sábado, 24 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Candidatura de Marçal exige maior vigilância

O Globo

Condenado por furto e acusado de violar lei eleitoral, surpresa paulistana está longe de ser apenas folclórico

A democracia ganha quando gente de todo tipo concorre a cargos eletivos. Candidatos com origens diversas e conhecimentos variados trazem pontos de vista originais, enriquecem o debate e melhoram a representatividade. Mas, em nome da saúde da própria democracia, nem tudo é aceitável no embate político.

O Brasil já teve sua cota de personagens folclóricos que aglutinaram a revolta contra os políticos e conquistaram projeção. Foi nessa raia que despontou a candidatura à Prefeitura de São Paulo do dublê de influenciador, coach corporativo e empreendedor das redes sociais Pablo Marçal. Qualquer um que almeje comandar a maior cidade do país deveria manter conduta irrepreensível e respeitar as regras que garantem equilíbrio na disputa. Não é o caso de Marçal. Candidato pelo inexpressivo PRTB, ele não teve pejo em adotar o escândalo como estratégia.

Até agora, não apresentou uma única ideia sensata para resolver os problemas dos paulistanos. Mas, com seu estilo provocador e desafiando as leis eleitorais, tem chamado a atenção nas redes sociais, conquistado pontos nas pesquisas de intenção de voto — e se tornou tema incontornável na eleição.

Ainda é cedo para fazer prognósticos. Questionados na pesquisa espontânea sobre em quem votarão, 48% dos ouvidos pelo Datafolha nesta semana disseram não saber. Mas o avanço de Marçal se faz sentir nas pesquisas. Na média mantida pelo agregador Rali, do GLOBO, ele atrai 20% das preferências e aparece embolado com Guilherme Boulos (PSOL, 23,2%) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB, 19,2%). Uma semana atrás, tinha apenas 13,3%.

Sua arrancada foi impulsionada por acusações sem evidências contra adversários — algumas flagrantemente mentirosas — e indícios de abuso de poder econômico. Infelizmente, a resposta da Justiça Eleitoral tem sido tíbia. O Ministério Público Eleitoral suspeita que vídeos de propaganda são distribuídos por terceiros mediante ganho financeiro, uma violação flagrante à legislação que rege as campanhas. Mas nada ainda foi feito contra isso.

O foco em Marçal o tornará alvo preferencial dos adversários. Não falta munição. Ele foi condenado por furto qualificado, sob a acusação de participar de quadrilha especializada em fraude bancária pela internet. Preso durante a Operação Pegasus em 2005, foi condenado pela Justiça Federal de Goiás, mas recorreu, e o caso prescreveu. Marçal fazia manutenção dos computadores da quadrilha e nega que estivesse ciente das atividades ilícitas. Noutro caso, é investigado por tentativa de homicídio, acusado de pôr a vida de seguidores em risco em expedição a uma região montanhosa em São Paulo.

Problemas com a Justiça também atingem seu partido. O vice-presidente do diretório municipal foi condenado por extorsão mediante sequestro. Homens de confiança do presidente nacional são investigados por suspeita de ter trocado carros de luxo por cocaína para a facção criminosa PCC.

Marçal tem até o primeiro turno para enfrentar essa profusão de acusações. Seria salutar se também explicasse aos eleitores o que pretende fazer em caso de vitória e pautasse o debate por propostas para a cidade, e não por acusações descabidas. Nas redes sociais, a estratégia sedutora do coach pode trazer dividendos. Numa prefeitura, dificilmente reverteria em consequências positivas para a população.

Motofaixa exclusiva contribui para reduzir letalidade no trânsito

O Globo

Depois do sucesso em São Paulo e Santo André, Rio também adotou iniciativa de forma experimental

Faz bem a Prefeitura do Rio em testar o modelo das faixas azuis para motos adotado na cidade de São Paulo. O primeiro corredor carioca começou a funcionar na semana passada de forma experimental, num trecho de 2 quilômetros da Autoestrada Lagoa-Barra, ainda sem autorização da Senatran. A faixa tem 1,3 metro de largura e fica no meio da pista, por enquanto apenas no sentido Lagoa. A velocidade máxima é 60km/h (nas demais é 80km/h). A fase de testes deverá durar quatro meses. Se a iniciativa for bem-sucedida, poderá ser levada também a um trecho de 1,5 quilômetro da Avenida Rei Pelé (Radial Oeste), nas imediações do Maracanã.

