16% para meios de pagamento, 14% para gestão financeira, 13% para bancos digitais e 10% para criptoativos.

Se ampliarem a captação de recursos a custos menores, as fintechs estarão mais preparadas para reforçar o foco nas pequenas e médias empresas (PMEs). Mais da metade diz que seus clientes são PMEs. Um ano antes, em 2022, eram 38%. Independentemente do setor em que atuem, os empreendedores à frente de startups sempre buscam mapear as dificuldades dos clientes e, a partir da eliminação de barreiras, buscam oportunidades de negócios. Agora, com condições mais favoráveis para se financiar, as fintechs de crédito estão mais fortes para encarar o desafio de inovar. Quanto mais aumentarem a competição, maiores serão as vantagens para o mercado todo.

Aquecimento global exige dos países uma união ainda distante

Valor Econômico

Problemas imediatos, como guerras, crises políticas eleições, rivalidades globais, estão desviando o foco a crise climática

Os últimos 13 meses foram notáveis em termos de mudanças climáticas. Houve seguidos recordes de calor e uma série de eventos climáticos extremos, que estão se tornando cada vez mais frequentes. Além disso, pela primeira vez a média de temperatura global ficou 1,5°C acima do período pré-industrial, que é o limite de aquecimento fixado pelo Acordo de Paris para o fim deste século. Alguns cientistas temem que esteja ocorrendo uma aceleração no processo de aquecimento global. E justamente num momento em que a disposição de colaboração entre os governos pelo mundo se encontra num nível excepcionalmente baixo.

Em 21 de julho o planeta teve sua maior média diária, até então, de temperatura do ar na superfície, desde que esses registros começaram. Os dados são do Serviço Copernicus de Mudança Climática (C3S, na sigla em inglês), da União Europeia. O pico anterior havia sido em 6 de julho de 2023. O novo recorde, porém, durou apenas 24 horas, e 22 de julho é agora oficialmente o dia mais quente já registrado. Como um todo, a temperatura média global em julho ficou 0,04°C abaixo do recorde de julho de 2023, relatou o C3S. Isso encerrou um período excepcional de 13 meses seguidos com temperaturas recordes. Mas agosto ameaça retomar essa série. Este ano caminha para bater recorde de calor, superando 2023. Nas últimas semanas, a Antártida vem experimentando uma onda de calor inédita, em pleno inverno austral, com temperaturas até 28°C acima do normal para esta época do ano.

Formalmente, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), a principal autoridade das Nações Unidas sobre o tema, considera, para efeito de comparação, a média dos últimos 20 anos, que está abaixo de 1,5°C. Isso porque o dado anual pode ser distorcido por causas temporárias, por exemplo um fenômeno El Niño particularmente forte, como vem sendo o caso desde 2023. Ainda assim, não era esperado que a temperatura atingisse esse média anual tão cedo.

“O que é realmente impressionante é quão grande é a diferença entre a temperatura dos últimos 13 meses e os recordes anteriores de temperatura. Estamos agora em território desconhecido”, afirma o diretor do C3S, Carlo Buontempo. Isso ficou evidente para a população de muitas regiões do Brasil, que praticamente não sentiram o inverno neste ano.

E não é apenas o ar que está esquentando. Ainda segundo o C3S, a temperatura média da superfície dos oceanos foi recorde em fevereiro, superando agosto de 2023. Esse novo valor recorde foi repetido em março. Neste mês, o Mar Mediterrâneo igualou o recorde de temperatura na superfície d’água, registrado também em 2023.

Esses aumentos sem precedentes das temperaturas no planeta vêm gerando um intenso debate no meio científico. Para uma parte dos especialistas, o aumento é compatível com as projeções climáticas feitas nas últimas décadas e não há indícios claros de uma aceleração maior do processo de aquecimento global. Mas há também aqueles que temem que as elevações recentes de temperatura estejam superando as projeções.

Seja como for, esse aquecimento possivelmente está relacionado a uma série de eventos climáticos extremos registrada nos últimos meses, como as piores enchentes da história do Rio Grande do Sul, a inundação na desértica Dubai, as ondas de calor na Índia e no Mediterrâneo, o início precoce da temporada de furações no Atlântico Norte e incidentes graves de turbulência em aviões.

