sexta-feira, 30 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Intervenção no mercado de gás traz preocupação

O Globo

Há dúvida sobre a segurança jurídica dos decretos e sobre a capacidade de execução da ANP

Sob o pretexto duvidoso de contribuir para a “transição energética”, o governo anunciou nesta semana medidas destinadas a reduzir o preço do gás. Prometeu que, até o ano que vem, estenderá o vale-gás dos atuais 5,6 milhões de famílias para 20,8 milhões. Ao mesmo tempo, promoveu uma intervenção explícita no mercado de gás natural, na tentativa de aumentar a oferta. Apesar de bem recebida pela indústria consumidora, a última medida deve ser vista com cautela.

Desperta preocupação a aliança entre um governo que acredita na intervenção estatal nos mercados e um setor da economia conhecido pelo poder de pressão política. Há três anos, a Medida Provisória que abriu caminho à privatização da Eletrobras encheu de benefícios as usinas a gás e encareceu a conta de luz de todos. No mandato de Dilma Rousseff, o governo também interveio no setor de energia com consequências desastrosas. O risco é, mais uma vez, a gestão petista repetir erros.

Um dos decretos amplia poderes da Agência Nacional do Petróleo (ANP), de modo que ela possa reduzir o gás reinjetado nos poços para facilitar a extração de petróleo. Internacionalmente, a reinjeção varia de 20% a 35% da produção. No primeiro trimestre, 54% do gás produzido no Brasil foi reinjetado. A redução para 30%, por determinação da ANP, aumentaria a oferta e derrubaria o preço, segundo o governo.

À primeira vista, a mudança parece sensata. Porém um exame mais minucioso levanta dúvidas. Se a ideia era aumentar a oferta de gás, por que não fazer consulta pública, ouvir as partes interessadas, depois anunciar nova regra para contratos futuros de exploração? Ao decidir tudo numa canetada, o governo amplia a insegurança jurídica. Se os contratos assinados estiverem sujeitos às mudanças, haverá corrida aos tribunais. Se não estiverem, o efeito imediato no mercado de gás será nulo.

Não bastasse isso, as medidas ampliaram o poder da ANP para arbitrar tarifas de escoamento e tratamento, antes negociadas entre as empresas. Ao regular parâmetros como taxas de retorno e custos de operação, a agência aplicará o conceito de “remuneração justa e adequada”. Essa regulação forçada de preços tem tudo para dar errado. Além disso, há dúvida sobre a capacidade de a ANP dar conta do trabalho com um quadro de profissionais defasado.

O governo também permitiu que a estatal Pré-Sal Petróleo (PPSA), criada para representar a União nos contratos do pré-sal, venda gás natural depois de sair das unidades de processamento em solo, não apenas nas plataformas. A PPSA pretende começar a ofertar o produto depois de assinar contrato para usar instalações da Petrobras. Não se sabe quanto gás terá à disposição. Se for muito, os interessados na construção de gasodutos poderão se beneficiar.

É verdade que parece mais racional usar a PPSA que a Petrobras. “Hoje o preço de mercado é definido só pela Petrobras”, diz Paulo Pedrosa, presidente da Associação dos Grandes Consumidores de Energia (Abrace). “É o embrião de um mercado com leilões de gás no longo prazo.” Com isso, as medidas do governo poderiam reduzir em até 50% o preço do gás, hoje 400% acima das referências internacionais. Os consumidores de gás natural estão certos ao protestar contra a conta de energia alta. Mas, como já demonstraram as intervenções do governo Dilma, propostas apresentadas como solução muitas vezes criam ainda mais problemas.

Câmara deve seguir Conselho de Ética e cassar mandato de Brazão

O Globo

Parlamento não pode ter lugar para acusado de encomendar assassinato de Marielle e de seu motorista

A aprovação no Conselho de Ética da Câmara, por 15 votos a 1, do parecer que recomenda a cassação do mandato do deputado federal Chiquinho Brazão, acusado de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes, dá esperança de que não prevaleça o corporativismo quando o caso for a plenário.

