quarta-feira, 7 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Definido o vice, desafio de Kamala é manter maré em alta

O Globo

Candidata democrata escolhe governador com raízes no meio rural para compor chapa do partido

Cientistas políticos ainda debatem a influência de candidatos a vice-presidente em eleições presidenciais. Na maioria dos casos, eles têm efeito meramente defensivo. Em outros poucos, são efetivos na conquista de votos e determinantes para uma vitória. O nome escolhido pela democrata Kamala Harris para ser seu companheiro no pleito de novembro, o governador do estado de Minnesota, Tim Walz, tem potencial para exercer as duas funções. Político nascido no meio rural, ele deve ajudar a combater as acusações de elitismo direcionadas a Kamala, criada por uma mãe pesquisadora biomédica na progressista Califórnia. Com imagem de homem do povo, o ex-professor de escola secundária pode alavancar apoio em regiões em que os republicanos estão em vantagem. Agora completa, a chapa democrata tem o desafio de manter a tendência de alta das últimas duas semanas.

Reconhecida oficialmente como candidata à Presidência, Kamala já tinha sido aclamada por simpatizantes e doadores. Desde 21 de julho, quando Joe Biden anunciou que não concorreria à reeleição, o número de voluntários de campanha deu um salto, e as doações ultrapassaram as recebidas pelos republicanos. Os democratas fecharam o mês com US$ 310 milhões, ante US$ 139 milhões dos rivais. A intenção de voto também mudou. Há duas semanas, o republicano Donald Trump tinha uma margem de 3 pontos percentuais sobre Kamala, numa média de pesquisas nacionais. Hoje, a democrata está 1 ponto à frente. Em estados decisivos, ela conseguiu reverter ou diminuir a desvantagem. Em Michigan e Wisconsin, os dois têm agora o mesmo percentual. Na Pensilvânia, Trump está apenas 2 pontos na frente.

Walz ganhou a corrida de outros pesos pesados do partido, como o governador do Kentucky, Andy Beshear, de Illinois, J.B. Pritzker, da Pensilvânia, Josh Shapiro, e o senador pelo estado do Arizona Mark Kelly. Parece ter contado a seu favor o reconhecido faro político. Walz foi eficaz ao atacar Trump e o candidato republicano a vice, J.D. Vance. Ao comentar uma entrevista de Vance na qual ele condenava as “mulheres com gatos e sem filhos”, Walz disse: “Essas pessoas do outro lado são esquisitas. Querem a retirada de livros, querem estar na sala de consulta médica”. Até então, os democratas usavam termos como antidemocrático e oportunista. Depois de anos, uma expressão finalmente viralizou nas redes sociais.

Para ajudar a eleger Kamala, o vice Walz terá de dar muitas outras demonstrações de seu tino político. No colégio eleitoral americano, cada estado tem um número de votos idêntico ao de seus representantes no Congresso. Washington, a capital, mesmo sem nenhum deputado ou senador, conta com três. Com exceção de dois estados, nos demais a chapa vencedora fica com todos os votos. Alguns são historicamente republicanos, outros democratas. Isso explica a atenção nos estados chamados de pêndulos. Se Walz ajudar a reverter uma tendência desfavorável em um ou mais desses lugares, poderá ser comparado a Lyndon Johnson. Depois de ganhar a eleição em 1960, John F. Kennedy reconheceu que não teria conquistado os decisivos votos do Sul do país sem o trabalho de seu vice. O Sul de Walz é o Meio-Oeste.

Ação para reduzir judicialização de benefícios do INSS é boa notícia

O Globo

Governo procurará segurados com decisões judiciais favoráveis para propor acordos e reduzir custos

Um dos maiores orçamentos públicos, o INSS é fonte de preocupação para qualquer equipe econômica. Não bastasse o aumento de gastos com aposentadorias, pensões e outros benefícios, o INSS representa 29,39% do total de precatórios da União, dívidas cobradas na Justiça já com sentença final para pagamento, incluindo juros e correção monetária. Para evitar o crescimento desses gastos sem qualquer controle, o governo acaba de tomar a decisão correta de procurar, nos próximos 90 dias, 170 mil segurados com pedidos indeferidos nos guichês, mas sobre os quais já existem decisões judiciais favoráveis aos reclamantes. A ideia é propor acordos que reduzam as ações na Justiça. A proposta parece compensadora para ambos os lados. O Estado reduz os valores a serem pagos, e as pessoas recebem o dinheiro sem mais demora. O programa, batizado de "Pacifica", pode representar uma economia de R$ 225 milhões apenas no pagamento de juros e em custos processuais.