Esse aparente agravamento do processo de mudanças climáticas ocorre num momento em que a relação deteriorada entre as principais potências globais dificulta a cooperação e a adoção de políticas eficazes e coordenadas pela comunidade internacional.Esse cenário pode se tornar ainda mais complexo se o republicano Donald Trump vencer as eleições presidenciais de novembro nos EUA. Ele é um cético do aquecimento global. Uma das pouquíssimas propostas de governo feitas por Trump no seu discurso na convenção do Partido Republicano, em julho, foi justamente anular medidas climáticas adotadas pelo governo de Joe Biden. No discurso, ele voltou a chamar a crise climática de “fraude verde”.

Talvez por ter perdido espaço na agenda política global nos últimos anos, a questão do combate às mudanças climáticas vem recebendo uma atenção insuficiente no debate público. Problemas imediatos, como guerras, crises políticas, eleições, rivalidades globais, estão desviando o foco do aquecimento, que é um tema aparentemente de longo prazo. Mas essa percepção é equivocada.

Como já foi provado cientificamente, o aquecimento global é causado pela humanidade. E terá de ser contido pela humanidade. O modo mais adequado de enfrentar esse problema ainda é um debate em aberto. Haverá custos, que devem ser distribuídos o mais justamente possível. Mas o custo da inação será maior, como mostra a tragédia deste ano do Rio Grande do Sul. E o forte aumento recente das temperaturas é um sinal de alerta de que a questão não pode ser jogada para baixo do tapete. Evitar o assunto não fará o termômetro parar de subir.

Atividade em alta é boa notícia, mas há riscos

Folha de S. Paulo

Com escalada do gasto público, emprego e da renda alimentam inflação; é preciso sinal de austeridade para conter juros

Como tem ocorrido desde 2021, a economia brasileira desafia prognósticos de desaceleração. A julgar pelos dados mais recentes, a expansão do PIB pode novamente superar 2,5% neste ano, mesmo diante de incertezas, internas e externas, e dos juros altos vigentes.

O IBC-Br, índice do Banco Central que mede a atividade econômica, apontou aumento de 1,4% de maio para junho —além das expectativas, que rondavam 0,5%.

No trimestre, ante o período correspondente de 2023, o avanço chegou a 2,8%, liderado pelo setor de serviços. Nem mesmo as enchentes no Rio Grande do Sul tiveram impacto material na dinâmica, ao contrário do que se temia.

Impulso decisivo vem da renda do trabalho, que subiu 5,8% acima da inflação no trimestre encerrado em junho, na comparação anual. O emprego formal e informal também mostra vigor, e a taxa de desocupação de 6,9% no período é a menor desde 2014.

Outro vetor é o gasto público em expansão acelerada. Nos últimos 12 meses a despesa federal cresceu 15% acima da inflação, notadamente nas rubricas de Previdência e benefícios sociais, que ampliam a renda disponível.

Em adição a tais influências conjunturais, há elementos estruturais de difícil mensuração. O grande acúmulo de projetos de infraestrutura observado desde a modernização regulatória a partir de 2016 —inclusive com o novo marco do saneamento— indica que há vultosos investimentos contratados para os próximos anos.

É também plausível que a reforma da legislação trabalhista, com redução do contencioso judicial e maior flexibilidade de contratos, já tenha impactado a geração de emprego. Não é simples, porém, comprovar essa conjectura.

O crescimento econômico vem se mostrando sólido e persistente, portanto, mas há fatores de risco que precisam ser levados em conta pelo governo. Um deles é a inflação renitente, que já leva o Banco Central a considerar elevação da taxa Selic mesmo quando a maior parte do mundo parece indicar o movimento oposto.

Salta à vista a descoordenação das políticas monetária e fiscal. Diante da exuberância da demanda interna, o melhor agora seria reduzir despesas e abrir espaço para cortes de juros —combinação ideal jamais aceita pelo PT e pela ala política do Executivo.

Nas próximas semanas, o governo Luiz Inácio Lula da Silva terá a chance de desfazer dúvidas quanto a seu compromisso com as metas fiscais, quando apresentar a proposta de Orçamento para 2025. Um documento crível ajudaria a evitar uma alta dos juros e com isso perenizar o bom momento de ampliação do emprego e da renda.