O objetivo é reduzir acidentes envolvendo motociclistas e passageiros de motos — 44% das vítimas de trânsito na Lagoa-Barra —, além de organizar o fluxo na via expressa. Levantamento com base nas imagens de câmeras mostra que 42% das motos se arriscam em situações perigosas ao mudar de faixa, ao circular entre os carros ou pelo acostamento. A motofaixa não é obrigatória. Motociclistas podem usá-la durante as 24 horas do dia, mas a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET-Rio) recomenda o uso quando o trânsito estiver lento. A Prefeitura instalou radares para monitorar o limite de velocidade.

Em São Paulo, que tem 7 milhões de carros e 1,3 milhão de motos, a faixa azul começou a funcionar em 2022. Hoje está implantada em 17 vias, num total de 122 quilômetros de corredores exclusivos. A meta é chegar a 200 quilômetros até o fim do ano. As faixas não acabaram com acidentes e mortes (foram registradas pelo menos sete neste ano), mas contribuíram para aumentar a segurança. Levantamento da Companhia de Engenharia de Tráfego na Avenida dos Bandeirantes mostra que trafegar no corredor é 20 vezes mais seguro que fora dele. O projeto, inspirado em iniciativas de Copenhague e de cidades australianas, foi adotado com sucesso também em Santo André, no ABC paulista.

Um dos principais problemas das cidades brasileiras são acidentes envolvendo motociclistas. Em 2023, 142 mil vítimas de acidentes com moto foram internadas no SUS em todo o país — quase 400 por dia, 9,3% acima do ano anterior. São comuns acidentes graves, que deixam sequelas e incapacitam para o trabalho.

As faixas azuis não resolverão os males de um trânsito caótico, em que se misturam ônibus, caminhões, carros particulares, ciclistas e motos ziguezagueando perigosamente. Mas podem trazer bons resultados nas vias de maior letalidade. As cidades brasileiras deveriam se inspirar nessas experiências. Toda iniciativa para poupar vidas merece ser incentivada.

Transição demográfica rápida impõe desafios

Folha de S. Paulo

Com envelhecimento, população brasileira cairá antes do esperado, em 2042, o que trará impactos em Previdência e saúde

A população brasileira começará a cair em 2042, seis anos antes do esperado, segundo a projeção mais recente do IBGE com base nos dados do Censo 2022. A rapidez da transição demográfica já traz impactos econômicos e sociais, que serão crescentes nas próximas décadas e demandam planejamento.

A atualização dos dados elevou a estimativa da população na data de referência (1º de julho de 2022) em 3,9%, para 210,9 milhões. O pico ocorrerá em 2041, com 220,4 milhões de pessoas, cerca de 12,8 milhões abaixo da estimativa anterior. A partir daí, haverá redução para 199,2 milhões em 2070.

A transformação etária da qual decorre essa trajetória é notável e já presente. Entre 2000 e 2022, a taxa de fecundidade recuou de 2,32 para 1,58 filho por mulher. O número de nascimentos no país, que em 2022 foi de 2,6 milhões, será de 1,5 milhão em 2070.

A parcela da população de zero a 14 anos de idade caiu de 30% para 20,1%, enquanto a representação dos acima de 60 anos saltou de 8,7% para 15,6%. Essa tendência prosseguirá —pela projeção, em 2070 os mais jovens serão 12%, e os mais idosos, 37,8%.

Essas mudanças ensejam, desde já, ampla revisão de programas e criação de políticas públicas.

Um caso óbvio é a sustentabilidade das contas da Previdência com o aumento da longevidade e da proporção de aposentados. Programas de fomento ao emprego e requalificação de mão de obra tornam-se ainda mais relevantes, conforme se estende a vida ativa.

Novas formas de contribuição alinhadas às diferentes modalidades de relações de trabalho também precisam ser incentivadas.

Para reduzir déficits, além de ampliar as fontes de contribuição, serão essenciais novas reformas no Instituto Nacional do Seguro Social (INSSe nos regimes dos servidores públicos civis e militares.

Outra consequência da mudança demográfica é a alocação de recursos em educação e saúde. Com menos crianças nas escolas, deve-se priorizar a melhoria de qualidade na educação básica com os recursos existentes, já relativamente elevados de acordo com os padrões internacionais.

Será necessário ampliar aportes na área de saúde, tanto públicos quanto privados. Custear o SUS, melhorar a regulação de seguros, incorporar tecnologia e ampliar a produtividade são temas a serem trabalhados continuamente.

