segunda-feira, 5 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alta na letalidade policial em SP é preocupante

O Globo

Por décadas, o estado reduziu a criminalidade e as violações da polícia. Não deve fugir desse padrão

Um ano após a polêmica Operação Escudo, na Baixada Santista, o número de pessoas mortas pela polícia de São Paulo ainda cresce. No final de julho de 2023, um policial da Rota, sigla de Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar, a tropa de elite da PM, foi morto no litoral paulista. Nos 40 dias seguintes, 958 pessoas foram presas e 28 morreram. De lá para cá, as mortes prosseguiram. No primeiro semestre, foram registradas 301 em todo o estado, alta de 94% na comparação com o mesmo período do ano passado. A letalidade policial voltou a níveis anteriores à expansão do uso de câmeras corporais nos uniformes.

O fato deveria servir de alerta ao governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). A mensagem de que é permitido aos policiais o descontrole do uso da força e as tentativas de barrar métodos de fiscalização correm o risco de elevar as acusações de crimes cometidos por agentes da lei e contaminar avanços na segurança pública duramente conquistados. Todo o país acompanha o que acontece em São Paulo.

Por duas décadas, sucessivos governos investiram em profissionalização, tecnologia e estrutura de comando da polícia paulista. “À medida que a letalidade policial caía para níveis comparáveis a de cidades americanas, os índices de criminalidade também eram reduzidos”, diz o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Sergio de Lima.

Foi um longo percurso até chegar a uma taxa de 1,1 morte decorrente de intervenções policiais por 100 mil habitantes (a do Rio é 5,4, a do Amapá, a pior, 23,6). O mesmo caminho traçado por São Paulo para se tornar o estado com menos mortes violentas intencionais do país.

O balanço do primeiro semestre confirmou a tendência de queda da criminalidade no estado, com redução drástica no número de roubos. Os registros de boletins de ocorrências por roubo de carga para o período foram os menores desde 2003. Homicídios dolosos, furtos em geral e roubo de veículos também caíram. O principal ponto negativo ficou por conta da alta da letalidade policial.

Parece não ser coincidência que o aumento tenha acontecido em período de mudança no controle do uso de câmeras. A partir de 2021, a expansão do programa e o bom uso dos equipamentos provocaram queda na violência policial. “Havia uma pressão institucional para o cumprimento dos protocolos. Se o policial não acionasse a câmera quando tinha de acionar, ou se usasse algum subterfúgio para, por exemplo, drenar a energia da câmera e não filmar, era punido”, disse ao GLOBO Daniel Edler, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP. A partir de 2023, as câmeras perderam protagonismo.

É evidente que toda força repressiva do Estado deve estar sempre pronta para o confronto com criminosos. A polícia paulista nunca foi acusada de ser relapsa nesse sentido. Uma situação muito distinta é incentivar a ação violenta em um número indiscriminado de casos e realizar operações marcadas por violações. Se letalidade policial fosse a solução, Amapá e Bahia teriam os índices de segurança mais robustos do país. Eles estão entre os piores.

Preservar privacidade e direito autoral no meio digital deveria ser consenso

O Globo

Não há como justificar que uma empresa baseie seu negócio no trabalho alheio sem pagar por ele

À medida que a tecnologia digital avança, impulsionada por ferramentas da inteligência artificial (IA), há tendência de agravamento nos choques entre as autoridades e as grandes plataformas digitais, conhecidas como big techs. Legitimamente, governos do mundo todo — inclusive do Brasil — têm fechado o cerco regulatório sobre essas empresas em defesa de direitos individuais e coletivos. Os principais são a privacidade, o direito autoral e a livre concorrência.