Desmonetizar o PCC

Folha de S. Paulo

Ao minar financiamento, inteligência é recurso mais eficaz para combater facções

Há várias formas de enfrentar o crime organizado. Uma delas, menos eficaz, é a mais comum no Brasil: grandes operações policiais que visam intimidar facções. No geral, contudo, tais ações só elevam o risco de mortes pelas forças de segurança sem interferir muito na estrutura da atividade ilícita.

Outro modo é o uso de inteligência policial para desvendar movimentações financeiras e quebrar a teia de contatos que sustentam o grupo criminoso. Recentemente, articulações entre o Judiciário e as polícias no estado de São Paulo têm seguido nessa linha.

Em abril deste ano, o Ministério Público revelou indícios de ligação entre empresas de ônibus e a facção Primeiro Comando da Capital (PCC), por meio da lavagem de dinheiro proveniente de roubos e do tráfico de drogas.

Outra operação deflagrada pelo Ministério Público no início deste mês procurou desmantelar o crime organizado atuante no centro da cidade de São Paulo.

Uma das marcas de atuação do PCC na capital paulista é a ocupação de instalações no entorno da cracolândia —hotéis, pensões, estacionamentos e ferros-velhos— que servem como base para a movimentação criminosa. Em vez de de apenas invadir esse locais e prender usuários, a proposta mais sensata foi a de atacar o ecossistema econômico que sustenta a facção.

Há também a penetração do crime organizado no Estado com o financiamento de campanhas eleitorais. Segundo o chefe de inteligência da Polícia Militar paulista, coronel Pedro Luís de Souza Lopes, investigações indicam que o PCC injeta dinheiro em candidaturas políticas em diversos municípios.

A influência insidiosa da facção vai além. Em abril, o Ministério Público apontou suposto esquema de fraude de licitações por agentes acusados de integrar o PCC.

Esses casos evidenciam a necessidade de ações sofisticadas para desmantelar o poderio do crime organizado. Só a inteligência das forças de segurança é capaz de desfazer os elos do PCC com empresas e o Estado. A força bruta, que contribui para a inaceitável letalidade policial no Brasil, até agora não obteve êxito nessa seara.

Indecência aprovada

O Estado de S. Paulo

Aprovação de PEC da Anistia pelo Senado mostra que partidos, quando querem, conseguem trabalhar em harmonia – neste caso, para avançar uma pauta que deixa o País indignado

Às vésperas das eleições municipais, o Senado aprovou de forma relâmpago a indecorosa PEC da Anistia. A emenda cria uma espécie de “Refis”, o famoso Programa de Recuperação Fiscal, para que partidos que violaram regras eleitorais não paguem juros sobre dívidas, que poderão ser quitadas em prazos que variam de 5 anos, para quitação de obrigações previdenciárias, a 15, para multas pelo descumprimento de cotas raciais e de gênero.

Apesar de o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ter dito anteriormente que a questão não seria tratada com “açodamento”, a proposta foi aprovada em apenas um dia, entre as votações na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e as realizadas em dois turnos no Plenário da Casa, numa demonstração do caráter de urgência e da união partidária em torno de pautas obscenas.

Diante da forte indignação popular contra mais este desserviço da classe política, até se tentou, por pouquíssimo tempo, dar à PEC um trâmite menos acelerado. Prevaleceu, contudo, a oportunidade de se valer de condições extremamente favoráveis para o relaxamento de regras e a regularização de débitos já neste ano eleitoral. Entre a aprovação na Câmara dos Deputados, em julho, e a confirmação pelo Senado agora, tudo correu com uma pressa poucas vezes vista.

A PEC, que precisava do apoio de 49 senadores para ser promulgada, recebeu 51 votos no primeiro turno de votação e 54 no segundo, unindo praticamente todos os partidos, incluindo os inimigos figadais PL e PT, embora não seja a primeira vez que os rivais demonstrem harmonia em torno de pautas indefensáveis. São sócios da PEC da Anistia os senadores Flavio Bolsonaro (PL-RJ), Jaques Wagner (PT-BA) e Sergio Moro (União-PR).