Por fim, tão melhor o país estará preparado para a transição demográfica quanto mais próspero for, o que depende de ampliar as oportunidades de emprego. Para tanto, é imperioso reconstruir a poupança e a efetividade da ação estatal, o que demanda ampla reforma administrativa e orçamentária.

Ditadura escancarada

Folha de S. Paulo

Decisão da alta corte da Venezuela completa descaramento da farsa de Maduro

O roteiro autocrático cumpriu-se na Venezuela. A suposta vitória do ditador Nicolás Maduro no pleito de 28 de julho foi confirmada —sem possibilidade de recurso nem divulgação das atas eleitorais— pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) na quinta-feira (22).

Aos protestos dos cidadãos, o regime reage com brutal repressão estatal e paramilitar, prisões políticas e perseguições às lideranças da oposição. Às constatações das Nações Unidas, do Centro Carter e da Organização dos Estados Americanos (OEA) de que os resultados oficiais das urnas são ilegítimos, faz vista grossa

Tudo indica que Caracas continuará como antes: desacreditada pelo Ocidente e imersa no atoleiro econômico e repressivo que levou cerca de 8 milhões de venezuelanos a deixarem o país. Contudo, agora, com a ditadura escancarada para quem ainda tergiversava sobre seu caráter, muito mais isolada.

A decisão do TSJ, corte tão subserviente ao regime quanto o Conselho Nacional Eleitoral, obstrui a potencial mediação dos vizinhos Brasil e Colômbia para tentar resolver a crise. A hipótese —insensata, diga-se— de nova eleição, cogitada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acabou sepultada.

Ao possuírem vastas fronteiras amazônicas com a Venezuela, os dois países são desafiados a optar entre reconhecer ou não um governo ditatorial que se estenderá até pelo menos 2031. Nos cálculos diplomáticos, porém, não há ilusão de que o reconhecimento preservaria o grau de interlocução que mantinham antes com Caracas.

Insistir na divulgação das atas, por mais que Maduro ridicularize a pressão, será o único caminho moralmente aceitável para as democracias brasileira e colombiana.

Não só porque EUA, União Europeia e 11 países latino-americanos assim se manifestaram, em consonância com a ONU e a oposição venezuelana. Mas, sobretudo, porque Maduro se tornou uma ameaça latente à segurança na América do Sul e a democracias já sob estresse da polarização política na região.

Crer em sentença imparcial da alta corte da ditadura, como Lula chegou a sugerir, implica tolerância com o despotismo ao lado.

O espectro do niilismo político

O Estado de S. Paulo

O vandalismo que Marçal representa não surgiu da noite para o dia. Para enfrentá-lo, é preciso que o radicalismo do amor à política se imponha ao radicalismo dos que odeiam a política

Há algo de podre na democracia brasileira. O mau cheiro não é de agora. Lá se vão mais de 10 anos desde as Jornadas de Junho de 2013.

Nos últimos 21 anos, o PT governou por 15. Mesmo após os ardis antidemocráticos de compra de parlamentares no primeiro mandato de Lula da Silva, o partido conquistou mais três mandatos consecutivos, o suficiente para engendrar outro esquema de cooptação da máquina pública a serviço de seu projeto de poder, promover algumas das ditaduras mais sangrentas do mundo e afundar a economia na pior crise dos tempos modernos.

Então surgiu o fenômeno Jair Bolsonaro. Tão grande foi a indignação popular com a crise moral da República, que o deputado do baixíssimo clero, sob sua fúria antipetista, conseguiu magnetizar os ânimos antissistema. Mas tão incompetente e truculento foi o seu governo, que o PT retornou ao poder propagandeando-se como “salvador da democracia”.

Nas eleições deste ano estava contratada uma reedição dessa polarização nas praças municipais. Mas, desafiando o Axioma de Tiririca, a coisa ficou pior. São Paulo é exemplar. Segundo as últimas pesquisas, o aventureiro Pablo Marçal foi alçado ao patamar de “terceira força”, em condições de igualdade com o candidato do PT, Guilherme Boulos, e com o candidato de Bolsonaro, o incumbente Ricardo Nunes.

Marçal é o produto de uma espécie de “seleção natural” da extrema direita. Dizendo barbaridades que nem Bolsonaro diria, Marçal cativa o eleitorado bolsonarista à revelia de Bolsonaro, como se demonstrasse que o ex-presidente não é hegemônico na direita antidemocrática.