Choques têm ocorrido com maior frequência na União Europeia (UE), onde a ação regulatória avançou bastante sobre as big techs. Uma das últimas medidas, com base na Lei dos Mercados Digitais, de 2022, foi contestar a decisão da Microsoft de incluir no popular pacote Office a ferramenta de videoconferência Teams. No entender das autoridades europeias, a empresa passou com isso a desfrutar vantagem injusta sobre os concorrentes. O usuário, para poder baixar o Teams no seu computador, obterá acesso às demais ferramentas do Office, como Word, Excel e PowerPoint. Trata-se, dizem os reguladores, de vantagem fora do alcance dos concorrentes Zoom e Slack.

A tentativa de alavancar o domínio sobre um mercado para conquistar outro não é prática nova. A própria Microsoft entrou no radar do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) nos anos 1990 por usar sua posição dominante no mercado de sistemas operacionais, com o Windows, para privilegiar seu navegador Explorer em detrimento do concorrente Netscape. No final, fechou um acordo com o DOJ pelo qual passou a conceder licenças do Windows aos concorrentes.

Toda vez que há um salto tecnológico, algumas empresas se destacam e buscam posições monopolistas. De acordo com o entendimento jurídico convencional nos Estados Unidos, os monopólios se tornam problema apenas quando causam prejuízo ao consumidor (em geral, por meio de preços abusivos). Na Europa, prevalece a visão segundo a qual, no universo digital, eles devem ser coibidos também quando prejudicam a inovação, sufocando concorrentes emergentes e inovadores. Aos poucos, esse entendimento se consolida também nos Estados Unidos e noutros países.

Por mais que a regulação dos monopólios digitais gere controvérsia, a proteção da privacidade e dos direitos autorais deveria ser consensual. No Brasil, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANDP) contestou a nova política de privacidade da Meta, dona de Facebook, WhatsApp e Instagram, que permite uso de informações e publicações dos usuários para treinar sistemas de IA. Em represália, a Meta suspendeu essas ferramentas no Brasil. Repete-se o que ocorreu no Canadá, quando foi aprovada a lei obrigando as plataformas a remunerar as empresas de comunicação pelo uso de seus conteúdos, e a Meta bloqueou links de notícias no Facebook e Instagram. É uma atitude sem sentido. Não há como justificar que uma empresa baseie seu negócio no trabalho alheio sem pagar por ele, nem que use informações de seus clientes sem autorização.

Mercados temem recessão e pressão no real pode diminuir

Valor Econômico

A moeda brasileira tem sido muito penalizado, apesar de os fundamentos da economia não serem tão ruins

Os mercados financeiros estão surpresos e pessimistas sobre o futuro. As indicações ansiosamente esperadas de que o Fed finalmente reduzirá os juros provocaram euforia na quarta-feira - de nenhum corte nas taxas, as projeções dos investidores passaram a indicar três até dezembro. Na sexta-feira, a redução da oferta de empregos nos EUA muito aquém da esperada - 114 mil ante 175 mil previstas - empurrou os ativos financeiros para baixo nos dois lados do Atlântico. O real sofreu primeiro pela relutância do Fed em cortar juros, diante da persistência da inflação, o que valoriza o dólar, e agora pelo temor de recessão, que eleva os riscos de moedas emergentes e induz à busca por proteção na moeda americana.

As duas tendências são contraditórias e uma delas prevalecerá. O mais provável é que o Fed inicie o ciclo de redução dos juros, seja porque a inflação caminha para a meta de 2%, seja porque o aperto agora dá mostras de ser excessivo. O comunicado do Federal Reserve após a reunião de quarta-feira já havia indicado a mudança de instância possível na política monetária: a condição do mercado de trabalho passou a dominar as atenções do banco, em detrimento dos riscos inflacionários, prevalecentes antes. Em entrevista após a reunião do Fed, que decidiu manter os juros entre 5,25 e 5,5%, Jerome Powell, presidente do banco, deixou claro que o esfriamento abrupto do mercado de trabalho seria um sinal indesejado.