Ressalte-se ainda que o Partido dos Trabalhadores deve ser um dos maiores beneficiados pelo projeto, já que, como revelou o Estadão, as dívidas da sigla com a União somavam R$ 22,2 milhões até março, de acordo com lista da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; deste total quase R$ 18,2 milhões eram em dívidas com a Previdência, um atestado da hipocrisia do PT com a classe trabalhadora.

Além de premiar a inadimplência e, segundo especialistas, permitir o pagamento de dívidas com recursos de “origem não identificada”, a PEC reduz ainda cotas para candidaturas de pretos e pardos, as mesmas que, por serem flagrantemente descumpridas pelos partidos, geraram as multas que agora serão pagas em prazos dilatados e sem juros.

O novo texto estabelece um piso de 30% para o envio de recursos partidários a candidatos pretos e pardos, abrindo brecha para que as legendas transfiram recursos a um único candidato, sepultando o critério de proporcionalidade. Os diretórios dos partidos poderão, também, escolher uma região para destinar tais recursos, contrariando decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que a divisão seja proporcional ao total de candidatos pretos e pardos apresentados. Aprovada a toque de caixa, a PEC pode oferecer um verniz de regularidade ao descumprimento das cotas já nas disputas municipais deste ano.

Não que as determinações fossem cumpridas anteriormente – a cota racial, por exemplo, era de 50% –, mas, ao promover uma autoanistia, acompanhada de relaxamento das regras, a classe política dá o sinal de que seguirá rasgando a Constituição e promovendo alterações que a favoreçam.

Os partidos políticos, mais uma vez também, renovam as possibilidades de enfrentamento com o Judiciário. Não será surpresa para ninguém se as entidades que justamente criticaram tamanha excrescência entrarem com ações contestando a PEC da Anistia. A organização Transparência Partidária estima que o impacto financeiro do projeto será de R$ 23 bilhões.

Além do fato de que deputados e senadores acabam de fornecer um bom argumento àqueles que desprezam a política partidária no País, confirma-se que, quando interessa, os políticos deixam as brigas de lado e se entendem às mil maravilhas.

O risco do PCC para a democracia

O Estado de S. Paulo

Facção criminosa financia campanhas, ameaça políticos, firma contratos públicos e agora pretende ter candidaturas próprias. O risco iminente à democracia deve ser contido desde já

Decerto insatisfeito com o imenso poderio financeiro alcançado após décadas de bandidagem, o Primeiro Comando da Capital (PCC), ao que tudo indica, agora está disposto a contaminar a política, em um incipiente projeto de subversão da democracia. Investigações que revelaram as entranhas dessa organização, pelas quais criminosos empreendem negócios de fachada para lavar dinheiro do tráfico de drogas, têm apontado também a busca pelo poder em instituições de Estado.

Essa estratégia, segundo reportagem publicada pelo Estadão, tem ganhado tração desde as eleições passadas. A atuação da facção passa pelo financiamento de campanhas de aliados, contaminação da máquina pública, captura de contratos públicos, ameaças a políticos e até mesmo a tentativa de lançar representantes próprios para disputar pleitos.

O primeiro alerta dessas investidas surgiu após um líder do PCC ter tido, em 2016, a ideia de irrigar com dinheiro sujo do crime uma candidatura a prefeito de Arujá, na Grande São Paulo. A negociação se deu com o candidato a vice e, depois de eleita a chapa, a facção se apoderou da coleta de lixo da cidade e da Secretaria Municipal da Saúde, transformada em cabide de emprego de apaniguados dos delinquentes.

De lá para cá, esse tipo de negócio entrou na mira de investigadores também na capital paulista. Há um tempo, duas empresas do setor de transporte estão sob suspeita de que seus capitais sociais teriam dinheiro do PCC. Mesmo assim, a UPBus e a Transwolff, que hoje estão sob intervenção, receberam recursos milionários da Prefeitura de São Paulo. Neste ano, a Operação Fim de Linha expôs essa complexa rede de cooptação, prendeu um empresário ligado à facção e já virou, de modo rasteiro, um tema de pré-campanha.