Mas o espectro do embate entre direita e esquerda é só parte do fenômeno, talvez a menos relevante. Se Bolsonaro usou a descrença na política para alimentar seu discurso contra a esquerda, Marçal – ao contrário de Bolsonaro, um corpo genuinamente estranho ao sistema – usa a impopularidade da esquerda como pretexto para atacar seu verdadeiro alvo: a política.

Goste-se ou não do conteúdo lulopetista, a rigor o PT é, na forma, o único partido político brasileiro digno desse nome, com um programa claro e uma militância organizada em escala nacional. Bolsonaro é um político sem partido, ou de muitos partidos, mas também tem uma militância organizada e algo que se pode chamar de ideologia: a nostalgia da ditadura, o ressentimento com as minorias, a luta contra a esquerda. No poder, um e outro se “institucionalizaram”, por assim dizer, ainda que na forma de conchavos com os potentados de Brasília e soluções de compromisso com oligarquias regionais. É uma política bruta, divisiva, cínica, autoritária, mas, ainda assim, política.

Já o voto de confiança em Marçal é um voto de desconfiança na própria política – um tiro de bazuca contra o establishment, um voto de negação, de ruptura, de vandalismo.

Tão profundo desencanto não acontece no vácuo e não é obra de um dia. Com todos os seus méritos, a Constituição “cidadã” não entregou suas promessas de cidadania. Os serviços públicos funcionam mal. A desigualdade é gritante. As classes dirigentes estão entupidas de privilégios. Os partidos são meros balcões de negócios. O Judiciário se intromete na arena política, ora confrontando Poderes, ora se colocando como uma espécie de Poder tutelar.

Não se pode abafar o grito de desespero nem menosprezar a revolta do eleitorado. Há algo de podre na democracia brasileira. Mas não se reformará a democracia destruindo a democracia. Diante de uma manifestação tão formidável de antipolítica, é preciso valorizar ainda mais a política.

Uma candidatura niilista como a de Marçal não levará, por definição, a nada. Mas fugir dos debates, como fizeram os candidatos de São Paulo, foi a pior resposta possível. O vandalismo que Marçal representa não surgiu da noite para o dia. Para enfrentá-lo, é preciso que o radicalismo do amor à política se imponha ao radicalismo dos que odeiam a política. Há algo maior em jogo que a disputa de ideologias. É a sanidade da democracia.

O maná dos fundos de pensão

O Estado de S. Paulo

Intenção do governo de afrouxar as amarras que protegem investimentos de fundos de pensão de estatais desrespeita direitos dos funcionários que poupam para melhorar aposentadoria

O presidente Lula da Silva reuniu-se em Brasília com presidentes de fundos de pensão de estatais e com o diretor-superintendente da Previc – que supervisiona o setor de previdência complementar –, todos nomeados por ele, para discutir a “flexibilização” dos critérios de investimento dessas instituições. Reportagem do jornal O Globo mostrou que a intenção é fazer com que os fundos retomem investimentos em obras do governo, em especial no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em resumo, a ideia é reduzir o rigor adotado após os prejuízos bilionários que as instituições sofreram ao bancar os delírios lulopetistas.

O capital administrado pelos fundos de pensão explica a cobiça do governo. Juntos, os investimentos de Previ (dos funcionários do Banco do Brasil), Petros (Petrobras), Funcef (Caixa) e Postalis (Correios) somam mais de meio trilhão de reais – mais especificamente, R$ 509,5 bilhões, ou 43% do total de R$ 1,183 trilhão de 274 entidades de previdência privada em atuação no País. Os dados, referentes a 2023, constam do consolidado estatístico da Abrapp, associação que reúne os fundos de previdência e que registrou, no ano passado, o melhor resultado do segmento em 10 anos, com superávit de R$ 14 bilhões.

Saldos positivos como esse são um alívio para os quase 3 milhões de participantes dessas entidades que se dispuseram a formar, durante os anos de atividade laboral, uma poupança previdenciária complementar para reforçar a aposentadoria. E aí está o ponto central da questão: o objetivo dos investimentos dos fundos é garantir reserva financeira para honrar o pagamento de aposentados e pensionistas. Simples assim.