A menor oferta de vagas elevou o desemprego americano para 4,3%, limiar de uma regra que diz que acima desse nível a economia rumará para a recessão. Há motivos para desconfiar disso. Um deles é que o aumento do desemprego se deve mais à ampliação da força de trabalho, isto é, ao maior número de pessoas que decidiram procurar emprego - cerca de 420 mil, segundo a consultoria Oxford Economics - em comparação às 352 mil que foram dispensadas, 249 mil temporariamente.

Os dados negativos de emprego vêm acompanhados por algum arrefecimento dos salários, pela contração da produção industrial e pela diminuição do consumo. Eram efeitos esperados do mais rápido e intenso aperto monetário em duas décadas, que, no entanto, e surpreendentemente, demorou demais, na comparação com ciclos anteriores, para ocorrer. Não deveria ser surpresa que em algum momento isso aconteceria, e o momento da guinada parece ter chegado.

A economia americana acelerou, e não caiu, no segundo trimestre, com crescimento de 2,8%, o dobro do 1,4% do primeiro. Os desempenhos do mercado de trabalho e do consumo foram excepcionais até o início deste ano, e a desaceleração, que parece preocupante, tem de ser relativizada. É ela, aliás, que permitirá que o Fed, depois de muita hesitação, tenha indicado, com pouco mais de assertividade, que está na hora de reduzir os juros.

Há incertezas no horizonte, em especial geopolíticas - eleições americanas, guerras no Oriente Médio e na Ucrânia, em primeiro lugar. As mortes de importantes líderes do Hamas e do Hezbollah, até em território iraniano, ampliaram as chances de um conflito generalizado entre Israel e países árabes, mas não fizeram explodir o preço do petróleo - ao contrário, caíram. A perspectiva de desaceleração global implica menor demanda de óleo, que pode também não ocorrer. China, União Europeia e EUA terão crescimento em linha com o esperado neste ano.

Incertezas predominam. Já havia supervalorização das ações de tecnologia nas bolsas americanas, e ela começou a desinflar. As sete principais ações, que compõem 30% do S&P 500, podem ter começado a se ajustar para baixo, reduzindo o efeito riqueza dos consumidores nos EUA (dois terços deles com dinheiro aplicado na bolsa), diminuindo o consumo e, mais à frente, o crescimento. A dúvida é o grau de retração da economia, e, embora uma recessão seja possível, a maior parte dos indicadores não indica essa possibilidade até agora.

O real tem sido muito penalizado, apesar de os fundamentos da economia não serem tão ruins. A fragilidade fiscal existe e precisa ser resolvida, mas não é terminal nem imediata. Se a perspectiva de corte de juros americanos se materializar, aliviará a pressão sobre a moeda brasileira, seja porque o Fed concluiu que a inflação americana atingirá a meta, seja porque quis evitar o risco de desaceleração forte. Em ambos os casos, o dólar tende a perder força diante do real, aliviando a pressão adicional sobre a inflação, que começa a ocorrer, como apontado no comunicado do Copom.

A instabilidade dos mercados, sugerindo a necessidade de quedas mais fortes dos juros americanos, ou a sinalização do Fed, de relaxar a política monetária, se contrapõem à visão dos agentes domésticos de aumento da Selic. O fator externo, se os juros nos EUA começarem a cair, passará a ter menor peso, diante dos fatores domésticos, de consumo em alta, mercado de trabalho aquecido e política fiscal expansionista. Eles parecem mais fáceis de ser controlados do que disparadas cambiais. Apenas exigem uma política econômica sensata, a ser perseguida.

Que PEC de Bolsonaro não abra um precedente

Folha de S. Paulo

Decisão tardia do Supremo contra farra de gastos em ano eleitoral pode contribuir para que expediente não se repita

É correta, ainda que tardia, a decisão do Supremo Tribunal Federal pela inconstitucionalidade de trechos da emenda constitucional 123, de 2022, posta em vigor naquele ano pela chamada PEC Kamikaze, com claro objetivo de beneficiar a candidatura de Jair Bolsonaro (PL) à reeleição, afinal frustrada.