Além da capacidade de comprar candidatos, de aparelhar a máquina pública com seus prepostos e de assinar contratos públicos com laranjas, o PCC há muito tempo restringe a liberdade de voto dos cidadãos em algumas regiões do Estado por meio da intimidação.

Há quatro anos, integrantes da facção disseminaram seu costumeiro terror nas eleições municipais de Campinas, Santos e Praia Grande. Pela força das armas, candidatos do PSDB foram simplesmente impedidos de fazer campanha em comunidades dominadas pelo crime organizado e tiveram de recorrer a escolta para apresentar seus planos aos eleitores.

Neste ano, o PCC pretendia dar um passo além. A organização queria chegar às urnas. Como mostrou a Operação Decurio, da Polícia Civil de São Paulo, a facção preparava a apresentação de candidaturas a vereador em Mogi das Cruzes e em Santo André.

Em Mogi, a mulher de um dos maiores responsáveis por lavar dinheiro do PCC participaria da disputa pelo União Brasil. Já no município do ABC paulista, o dono de uma empresa que também lavava dinheiro para a facção buscaria uma vaga na Câmara pelo PSD. Ambas as candidaturas foram barradas graças à operação da polícia, que, além disso, bloqueou R$ 8,1 bilhões por suspeita de esquema de lavagem de dinheiro.

Vale lembrar, ainda, que a recente Operação Salus et Dignitas (saúde e dignidade, em latim), na Cracolândia, resultou na prisão de uma ex-candidata a vereador pelo PT. Ela era responsável por monitorar ilegalmente por rádio a comunicação da polícia na região da Favela do Moinho, apontada como o QG do PCC na Cracolândia. Já o PRTB, partido que lançou Pablo Marçal à Prefeitura, chegou a ser comandado por um indiciado por suposta associação criminosa para o tráfico e de ter ligações com a facção.

Isso tudo indica que o poder financeiro parece dar impulso ao bando para se aventurar na política, corromper agentes públicos, drenar dinheiro do contribuinte por meio de contratos viciados e infiltrar-se em agremiações políticas. Aliás, os partidos precisam aprimorar seus mecanismos de controle para identificar e afastar bandidos ou agregados do crime organizado que degeneram suas fileiras.

Numa democracia, não há espaço para o medo nem se tolera a interdição do debate de ideias. É ousada a marcha do PCC rumo ao poder político, e esse fenômeno deve ser contido desde já, antes que cresça e se alastre. O perigo não pode ser ignorado.

Das prioridades municipais

O Estado de S. Paulo

Média de acesso a creches no País é de parcos 40%, e metade das capitais está abaixo disso

Para contribuir com um lastro propositivo às campanhas municipais e tentar evitar que se baseiem apenas em ataques e acusações entre os candidatos – espetáculo que, infelizmente, o eleitor se habituou a acompanhar em períodos eleitorais –, a organização Todos Pela Educação traçou um panorama sobre o acesso escolar, da creche ao último ano do ensino básico, em todas as cidades brasileiras.

O levantamento mostra que nos 5.562 municípios brasileiros, a média de acesso à creche para crianças até 3 anos é de 40%, e em metade das capitais está abaixo desse patamar. Em apenas cinco a oferta atende a mais da metade das crianças: Rio de Janeiro (51%), Curitiba (53%), Florianópolis (57%), Vitória (64%) e São Paulo (66%). Na pré-escola, para crianças de 4 a 5 anos, a média está em nível bem melhor, 94%, mas somente duas capitais atendem integralmente à demanda: Vitória e Florianópolis.

Os municípios são os grandes agentes da educação básica no Brasil, com 62% da oferta de matrículas. Esse peso e a necessidade de o País aperfeiçoar sua base de ensino fazem da Educação uma política pública prioritária em qualquer programa de governo. Cabe às administrações municipais garantir o direito constitucional de acesso à aprendizagem a todas as crianças, seja em creches, pré-escolas e no Ensino Fundamental.

De acordo com os dados da pesquisa, a proporção de jovens de 16 anos que concluíram o fundamental é de 84%, e apenas em uma capital, Goiânia, o porcentual alcança 100%. Em 17 de 26 capitais, o total de jovens nesta idade com o fundamental completo não bate 90%, embora a universalização do ensino nessa fase seja obrigação dos governantes. Os dados incluem também o atendimento aos critérios do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) na adequação da aprendizagem.