Chiquinho foi preso em março com o irmão, o conselheiro do Tribunal de Contas do Rio de Janeiro (TCE-RJ) Domingos Brazão, e o delegado Rivaldo Barbosa, ex-chefe de polícia do Rio. A Polícia Federal acusa os irmãos de encomendar o assassinato e Barbosa de ter participado do planejamento e atuado para atrapalhar as investigações. Já estavam presos os ex-PMs Élcio de Queiroz e Ronnie Lessa, apontados como executores do crime. Em abril, a Câmara manteve a prisão de Chiquinho em votação apertada.

Embora preso, Domingos permanece como conselheiro do TCE-RJ. No dia 21, o Superior Tribunal de Justiça rejeitou por unanimidade, em sessão da Corte Especial, um pedido de impeachment por crime de responsabilidade apresentado pelo PSOL. Os magistrados entenderam que a acusação de mandante do assassinato não se enquadra como crime de responsabilidade. Pela lei, a perda do cargo por esse tipo de crime se aplicaria apenas a irregularidades na função e, ainda assim, às do presidente do Tribunal, não de conselheiros. Para ele deixar o posto agora, seria preciso uma decisão administrativa do TCE ou que, na sentença do caso Marielle, o juiz determinasse isso.

Quanto a Chiquinho, é provável que a votação em plenário sobre a cassação fique para depois das eleições. A Câmara deveria manter a decisão do Conselho de Ética. A relatora Jack Rocha (PT-ES) frisou em seu parecer que a perda de mandato é necessária para impedir que ele atrapalhe o trabalho da Justiça. Para ela, o acusado “tem um modo de vida inclinado para a prática de condutas não condizentes com aquilo que se espera de um representante do povo”.

É preciso que os parlamentares atentem para a gravidade dos fatos. O caso Marielle expôs a temerosa promiscuidade de políticos e policiais com o crime no Rio. Em depoimento no Supremo Tribunal Federal, Ronnie Lessa, cujo acordo de delação premiada implicou os irmãos Brazão, disse que as polícias fluminenses estão contaminadas e que é comum pagar propina para engavetar inquéritos. “Casas de massagem, contravenção, milícia, tráfico, tudo tem um preço na Polícia Civil”, afirmou. Trata-se de criminoso confesso, mas isso não significa que suas denúncias não devam ser investigadas.

Expulso do União Brasil logo depois da prisão, Chiquinho não pode manter o mandato de deputado. Os parlamentares devem ser os primeiros a rejeitar quem usa a política apenas como biombo para negócios criminosos. O Brasil vive uma grave crise de segurança, e os congressistas têm contribuição fundamental a dar à sociedade. Por isso mesmo, devem ser criteriosos em suas decisões. A Câmara precisa de gente disposta a combater a violência. Não de quem faz parte dela.

Real deve se valorizar aos poucos e ajudar queda do IPCA

Valor Econômico

O início da queda dos juros nos Estados Unidos pode consolidar a valorização do real, mas mais importante que isso será o ritmo que o Fed imprimirá à redução

No dia seguinte ao pronunciamento do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, em Jackson Hole, quando deu sinais claros de que os juros americanos começarão a cair em setembro, o dólar teve sua menor cotação no ano em relação à cesta das principais moedas com que os EUA comerciam. Depois de forte valorização no ano contra o real, a moeda americana recuou de seu pico, de R$ 5,74 por dólar no câmbio comercial, em 5 de agosto, para R$ 5,41 em 19 de agosto, e, em seguida, voltou a subir com força - ontem chegou a R$ 5,62. A valorização do real é importante fator coadjuvante para que o IPCA possa voltar à meta e a taxa Selic não suba no curto prazo.