Por 8 a 2, a corte derrubou trechos da PEC —em especial o que estabeleceu estado de emergência com a espúria justificativa do aumento do preço dos combustíveis por ocasião da Guerra da Ucrânia.

O texto também ampliou o Auxílio Brasil, depois denominado novamente de Bolsa Família, de R$ 400 para R$ 600 mensais, dobrou o valor do Auxílio Gás e criou vales de R$ 1.000 para caminhoneiros e de R$ 200 para taxistas.

Todos esses benefícios, de vigência limitada a 2022, tiveram custo aproximado de R$ 40 bilhões. O pagamento teve início em agosto, em desacordo com a legislação que proíbe a criação de benesses em ano de eleição de modo a manter a lisura do pleito, sem vantagens indevidas ao incumbente.

Foram vencidos os votos dos ministros André Mendonça e Nunes Marques, que defenderam a perda de objeto ou improcedência da ação de inconstitucionalidade protocolada pelo Partido Novo.

A decisão do STF não tem efeitos práticos, mas, ao considerar a ação procedente e invalidar parcialmente a emenda, a tese vencedora é oportuna, pois serve como jurisprudência contra iniciativas dessa natureza no futuro.

Um dos legados nefastos da gestão de Bolsonaro durante a pandemia foi a banalização do estado de emergência como forma de driblar a legislação eleitoral. Evidência de que nem seus autores acreditavam na medida, já prevista na lei, é a insistência numa emenda constitucional —como se estivessem na busca de maiores garantias.

Além dos potenciais impactos políticos e dos riscos para a democracia, o uso rotineiro desse artifício configura sério dano para as contas públicas, pois são deixadas de lado as salvaguardas legais e as cautelas dos órgãos de controle, ao menos durante a execução de despesas em rito acelerado.

Ademais, o exemplo federal poderia se multiplicar nos estados e municípios, ainda mais sujeitos ao perigo de manipulação. Ao frear o mecanismo, a corte contribui para evitar danos maiores, valoriza os dispositivos legais e reforça a responsabilidade fiscal.

O Congresso, infelizmente, falhou na contenção da farra orçamentária, aprovada com apoio oportunista até dos principais partidos de oposição. Espera-se que não tenha sido aberto um precedente desastroso para os próximos anos eleitorais. Que a decisão do Supremo contribua para isso.

A vez de Kamala

Folha de S. Paulo

Perto de ser formalizada, candidatura da vice democrata muda o embate com Trump

Se ainda havia dúvidas de que a vice-presidente dos Estados UnidosKamala Harris, seria a adversária do republicano Donald Trump na eleição presidencial de novembro, todas foram dissipadas.

O Comitê Nacional Democrata anunciou na sexta (2) que, em votação interna da legenda ainda em andamento, a ex-senadora pela Califórnia conquistara maioria indiscutível. Kamala deve ser aclamada em 17 de agosto, durante a convenção do partido em Chicago.

Desde que o presidente Joe Biden se retirou da disputa e a indicou, há duas semanas, a vice disseminou entusiasmo nas bases democratas, recebeu imediato apoio de expoentes do partido e trouxe recursos antes negados por tradicionais financiadores.

Dos US$ 310 milhões arrecadados em julho, dois terços somaram-se depois de seu nome ter emergido.
A escolha de Kamala, 59, de imediato, desestruturou a estratégia eleitoral adversária. Trump já não concorre mais com um alvo fácil de ser atropelado por sua retórica de insultos e mentiras.

A fragilidade de Biden ficou patente no debate de julho, quando seu mau desempenho reforçou preocupações gerais quanto ao impacto de seus 81 anos em sua capacidade de ação e reação.

O republicano —não muito mais jovem, aos 78— decerto manterá seu apelo, sobretudo quando atacar as posições mais claramente liberais de Kamala em temas como imigração e aborto.