Além de trazer dados relativos à abrangência do ensino em todos os municípios, a plataforma Educação Já Municípios, do Todos pela Educação, apresenta diagnósticos e sugestões tanto para melhorar a qualidade das creches e escolas da primeira infância (até 6 anos) quanto para garantir a frequência, permanência e qualidade no ensino fundamental e, com isso, ajudar a reduzir fatores que possam interferir no desempenho do estudante.

É o tipo de discussão que qualquer eleitor gostaria de acompanhar nos embates entre candidatos a prefeito de cada cidade e não a avalanche de farpas, indiretas, acusações (sem compromisso sequer com a apresentação de provas), ataques pessoais e bate-boca que tendem a ocupar a maior parte do tempo desses debates.

O avanço na Educação ocorre muito lentamente. O mais recente Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), cuja escala vai de zero a 10, deu apenas 6 para os anos iniciais do ensino fundamental. O aumento foi de apenas 0,2 ponto porcentual em relação a 2021 e o resultado ficou exatamente na meta traçada pelo Ministério da Educação (MEC), mas ainda é pouco. O Brasil precisa de mais do que isso para crescer, e o esforço começa nos municípios.

Saúde sem privilégios

Correio Braziliense

A garantia de saúde deve ser a mesma para todas as nações, num entendimento dos governos de que nenhuma fronteira pode barrar a circulação das doenças

A covid-19 provocou um impacto sem precedentes no mundo, com repercussões em vários segmentos e em aspectos sociais, econômicos, políticos e culturais. A situação de pandemia foi considerada encerrada em maio de 2023, mas seus efeitos permanecem. Na saúde global, amplamente afetada, as lições são profundas — porém algumas delas parecem que não foram totalmente aprendidas.

O coronavírus afetou direta e indiretamente o bem-estar das pessoas. Diversos costumes das populações sofreram adaptações, mudanças ou, até mesmo, foram abandonados. A necessidade de conscientização sobre a saúde individual e coletiva se impôs de forma definitiva. No entanto, algumas convicções e práticas inadequadas causam apreensão.

Apesar da prova que a covid-19 deu ao planeta sobre a importância das vacinas, essa prevenção ainda é negligenciada por grupos diversos. Em 2023, mais de 60% dos municípios brasileiros não atingiram as metas entre 90% e 95% de imunização em relação ao calendário infantil, segundo o Ministério da Saúde.

Já a cobertura mundial de vacinação nessa faixa etária estagnou no ano passado, deixando 2,7 milhões de crianças sem imunização ou com doses insuficientes, em comparação aos níveis pré-pandêmicos em 2019, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Uma vez que as altas coberturas são essenciais para diminuir a circulação de vírus e outros micro-organismos nocivos, essa questão desperta para a importância de um esforço conjunto visando à proteção das populações. Surtos de sarampo e a elevada incidência de doenças que já não preocupavam agora são uma realidade mundial.

Na última quarta-feira, a OMS anunciou que a mpox é, novamente, uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Segundo a entidade, o aumento expressivo de casos na África oferece um risco potencial de nova pandemia. A globalização sanitária, a exemplo do que aconteceu com o coronavírus, exige ações complexas e com ampla participação dos cidadãos.

A diferença entre países ricos e pobres não pode existir. Ao contrário. A garantia de saúde deve ser a mesma para todas as nações, num entendimento dos governos de que nenhuma fronteira pode barrar a circulação das doenças.

Outros registros significativos, como a crescente incidência de problemas crônicos não transmissíveis, se apresentam. Diabetes, câncer e moléstias cardiovasculares são algumas das enfermidades que têm registrado aumento pelo mundo.

Diante disso, a democratização da saúde, de maneira que permita o alcance a tratamentos e a oportunidade de cuidados, não pode ser apenas um conceito. Remédio, vacina, tecnologia e conhecimento médico precisam ser considerados bens e direitos da humanidade. A desigualdade de acessos potencializa o perigo coletivo de adoecimento e não faz sentido em um mundo que busca a dignidade para todos. Pensar a saúde sem privilégios é o caminho para superar os desafios globais que se impõem nesse campo.

 


 

 


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