Não há como o dólar voltar a ganhar força quando os EUA derrubarem os juros. Mas sua depreciação em relação a outras moedas depende essencialmente do ritmo de corte de juros, que, pelos dados correntes, não deverá ser rápido. A economia americana cresceu 3% no segundo trimestre, mais do que os 2,8% esperados, um número auspicioso porque confirma que o pânico do mês passado foi insensato - os EUA estão longe da recessão -, mas que, por outro lado, sugere menor urgência da distensão monetária.

A temporada eleitoral entrou em cheio na balança dos fatores que determinam a potência do dólar, com os investidores entrincheirando-se nas posições atuais dadas as incertezas dos resultados. Ganhe Donald Trump ou Kamala Harris, o déficit americano, já alto, aumentará, o que é um fator baixista do dólar. Por outro lado, a muralha protecionista que Trump quer erigir contra o resto do mundo e, em primeiro lugar, contra a China, pode reduzir o déficit comercial americano, um fator que pode frear a baixa do dólar ou até provocar alguma alta.

O diferencial de crescimento entre a economia americana e as demais desenvolvidas continua favorável aos EUA, e este é outro fator de contenção de uma queda intensa do dólar. Já o diferencial de juros, importante no caso do Brasil e dos outros emergentes, é favorável a valorização das moedas desses países a médio prazo, ainda que no curtíssimo prazo as oscilações possam ocorrer nas duas direções. Para depreciar o dólar, contribui a ainda desmontagem de posições das aplicações em juros americanos, os maiores em décadas, cujo destino serão países de maior risco, entre eles o Brasil. Os fluxos de portfólio para países emergentes devem crescer, em especial para ações consideradas subvalorizadas, como parece ser o caso do Brasil.

Os fatores domésticos, por si só, não referendariam nova desvalorização forte do real, mas eventualmente alguma depreciação momentânea. Há deterioração do saldo de câmbio contratado comercial, relevante porque ele vinha servindo de contrapeso a saídas rápidas de dólares pela conta financeira, normalmente mais nervosa e sensível a movimentos na área política que possam ter repercussões econômicas. O saldo cambial com exportações em agosto é o menor do ano até agora (último dado do dia 23). Descontadas as importações, o saldo é também o menor do ano, de US$ 494 milhões. Com um resultado negativo do câmbio financeiro, o resultado final do câmbio contratado deslocou-se para um déficit de US$ 3,5 bilhões, que não é elevado, mas que é também o maior do ano.

Na balança comercial, fluxo real de mercadorias, o saldo vem também encolhendo. O resultado acumulado até agosto (quarta semana) encolheu 11,3%, atingindo US$ 54 bilhões, ante US$ 62,4 bilhões do mesmo período do ano passado. As vendas externas estão com ligeira queda (-0,4%), enquanto o aquecimento do mercado interno fez com que as importações crescessem em maior ritmo (5,5%). O balanço das posições em dólar dos bancos indica que eles estão cada vez menos seguros em apostar que o real iria se valorizar até julho. Eles mantêm US$ 2,3 bilhões em posições vendidas (que acreditam na queda do dólar), a menor até agora no ano, mas a posição pode ter se alterado em agosto.

Outros indicadores que influenciam as cotações do câmbio são favoráveis ao Brasil. O risco de calote do país (credit default swaps), que reflete indiretamente as mazelas fiscais, caiu 8,71% em agosto, movimento que se acentuou em especial a partir de meados do mês. O real se distanciou do pelotão das moedas que mais perderam valor diante do dólar. Em agosto mostrou até agora valorização de 0,42%, deixando para trás o peso mexicano (-6,11) e a lira turca (-2,63%), às quais fazia frequentemente companhia. E, em um sinal potencialmente promissor, as demais moedas emergentes avançam em relação à moeda americana, movimento do qual o real pode se beneficiar mais à frente.

Por enquanto, o conjunto de indicadores indica baixa probabilidade de novos saltos relevantes do dólar em relação ao real. Da mesma forma, a tendência de apreciação da moeda brasileira, ao que tudo indica, não será rápida e está sujeita a avanços e recuos. O início da queda dos juros nos Estados Unidos pode consolidar a valorização do real, mas mais importante que isso será o ritmo que o Fed imprimirá à redução - que, visto de hoje, deverá ser comedida e cautelosa.