Mas haverá riscos, como o vazio em que recaiu sua insinuação de que a oponente democrata —filha de um jamaicano e de uma indiana— posicionara-se como negra apenas recentemente.

Já Kamala, tudo indica, pretende opor sua experiência como senadora, promotora pública e procuradora-geral da Califórnia à ficha criminal do republicano, que coleciona processos e condenações.

"Ao longo da minha carreira, lidei com criminosos de todos os tipos. Predadores que abusaram de mulheres, fraudadores que roubaram consumidores, trapaceiros que quebraram as regras para seu próprio benefício. Então me ouçam quando eu digo: eu conheço o tipo de Donald Trump", discursou.

O Orçamento de um país sem futuro

O Estado de S. Paulo

Não se desenvolve um país em que o Orçamento destina mais dinheiro para as emendas parlamentares, com ações de baixo impacto e eficiência, do que para investimentos federais

Com o Orçamento cada vez mais comprimido por despesas obrigatórias e a política arrecadatória da atual gestão em evidente sinal de esgotamento, as emendas parlamentares caminham para superar os recursos reservados aos investimentos. É difícil alcançar o tão esperado crescimento sustentável do País quando falta clareza de prioridades na aplicação do dinheiro público, diluído em ações de baixo impacto e eficiência e poucos resultados em termos econômicos e sociais.

Os investimentos federais em projetos estruturais previstos no Orçamento recuam, há anos, ao mesmo tempo que as emendas parlamentares avançam. Decisões políticas do governo lulopetista parecem, ainda, ignorar a realidade orçamentária ao subestimar despesas como os benefícios sociais, amarrados ao salário mínimo que sobe acima da inflação. Tem-se o estrangulamento progressivo do Orçamento, com redução de controle sobre os recursos e o consequente risco de paralisia.

Enquanto isso, os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, vão enfrentando os desafios de reafirmar algum compromisso com a responsabilidade fiscal. Depois de muitas bravatas de Lula em defesa de sua fúria perdulária, R$ 15 bilhões foram congelados. A equipe econômica age assim para não estourar o limite de despesas e cumprir a meta fiscal deste ano, com o objetivo de equilibrar gastos e receitas.

Para que a meta fiscal seja alcançada, mesmo aquém da promessa de zerar o déficit – há previsão de rombo de R$ 28,8 bilhões dentro do limite do arcabouço fiscal –, sacrifícios se impõem a toda a Esplanada. Saúde, Cidades, Transportes e Educação são as pastas mais afetadas, o que expõe o drama e o impacto da tesourada. Mas nem mesmo a escassez de dinheiro público, ao que tudo indica, será capaz de impedir que a execução de emendas parlamentares atinja um novo recorde.

Essas verbas chegarão a R$ 47,9 bilhões em 2024, apesar do congelamento de R$ 1,1 bilhão das emendas de comissão, que não são impositivas, e de R$ 153,6 milhões das emendas de bancada, que em algum momento terão de ser liberadas. Do total, o governo já empenhou R$ 37,5 bilhões antes do período restritivo imposto pela lei eleitoral. Essa decisão que afagou o Congresso, com o qual Lula convive de maneira errática, poupou deputados e senadores de darem uma cota maior de contribuição com o País nesse acerto das contas públicas, ao passo que diminuiu a capacidade de planejamento do Executivo e drenou os recursos discricionários de cada um dos ministérios.

Com isso, a reserva de R$ 54,8 bilhões de investimentos sob o controle do governo federal previsto no Orçamento deste ano, em razão da contenção nos gastos, vai encolher. Só na vitrine do lulopetismo, o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), são R$ 4,5 bilhões congelados. E o volume bilionário destinado a deputados e senadores, como se os parlamentares fossem centenas de ministérios com dotação orçamentária própria e pulverizada, preocupa. Como afirmou ao Estadão o economista Felipe Salto, não tem sentido a rubrica das emendas superar a de investimentos do Executivo, “que pela Constituição tem a iniciativa do Orçamento”. A ordem recente do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), que exige transparência nas emendas, pode frear a liberação de recursos, mas a ver se será cumprida.