Contrariando a lógica, a gestão lulopetista continua a enxergar nas instituições previdenciárias vinculadas às estatais o braço financeiro para obras que o orçamento público não tem condições de bancar. Ainda que, cumprindo ordem do chefe, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenha alegado que está em curso apenas uma mudança regulatória, o documento da Previc deixa claro que a medida contempla o programa do governo “visando cumprir os compromissos e as metas em favor da sociedade” e “do desenvolvimento do País”.

A Previc é um órgão do governo, vinculado ao Ministério da Previdência Social, mas não é sua função, nem de forma lateral, cumprir metas de desenvolvimento. Seu papel, como fiscalizadora das entidades fechadas de previdência complementar, é assegurar que os participantes desses fundos recebam o que lhes é de direito ao se aposentarem, sem o risco de terem de pagar – com descontos em aposentadorias e pensões – por aplicações mal geridas feitas para atender este ou aquele governo, ainda que com as melhores intenções.

Foi exatamente esse o prejuízo que tiveram os participantes de Petros, Funcef e Postalis com operações questionáveis de gestões petistas. Se o uso de estatais, como Caixa e Correios, e empresas mistas, como o Banco do Brasil e Petrobras, para fomentar políticas públicas já é abusivo, estender o método às caixas de previdência dos funcionários dessas empresas é condenável sob todos os aspectos.

Investir em infraestrutura faz parte das características dos fundos de pensão porque são investimentos com retorno no longo prazo e risco moderado, na maior parte das vezes. Mas cada caso tem de ser avaliado de forma crítica, tendo em vista que são projetos cujo retorno é atrelado às necessidades atuariais dessas instituições. Parece elementar, mas não foi o que se viu no passado recente, quando a participação dos fundos nos projetos petistas criou passivos bilionários, foi alvo de investigações da Polícia Federal e prejudicou centenas de milhares de participantes. Somente no Postalis o rombo é de R$ 15 bilhões; na Petros, gira em torno de R$ 30 bilhões.

A mudança que está sendo elaborada para soltar amarras colocadas como proteção dos investimentos dos fundos de pensão parece mais um atalho aberto entre os caminhos para reproduzir inclassificáveis desacertos do modo petista de governar. O lulopetismo mostra, a cada passo, que não sabe fazer de outro jeito.

Transição com civilidade

O Estado de S. Paulo

Sucessão no Banco Central tem rito suave, a despeito do bombardeio de críticas do Planalto

A transição no Banco Central (BC) já começou, independentemente do presidente Lula da Silva e da campanha injuriosa promovida pelo PT acerca da atuação da autoridade monetária. Ainda que não tenha sido oficialmente batido o martelo sobre o próximo presidente da instituição, os sinais emitidos pelo BC indicam o início do rito de passagem de bastão de Roberto Campos Neto para Gabriel Galípolo – um dos diretores indicados por Lula e o mais provável sucessor de Campos Neto – com um nível de civilidade que deveria ser o padrão republicano, mas que surpreende diante de um cenário político drasticamente contaminado pela polarização.

Campos Neto, que chegou a ser classificado por Lula em 2022, quando ainda candidato, como um “economista competente”, passou a ser bombardeado pelo presidente por perseguir o controle inflacionário, ora com manutenção dos juros, ora com quedas mais suaves do que as almejadas pelo governo. Desde o início do terceiro mandato do petista não houve aumento na taxa, o que não foi suficiente para arrefecer a artilharia lulopetista.

Conforme se aproxima o fim do mandato do atual presidente do BC, em dezembro, o discurso de Lula tem mudado. Chegou a dizer que o próximo presidente do banco terá de ter coragem de reduzir a taxa e ter “a mesma coragem” de aumentar, se necessário. A fala ocorreu dias depois de Galípolo declarar que a alta da taxa de juros é uma possibilidade à mesa nos debates no banco. Lula deixou a estranha sensação de que a autoridade monetária pode aumentar os juros desde que com o seu consentimento.

Campos Neto, Galípolo e os demais sete membros da diretoria colegiada do BC têm deixado evidente que a autonomia da instituição, desde 2021 garantida em lei complementar, não é decorativa. É essa atribuição que assegura decisões técnicas e profissionais nas questões monetárias para manter a estabilidade de preços, o objetivo maior do BC. Os mandatos dos diretores, instituídos de forma alternada por quatro anos, são uma ferramenta para salvaguardar essa autonomia.