Galípolo será teste para a autonomia do BC

Folha de S. Paulo

Indicado terá de mostrar em atos que busca a meta de inflação sem ceder a pressões de Lula, que perderá bode expiatório

Desde meados do ano, Gabriel Galípolo procurava firmar de vez sua indicação ao comando do Banco Centralafinal confirmada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Tornaram-se mais frequentes seus pronunciamentos e suas reuniões com representantes da finança e do mundo empresarial. Tratava-se de enfrentar a crise de confiança na política econômica do governo e dúvidas a respeito da conduta de um BC sob nova direção.

A partir de 2025, a cúpula do órgão terá sido majoritariamente nomeada pelo atual presidente da República, que fez insistentes ataques à autonomia da autoridade monetária, à política de juros e até às metas de inflação.

Galípolo mostrou alinhamento nas decisões colegiadas sobre juros, após uma divisão em maio; renovou o apoio ao programa fiscal do ministro Fernando Haddad, da Fazenda; reiterou compromissos rigorosos com o cumprimento das metas para o IPCA. Conseguiu, assim, afastar os temores mais imediatos quanto a sua escolha.

Seu trabalho começa em ambiente de risco elevado. Nos meses de transição, terá papel importante na condução da política monetária em momento de incertezas.

As taxas de juros de mercado apontam para uma alta da Selic, e as expectativas de inflação estão além dos 3% desejados. Há dúvidas sobre o ritmo de relaxamento do aperto financeiro nos EUA, e o real ainda não se recuperou da desvalorização. Não se sabe se o mercado de trabalho aquecido dificultará a política de juros.

Além de gerir expectativas agora, Galípolo terá de mostrar propósitos responsáveis e coerentes ao assumir o BC após a esperada aprovação pelo Senado. Convirá que possa influir na indicação de outros três dirigentes até o final do ano —entre eles, seu substituto na diretoria de Política Monetária.

Comunicações restritas e precisas, a reafirmação do compromisso com as metas e uma equipe qualificada vão mais do que reforçar a credibilidade de Galípolo. Devem permitir também um desafogo mais precoce dos juros altos.

Tal esforço não depende apenas do BC. Um reinício dos ataques do governo terá consequências graves, não importa a atitude que a instituição venha a adotar —de independência ou de rendição a desejos do presidente da República.

A tarefa é, pois, difícil, até por ser também inédita —a primeira transição de comando sob autonomia legal. Quanto mais rapidamente reforçar a credibilidade do Banco Central, maiores as chances de Galípolo contribuir para a estabilização econômica do país.

Lula ajudará se entender que agora faz ainda menos sentido usar o BC como bode expiatório para empecilhos impostos pela realidade.

Mulheres nas Forças

Folha de S. Paulo

Regra para alistamento voluntário delas é bem-vinda; homens deveriam poder optar

Com a consolidação das democracias liberais e o avanço do movimento feminista, mulheres conseguiram superar obstáculos econômicos e culturais, passando a atuar em setores que as discriminavam. No Brasil, ao menos um deles ainda permanecia formalmente refratário à participação ampla do sexo feminino: as Forças Armadas.

Isso até quarta (28), quando o Ministério da Defesa publicou decreto que rege o serviço militar das mulheres —que será voluntário, assim como deveria ser o masculino.

Trata-se de marco importante. A atuação do sexo feminino foi oficializada por lei pela primeira vez na Marinha, em 1980, seguida por Aeronáutica (1981) e Exército (1989).

No entanto a atividade estava restrita a áreas administrativas, de saúde ou tecnológicas, a partir da formação em escolas de oficiais, por exemplo. Só a Marinha permite que elas trabalhem em combate.

O decreto permite que, assim como os homens, elas se alistem e cumpram os 12 meses do serviço militar, passíveis de prorrogação por até 96 meses —ingressam como soldado e podem chegar a 3º sargento. Mas, diferentemente dos homens, as mulheres são livres para optar pelo alistamento.