O instrumento das emendas parlamentares faz parte das regras democráticas, mas, quando fora de controle e usado sem qualquer transparência – como ocorrem com as emendas “Pix” que abastecem cofres de municípios e Estados, sem um projeto e uma destinação específica do dinheiro público, e os restos ainda a pagar do orçamento secreto, ambas práticas reveladas pelo Estadão –, tende a desequilibrar as relações de força entre os Poderes, mas o Executivo tampouco pode atribuir-se um papel de vítima nesse jogo. Esse consórcio do governo com o Congresso na liberação de emendas desnuda como escolhas políticas atravancam o crescimento do País e expõe a falta de um projeto que vá além do horizonte eleitoral e dos interesses paroquiais.

China vive crise de identidade econômica

O Estado de S. Paulo

Plenário econômico do PCCh até diagnosticou as debilidades no mercado de trabalho e no mercado imobiliário. Mas a geopolítica de Xi Jinping interfere na escolha dos remédios

Em meados de julho, os membros do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh) se reuniram para o terceiro de sete plenários tradicionalmente realizados durante o seu mandato quinquenal. Historicamente, o chamado “Terceiro Plenário” se dedica à economia, e havia grande expectativa para o encontro de 2024, dadas as dificuldades econômicas enfrentadas pelo país. Analistas se acostumaram a discernir entre as palavras e as ações a verdadeira intenção do Partido. A resolução deste ano – “Aprofundar as Reformas Abrangentes para Avançar a Modernização Chinesa” – enfatizou slogans como “reforma e abertura” e “estilo chinês de modernização”, ecoando as medidas liberalizantes promovidas por Deng Xiaoping a partir dos anos 80, mas está longe de ser claro que o líder do Partido, Xi Jinping, resgatará o espírito dessas reformas, e não o contrário.

Formou-se hoje em dia um consenso no Ocidente de que a China é uma superpotência econômica em ascensão e que inexoravelmente se tornará a principal economia do mundo. Muitos políticos e economistas sugerem que o caminho para as democracias liberais é emular as políticas mercantilistas e intervencionistas chinesas. Mas essas ideias se baseiam numa narrativa unívoca e simplista.

A economia da China de Mao Tsé-tung era pesadamente centralizada, com pouco comércio exterior. As reformas de Deng eliminaram os coletivos agrícolas, introduziram fazendas privadas, aboliram o monopólio do Estado em comércio internacional e, gradativamente, permitiram a introdução de investimentos estrangeiros e reduziram barreiras comerciais. Entre 1980 e 2010, a liberalização econômica tirou mais de 800 milhões da pobreza e melhorou dramaticamente a qualidade de vida dos cidadãos. Mas hoje o país enfrenta problemas de curto e longo prazos.

Desde 2012, Xi passou a reorientar a economia numa direção iliberal. O setor de tecnologia se desacelerou e a antipatia generalizada pelo setor privado abastece o desemprego. As políticas industriais intensificaram tensões geopolíticas e conflitos comerciais, muitas vezes oferecendo pretextos a políticos ocidentais para promoverem suas próprias intervenções. O setor imobiliário está hiperinflacionado e as incorporadoras não estão conseguindo entregar as residências prometidas a uma classe média com dificuldades de quitar seus financiamentos. Os governos locais, tradicionalmente financiados pela venda de terras, sofrem com orçamentos apertados.

A longo prazo, o rápido envelhecimento populacional ameaça a produção econômica e a inovação, e pressiona os serviços públicos. Muitos jovens talentos, frustrados com as restrições políticas e econômicas, estão buscando oportunidades fora. A produtividade não está se expandindo no mesmo ritmo do passado. Sob Xi, a participação das empresas estatais aumentou, mas, segundo o FMI, elas são 20% menos produtivas que suas contrapartes na iniciativa privada.