Numa estratégia calculada, Galípolo foi o primeiro a falar publicamente depois da decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do fim de julho, que manteve a taxa básica de juros em 10,5% ao ano (para irritação do Planalto). Com tranquilidade, disse que uma eventual alta dos juros não está descartada, embora a ata do Copom não tenha emitido qualquer orientação futura. Ao contrário, uma política mais restritiva está também na mesa, a depender do cenário interno e externo. E aí, ressalte-se, o compromisso fiscal do governo tem papel primordial.

Campos Neto veio a público depois com declarações no mesmo tom. O recado foi claro de uma preparação sucessória. Em entrevista recente ao jornal O Globo, o presidente do BC confirmou que internamente a transição está sendo “supersuave”, com um forte espírito de equipe. Galípolo vai em linha semelhante, o que demonstra que, quem quer que seja o indicado para o cargo, a autoridade monetária tende a concentrar seu compromisso na manutenção do poder de compra da moeda.

Fraude deslegitima novo mandato de Maduro

Correio Braziliense

Esgotou-se a capacidade de intermediação de uma solução que preservasse a democracia na Venezuela, como defendiam Brasil e Colômbia. Maduro optou pelo fato consumado

A decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela de respaldar a vitória de Nicolás Maduro nas eleições venezuelanas sem a apresentação das atas das mesas eleitorais deslegitima o novo mandato do presidente Venezuelano, que pretende governar o país por mais seis anos. Maduro, agora, lidera um regime autoritário e militarista, que está sendo repudiado internacionalmente.

Nesta sexta-feira, Estados Unidos, União Europeia e mais 10 países da América Latina — Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai —, além da Organização dos Estados Americanos (OEA), rejeitaram a decisão da Corte venezuelana, manipulada por Maduro, que respaldou a decisão do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), a justiça eleitoral do país.

A vitória de Maduro foi proclamada no próprio dia da eleição, mas o CNE não apresentou provas de que esse era mesmo o resultado das urnas. A contabilidade da oposição, com base nas atas das mesas eleitorais, apontava a vitória, por ampla margem, do oposicionista Edmundo González, que, agora, é perseguido. Na clandestinidade, ele e a líder oposicionista Maria Corina Machado, que fora impedida de disputar o pleito e lidera os protestos populares contra a fraude eleitoral, correm risco de vida.

O Brasil deve fazer um comunicado conjunto com a Colômbia sobre a decisão do TSJ venezuelano. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está  em uma situação delicada, porque se propôs a mediar o impasse, mas não foi levado em conta por Maduro, muito pelo contrário. Para piorar, a nota do PT que reconheceu a vitória de Maduro no dia seguinte à eleição comprometeu a credibilidade de Lula quanto ao seu empenho a favor do reconhecimento do resultado das urnas.

A situação da Venezuela é uma ameaça de desestabilização das democracias da América Latina, na trilha do que ocorreu na Nicarágua, onde Daniel Ortega se tornou um ditador. Além disso, por seu alinhamento com Cuba, Rússia, China e Irã e devido ao projeto expansionista de Maduro, principalmente em relação à Guiana, com objetivo de anexar a província de Essequibo, altera profundamente a geopolítica na América do Sul. Não podemos aceitar o surgimento de uma Coreia do Norte, um país fortemente armado e em permanente conflito com vizinhos, na fronteira com o Brasil.

Não à toa, o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Vedant Patel, afirmou que o respaldo do TSJ à vitória de Maduro "não tem nenhuma credibilidade". A OEA, por sua vez, "rechaça completamente" a decisão do tribunal "com base em um boletim parcial emitido de forma oral, com números que evidenciavam impossibilidades matemáticas". E a União Europeia não reconhece o novo governo de Maduro "antes de ver provas de que ele venceu as eleições", segundo o alto representante para Assuntos Exteriores, Josep Borrell.

Como a presidente do Tribunal Supremo, Caryslia Rodriguez, afirmou que a decisão é irreversível e que quem contestá-la não poderá concorrer nas próximas eleições, esgotou-se a capacidade de intermediação de uma solução que preservasse a democracia na Venezuela, como defendiam Brasil e Colômbia. Maduro optou pelo fato consumado. Diante disso, o presidente Lula não reconhecer a eleição de Maduro, mesmo que isso implique em rompimento de relações diplomáticas, tornou-se uma necessidade imperiosa, a não ser que renuncie aos valores democráticos que garantiram sua volta ao poder. 

Um comentário:

  1. POr que ele ainda respira? Porque a democracia é militante, mas é frouxa. MAM

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