Tal aspecto voluntário deveria ser concedido ao sexo masculino, ainda que gradualmente. A formação durante esses meses não se constitui, ao final, numa profissão. Após cumprido o serviço, os jovens passam a compor a reserva não remunerada das Forças.

Em países desenvolvidos como EUA, Reino Unido e Alemanha, o serviço não é obrigatório e pode se transformar numa carreira.

É bem-vinda a expansão da participação das mulheres, mas cumpre garantir sua segurança.

Como revelou a Folha, em um ano (de junho de 2022 a junho de 2023), o Superior Tribunal Militar registrou 29 denúncias de assédio e importunação sexual, o equivalente a 3 a cada 2 meses —sem contar investigações em curso nas unidades militares ou casos mantidos em segredo pelas vítimas.

As novas regras avançam na igualdade de gênero, com maior participação das mulheres. Esse é um processo que decerto dependerá de passos posteriores na caserna.

Galípolo, o equilibrista

O Estado de S. Paulo

Indicado de Lula para presidir o BC terá de explicar ao petista que tolerar inflação elevada arruína não só a reputação da autoridade monetária, mas a popularidade de qualquer governo

A indicação do economista Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central (BC) inaugura uma nova fase nas relações entre a autoridade monetária e o governo. O ex-secretário executivo do Ministério da Fazenda, número dois do ministro Fernando Haddad, foi o primeiro nome escolhido por Lula da Silva para uma diretoria do BC, o que, de certa forma, já prenunciava seu futuro desde maio do ano passado.

Era natural que a indicação fosse antecipada, em face da proximidade do encerramento do mandato de Roberto Campos Neto no fim deste ano. Depois da guerra particular empreendida pelo petista contra uma figura indicada por Jair Bolsonaro, tudo o que Lula da Silva queria era se livrar de Campos Neto o mais rapidamente possível.

Campos Neto e Galípolo, por sua vez, parecem ter combinado que fariam uma transição tranquila. Aos poucos, o presidente cedeu protagonismo ao diretor de Política Monetária, e o mercado compreendeu o recado – tanto que, no início do mês, Galípolo foi o primeiro diretor do BC a falar que via mais fatores a pressionar a inflação para cima do que para baixo.

As declarações foram suficientes para que parte dos investidores passasse a esperar um aumento da taxa básica de juros no fim deste ano. O próprio diretor preferiu se corrigir e dizer que isso não significava um rumo já definido para a próxima reunião do colegiado. Explicou ainda que essa percepção não era apenas sua, mas que estava na ata do Comitê de Política Monetária (Copom).

Não adiantou muito. Boa parte do mercado continua apostando num aumento dos juros já na próxima reunião, nos dias 17 e 18 de setembro – não por uma questão de credibilidade, mas porque as expectativas para a inflação estão acima da meta de 3% para este ano, 2025 e 2026.

A frase mais forte dita por Galípolo, na semana passada, ainda ressoa entre os investidores: “Na minha interpretação, posição difícil para o BC não é ter de subir juros. Posição difícil é inflação fora da meta, que é uma situação desconfortável. Subir juros é uma situação cotidiana para quem está no BC”.

Ainda segundo Galípolo, todos os diretores estavam dispostos a fazer o necessário para trazer a inflação de volta à meta. Em outros tempos, uma frase como essa seria tomada como óbvia, mas significa muito quando se considera que o Comitê de Política Monetária terá sete de seus nove membros indicados pelo presidente Lula da Silva no ano que vem.

O cenário econômico continua desafiador para o Banco Central. De um lado, o dólar recuou das máximas registradas há algumas semanas, mas não voltou aos níveis do início deste ano. De outro, o Federal Reserve, o banco central norte-americano, deixou claro que iniciará um ciclo de queda dos juros já na próxima reunião.