Nesse contexto, a Terceira Plenária soa como uma oportunidade perdida. Ela persiste no papel do Estado para estimular o lado da “oferta”, mas deu poucas indicações substanciais de como revitalizar a “demanda” de empreendedores e famílias. O comunicado faz promessas de aumentar a fatia da renda familiar no PIB, subsidiar filhos, aumentar gradualmente as aposentadorias e gastos sociais a fim de gerar espaço entre as famílias para o consumo doméstico, ou moderar as regulações sobre empreendimentos privados. Mas há pouca concretude sobre como o Partido fará isso. Mais importante, o histórico recente das políticas econômicas chinesas não permite muita confiança de que queira fazê-lo.

O Plenário foi rico em retórica (sobretudo para exaltar o comando de Xi), mas fraco em substância. Falta uma estratégia clara para revigorar as duas áreas mais debilitadas da economia chinesa: o mercado imobiliário e o mercado de trabalho. Um resgate das reformas de mercado do passado seriam um primeiro passo para o crescimento econômico futuro. Mas as obsessões geopolíticas de Xi parecem arrastar a economia para um passado mais distante: o de Mao Tsé-tung.

O valor do petróleo

O Estado de S. Paulo

Pela primeira vez, o demonizado petróleo lidera a pauta do comércio exterior brasileiro

Pela primeira vez na história do comércio exterior brasileiro, o petróleo assumirá neste ano a liderança da pauta de exportações do Brasil, com um montante de US$ 50,612 bilhões. É o que afirma o mais recente relatório da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), com projeções para a balança comercial brasileira.

Essa novidade amplia os dilemas de um país que precisa realizar a transição energética definitiva para fontes limpas, superando os combustíveis fósseis, ao mesmo tempo que o petróleo adquire substancial relevância comercial para o Brasil. Ao fim e ao cabo, não se pode ignorar que a demanda por petróleo no mundo continuará forte nos próximos anos e que o Brasil aparece em boa condição para participar ativamente desse mercado. Não fazê-lo seria rasgar dinheiro – que será necessário para financiar a caríssima transição energética.

Entre os fatores internos que explicam a ascensão do petróleo está o aumento da produção, com contribuição relevante do pré-sal, que já responde por 80% do total extraído. Com produção de 3,4 milhões de barris (dados de 2023), o Brasil é o oitavo maior produtor de petróleo do mundo, ficando à frente dos Emirados Árabes Unidos e do Kuwait, segundo ranking elaborado pela Energy Information Administration (EIA, na sigla em inglês).

Externamente, o País tem ampliado o leque de destinos, que até a pandemia era praticamente limitado à China (64% em 2019, pelos dados da Funcex). O novo contexto geopolítico e as sanções à Rússia após a invasão da Ucrânia abriram novos mercados ao petróleo brasileiro. De 2019 a 2023, as vendas saltaram de US$ 24,2 bilhões para US$ 42,5 bilhões. Enquanto as exportações para a China cresceram 28%, para outras economias o aumento foi de 60%, de acordo com a AEB.

Esses números demonstram que o País está vivendo um momento particularmente promissor no comércio mundial de petróleo. E mesmo com o pré-sal dando os primeiros sinais de que a fase de declínio das reservas se aproxima, a produção deve crescer em torno de 6% este ano e continuar com bons resultados até por volta de 2030. A partir daí, começam as dúvidas. Por isso, adiar a decisão sobre explorar a nova fronteira da Margem Equatorial significa um enorme desperdício.

Recentes declarações do presidente Lula da Silva indicam que o governo já tomou a decisão política de explorar as bacias marítimas que se estendem do Amapá ao Rio Grande do Norte. A diretora de Exploração e Produção da Petrobras, Sylvia Anjos, revelou que será proposto, no Conselho Nacional de Pesquisa Energética (CNPE), que a Petrobras participe do combate ao desmatamento e às queimadas na Amazônia como compensação à atuação exploratória.

O petróleo sempre figurou entre os principais produtos de exportação do Brasil, mas nunca ocupou a primeira colocação, reservada às commodities agrícolas, como a soja, que, após o recorde histórico do ano passado, devem recuar este ano. A importância econômica e o momento ímpar, interno e externo, pedem agilidade na tomada de decisão – afinal, reservas estimadas em até 30 bilhões de barris esperam na Margem Equatorial.

Crimes do real para o virtual

Correio Braziliense

O aparato de medidas para proteção e ressarcimento das vítimas vem crescendo, mas a realidade das infrações cibernéticas não permite descanso

Uma mudança significativa na estrutura dos crimes contra o patrimônio vem sendo observada no Brasil. Nos últimos anos, as estatísticas apontam que a criminalidade tem abandonado as ruas e vem ocupando cada vez mais a internet. A incidência de delitos virtuais — aqueles aplicados por meio da web e que envolvem o uso de equipamentos eletrônicos — é percebida pelos cidadãos e pelas autoridades.

Segundo o Anuário de Segurança Pública de 2024, ocorre um golpe a cada 16 segundos no país. O levantamento mostra o aumento de 8,2% nos estelionatos, totalizando 1.965.353 registros desse delito somente em 2023. Em muitos desses casos, a porta de entrada para a ação dos fraudadores é o celular. Uma gama de ataques chega diariamente aos aparelhos dos brasileiros, tirando o sossego e exigindo atenção constante.

As ocorrências também afetam o modo de prevenção por parte dos órgãos de segurança, uma vez que esse tipo de crime não se combate com policiamento ostensivo, mas com um trabalho de investigação detalhado e contínuo. Extorsão, fraudes, apropriação de dados, golpes sentimentais, assédio, violência psicológica e perseguição são algumas das modalidades praticadas on-line.

A modificação de operação da bandidagem escancara que é preciso investir em inteligência, oferecendo aos agentes policiais os meios necessários para esse enfrentamento. Estabelecer uma capacidade adequada de investigação para que os ataques não ocorram - e quando forem feitos sejam identificados e punidos é fundamental. Esse é um desafio que deve ser encarado de maneira ampla, mobilizando diversos setores da sociedade. O caminho precisa partir da conscientização e chegar à identificação e responsabilização dos golpistas.

A legislação e as ações de prevenção têm de se adaptar ao mundo virtual. O aparato de medidas para proteção e ressarcimento das vítimas vem crescendo, mas a realidade das infrações cibernéticas não permite descanso. A eficiência na abordagem da criminalidade digital é ponto urgente para barrar o avanço das ocorrências. A ameaça crescente para a segurança digital e a integridade das informações pessoais, empresariais e de organizações é uma questão a ser vencida.

A amplitude dos ataques, que ultrapassam fronteiras, é um dificultador. Diante disso, os agentes de segurança precisam dialogar e manter uma conexão permanente. O investimento em capacitação e a disponibilização de recursos para as forças policiais e órgãos judiciais são urgentes. De outra forma fica praticamente impossível lidar de maneira eficiente com essa quantidade de delitos.

No Brasil, a Política Nacional de Cibersegurança (PNCiber) busca abranger uma série de necessidades apontadas por diferentes instituições e especialistas para melhorar a governança sobre a temática, propondo a implantação do que existe de mais moderno na luta contra esses crimes. A participação de todos os segmentos sociais é primordial para que as discussões e decisões contemplem o respeito à manifestação e privacidade no meio virtual.

Os crimes na internet representam um risco significativo para a segurança digital. O combate eficaz requer uma abordagem vasta e que inclua medidas legislativas, judiciais e de cooperação da população. O Brasil precisa se fortalecer diante dessa realidade para proteger os indivíduos e as instituições contra os ataques digitais, que estão cada vez mais sofisticados.

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