Internamente, dados mais recentes mostram uma inflação mais benigna, sobretudo em serviços. Mas o mercado de trabalho segue aquecido, o desemprego continua em níveis historicamente baixos e as projeções para o crescimento da economia têm sido ajustadas para cima.

Lula da Silva, por sua vez, reluta em adotar reformas estruturais e defende políticas controversas adotadas no passado. Já o ministro Fernando Haddad tenta aumentar receitas e aposta em pentes-finos em benefícios sociais para controlar o crescimento dos gastos.

Como disse o ex-diretor do BC Tony Volpon, a proximidade pessoal e política entre Galípolo e o governo é seu maior trunfo e, também, sua maior fragilidade. A julgar por suas declarações recentes, não há motivo para preocupações, mas o histórico das administrações petistas tampouco autoriza ingenuidade.

A próxima reunião do Copom será o primeiro teste do futuro presidente do BC. Mas o mandato é longo, e o horizonte relevante, que deve pautar as decisões da autoridade monetária, é o ano de 2026, o mesmo que guia as ações de Lula da Silva.

Caberá a Galípolo mostrar ao presidente que a tolerância com uma inflação mais elevada arruína não apenas a reputação da diretoria do BC, em especial a de seu presidente, mas também a popularidade do governo, ativo crucial para quem pretende disputar a reeleição ou eleger um sucessor.

Teste de estresse para a Justiça Eleitoral

O Estado de S. Paulo

Oportunistas como Marçal testam os limites da Justiça Eleitoral. Por isso mesmo, são necessárias doses extras de cautela, mas também de firmeza para garantir o estrito cumprimento da lei

O Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo manteve a liminar que suspendeu os perfis das redes sociais do candidato à Prefeitura da capital Pablo Marçal (PRTB). A ação do PSB, da também candidata Tabata Amaral, alega abuso de poder econômico: os perfis estariam sendo utilizados, ainda durante a pré-campanha, para remunerar usuários para produzir “cortes” e divulgá-los nas redes.

A comoção foi imediata. Marçal e seus apoiadores acusaram censura e perseguição. Mesmo entre seus opositores houve controvérsia. Alguns celebraram a ação da Justiça como uma forma de barrar a ascensão de um oportunista, delinquente e antidemocrata. Outros até concordam que Marçal deve ser barrado, e pelos mesmos motivos, mas pelos eleitores, e não por juízes, e criticam a decisão como contraproducente por reforçar o discurso antissistema de Marçal e justificar sua retórica vitimista. De fato, Marçal, um mestre da comunicação digital, ativou novos perfis e em poucas horas recuperou uma parte do seu volume de seguidores. “Agradeço pela perseguição, foi ótimo”, ironizou, “consegui criar outra conta com mais engajamento ainda.”

O caso é relevante, não só porque Marçal é um candidato competitivo na maior metrópole do País, mas porque põe em questão os princípios de atuação da Justiça Eleitoral. Além de acusações civis e penais, Marçal responde a outras ações na Justiça Eleitoral, uma delas movida por membros de seu próprio partido, que pedem a impugnação da candidatura por supostas irregularidades na sua filiação e nomeação.

Por tudo isso, é preciso máxima cautela para corrigir as distorções no debate e avaliar as decisões da Justiça segundo o único critério que importa: o estrito cumprimento da lei.

Ações como as movidas contra Marçal tocam direitos fundamentais numa democracia: a liberdade de expressão, o direito do eleitorado de escolher seus governantes e o dos cidadãos a se candidatar. Mas esses direitos, como quaisquer outros, não são absolutos, e justamente para preservá-los a Justiça precisa garantir que sejam exercidos conforme as regras do jogo. Os direitos dos eleitores e dos candidatos são violados quando a competição não é disputada em condições de igualdade. Regras contra o abuso de poder econômico se prestam justamente a garantir uma competição justa.

Pelo mesmo motivo, o juiz não deve olhar a capa do processo e não pode julgar com olhos para as consequências políticas de suas decisões. O eleitor tem direito de errar, e considerações sobre a competência ou o caráter moral de um candidato, ou mesmo qualificações genéricas, como “antidemocrata”, devem ser indiferentes para os seus veredictos. A única coisa que importa é se os atos atribuídos ao candidato em questão se enquadram na tipificação legal.

E esse enquadramento precisa ser rigoroso. Em se tratando de direitos fundamentais, a interpretação de regras de suspensão de perfis e, no limite, de cassação de candidaturas e inelegibilidade deve ser restritiva, privilegiando maximamente o direito dos cidadãos de disputarem eleições e elegerem seus candidatos.

No caso, é preciso ter claro que a decisão foi liminar e não impediu Marçal de criar outros perfis, como de fato criou. A sua legitimidade não está em questão, mas, para avaliar definitivamente se a decisão foi justa e proporcional, será preciso aguardar a produção de provas, o contraditório, os recursos aos quais o candidato tem direito. Não consta que esse direito tenha sido tolhido e importa acompanhar se os ritos serão observados e as decisões obedecerão aos princípios da isonomia e da imparcialidade, conforme a lei e a jurisprudência.

As eleições, como culminação do processo democrático, são, como devem ser, um momento de exacerbação das paixões. Por isso mesmo, da Justiça que é guardiã deste processo se esperam doses extras de prudência, mas também de firmeza, sem partidarismo e sem omissão. Uma Justiça que não use seus poderes para interferir na disputa, mas que também não permita que outros poderes (como o econômico) interfiram nela. A regra é clara, para os juízes e para aqueles julgados por eles: o estrito cumprimento da lei.

Gambiarra orçamentária

O Estado de S. Paulo

Redução de gastos se concentra não em medidas estruturantes, mas em paliativos

Mais da metade (53%) dos cortes anunciados pela equipe econômica para o Orçamento de 2025 virá do pente-fino promovido no Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da revisão cadastral do Instituto Nacional do Seguro Social, como informou reportagem do Estadão. Juntando a economia prevista com a realocação dos gastos com o Bolsa Família e a reavaliação dos benefícios previdenciários por incapacidade, chega-se a 74% do volume de R$ 25,9 bilhões do corte orçamentário anunciado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em 3 de julho.

O fato de a redução dos gastos estar fortemente concentrada em operações pontuais mostra que a equipe econômica continua presa à estratégia de vender o almoço para pagar o jantar. A demora de quase dois meses para tornar público o detalhamento dos cortes apenas comprova a insistência do governo em ancorar a busca pelo equilíbrio fiscal no aumento da arrecadação, e não na efetiva redução das despesas públicas. A adoção de medidas de controle de efeito transitório, feita de forma isolada, apenas posterga a comprovação da ineficácia dessa tática.

Medidas mais estruturantes, que permitam a redução das despesas públicas por um período duradouro, foram cobradas dos representantes dos Ministérios da Fazenda e do Planejamento durante a descrição pormenorizada dos cortes. As respostas vieram evasivas, com juras de compromisso com o arcabouço fiscal, informações vagas de que medidas estão permanentemente em estudos, mas nenhum sinal efetivo de mudança para reduzir a profusão de gastos obrigatórios que acabam comprimindo os discricionários – aqueles não obrigatórios, como investimentos.

É obrigação do Estado examinar com rigor permanente a destinação de recursos previdenciários, os beneficiários de programas sociais e os benefícios concedidos a públicos específicos, como os idosos de baixa renda e pessoas com deficiência – caso do BPC. Esse tipo de combate a fraudes ou mesmo simples aprimoramento na distribuição dos benefícios com base em critérios preestabelecidos deve ser um procedimento contínuo, como já foi defendido neste espaço.

Para mostrar de fato seu compromisso com a responsabilidade fiscal, o governo precisa apresentar soluções definitivas, não apenas paliativos. Algo que parece distante da gestão lulopetista. Não fosse assim, a simples menção da ideia de alterar vinculações do BPC, abono salarial e seguro-desemprego, feita pela ministra do Planejamento, Simone Tebet, em junho, não teria causado o rebu que se viu nas hostes lulopetistas. A indexação desses benefícios à política de reajuste do salário mínimo custará, segundo a ministra, R$ 1,3 trilhão à União em dez anos.

Espera-se do governo uma política corajosa de revisão de gastos orçamentários que não se traduza em meros remendos. Ao anunciar, há dois meses, o valor do corte para 2025, o ministro Haddad disse que a cifra foi levantada linha a linha do Orçamento, “daquilo que não se coaduna com os programas sociais criados para o ano que vem”. É hora de verificar, linha a linha, como enxugar definitivamente gastos obrigatórios.

Poucos médicos em um país imenso

Correio Braziliense

Atualmente, há pouco mais de 515 mil médicos para atender uma população de mais de 203 milhões de brasileiros. Média é de 2,54 médicos por mil habitantes, abaixo do índice de 3,73, recomendado pela OCDE

Levantamento da Associação dos Mantenedores Independentes Educadores do Ensino Superior (Amies) mostra que é enorme a desigualdade na distribuição de médicos atuantes pelo país. Atualmente, há pouco mais de 515 mil profissionais para atender a uma população de mais de 203 milhões de brasileiros, o que dá uma média de 2,54 médicos por mil habitantes. A recomendação da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), porém, é de 3,73. 

As regiões Norte e Nordeste são, sem dúvidas, as mais prejudicadas, com maior carência desses profissionais. Em ambas, há menos de dois médicos a cada mil habitantes. Imagine duas filas com 500 pessoas cada — no caso, pacientes —, e apenas dois médicos (menos de dois, na verdade) para atender a todos eles. Em uma visão macro, são 71 milhões de brasileiros vivendo nas duas regiões e apenas 130 mil médicos, o que demonstra a precariedade da relação médico/paciente nesses locais.

No Nordeste, estados como o Maranhão, e no Norte, o Pará, apresentam os menores índices de médicos por mil habitantes: 1,13 e 1,22, respectivamente. Outras unidades da Federação também enfrentam realidade preocupante, como Ceará (1,95), Bahia (1,90), Acre (1,46) e Piauí (1,40).

No Centro-Oeste, o índice é de 2,75. O Distrito Federal, por ser a menor unidade federativa do país e não estar associada a nenhuma das regiões no levantamento, atuando como estado e município, dispõe de uma situação peculiar: 4,58 médicos por mil habitantes, ultrapassando a recomendação da OCDE. 

O Sul e o Sudeste apresentam as melhores proporções entre médicos e pacientes, mas, ainda assim, com números muito distantes do ideal. No Sudeste, são 2,97 médicos por mil habitantes, e no Sul, 2,98 — sendo esta a melhor média do país considerando as regiões. Os estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, embora sejam alguns dos mais populosos da Federação, apresentam, respectivamente, 3,21; 3,10; 2,88 e 2,87, uma proporção também distante da ideal e motivo de preocupação por parte das autoridades de saúde e do governo federal. 

O estudo aponta, ainda, medidas para atenuar esse cenário, como a abertura de vagas em faculdades que estão com processo em tramitação no Ministério da Educação (MEC), a criação de cursos de medicina e o aumento de vagas em cursos existentes. No Nordeste, por exemplo, são 50 pedidos de criação de cursos e 32  de ampliação das vagas. No Norte, 24 e cinco, respectivamente. Para além da oferta de mais oportunidades, há de se preocupar com a qualidade do ensino oferecido, considerando se tratar de uma formação complexa, além de cara. 

Fato é que somente o investimento nas instituições de ensino superior não vai resolver a distância entre a realidade e o que é ideal em termos de atendimento à população. A oferta de melhores condições de trabalho para que esses profissionais possam atuar com dignidade é quase uma questão mandatória, o que passa por estratégias para despertar o interesse por atuação nas regiões mais remotas do país. Caso contrário, continuaremos sendo um país gigantesco com poucos médicos.

 


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