Desde 2015, uma lei já permite esses acordos. Como tudo é lento no setor público, só agora ela está sendo usada pelo INSS, por causa da necessidade de corte de gastos. O Executivo não sabe ao certo quanto terá de pagar em indenizações determinadas pela Justiça nos próximos anos. Apenas recebe a cada exercício a lista dos pagamentos a fazer. Para negociar acordos e reduzir a judicialização da concessão de benefícios, terá de ter essas informações. A ideia é colocar um link no aplicativo "Meu INSS" com esse objetivo.

O INSS, a Advocacia-Geral da União (AGU) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) fizeram um levantamento dos dez assuntos mais frequentes em ações e nos quais há jurisprudência consolidada a favor dos segurados e beneficiários de auxílios. Entre eles estão o reconhecimento de dependentes, a concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), auxílio-reclusão, auxílio-doença e aposentadoria. A previsão é que acordos possam evitar no ano que vem 137 mil novas ações. Há ainda, nos Tribunais Superiores, processos em tramitação envolvendo 15 temas que, em caso de derrota da União, provocarão um aumento anual nos gastos públicos de R$ 117 bilhões, na melhor das hipóteses.

Quando se trata da Previdência, as cifras são sempre gigantescas. Apenas o processo contra a União que está no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília, sobre o Aerus, fundo de pensão da extinta Varig, envolvia R$ 4,74 bilhões. A AGU conseguiu reduzir o valor pela metade, ao antecipar o pagamento.

São acordos desse tipo que o INSS precisa fechar. O governo Lula conseguiu no Supremo pagar precatórios além de um teto criado por emenda constitucional na gestão Bolsonaro. Com isso, evitará um estouro previsto para 2027. Mas a pressão dos precatórios sobre as contas públicas permanece.

Dura, ata do Copom indica tendência para elevar juros

Valor Econômico

O alívio monetário nos EUA retira um dos elementos de risco incluídos na ata da reunião

O Comitê de Política Monetária preferiu corretamente a prudência ao manter os juros em 10,5%, mas a moderação e a cautela, dois termos que dominam a ata de sua última reunião, poderão dar lugar a uma nova elevação da taxa Selic. Em termos claros, a ata colocou a opção de manter a taxa até o horizonte relevante, o primeiro trimestre de 2026, para a inflação convergir para a meta de 3%, ou, se isso não for suficiente, elevá-la. A maior parte do arrazoado da ata não aponta um motivo que não seja o de preocupação com o deslizamento do IPCA para longe do objetivo.

O BC usou as projeções do cenário de referência e de outro alternativo (manutenção dos 10,5% ao longo do período) pelos seis semestres que a política monetária tem como alvo, e não mais no ano calendário. O motivo é que em 2025 entra em vigor a meta contínua de inflação, quando o BC não poderá permitir que o IPCA ultrapasse o teto de 4,5% por seis meses consecutivos. No cenário de referência para o calendário cheio, o IPCA é de 4,4% em 2024 e 4% em 2026. No alternativo, houve piora, de 4% e 3,1% em junho para 4,2% e 3,4% agora. Para o primeiro trimestre de 2026, é de 3,4% no de referência e 3,2% no alternativo. A diferença desse último número em relação à meta parece irrisória, mas a ata o considera “acima da meta”, isto é, passível de ação de correção pela autoridade monetária.

Mas o BC não aumentou os juros já, entre outros vários motivos, porque isso implicaria considerar que falhou na avaliação do cenário prospectivo para a inflação por meses a fio. Quando sua orientação futura era indicar dois cortes de 0,5 ponto da Selic a cada reunião, ainda em março, a ata do Copom considerou que “processo desinflacionário tende a ser mais lento” e as expectativas de inflação tinham “reancoragem apenas parcial”. Em maio, na fatídica reunião que mostrou a divisão entre os que queriam 0,5 ponto de corte, como indicado previamente (diretores nomeados por Lula), e os que queriam 0,25 ponto (vindos do governo anterior), que prevaleceu, o “cenário prospectivo de inflação” havia se tornado “mais desafiador... com o aumento das projeções de inflação de médio prazo, mesmo condicionadas em uma taxa de juros mais elevada”.

Aumentar de repente os juros agora significaria reconhecer que as taxas foram reduzidas quando por meses a inflação nunca se mostrou ancorada de fato, segundo a avaliação do próprio Copom. Quanto ao futuro, o BC segue reconhecendo que as medidas subjacentes de inflação são incompatíveis com a meta, com agravantes. A inflação de serviços assumiu “papel preponderante na dinâmica inflacionária” e ela mostra maior inércia, pois vem sendo animada por um mercado de trabalho com o menor desemprego em uma década e renda em alta.

O balanço de riscos, explicitamente simétrico até junho, mudou para pior, com ingresso de novo fator altista: a “conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada”. Além disso, a ata ressalta que “todos os membros concordaram que há mais riscos para cima na inflação”.

O BC atribui a disparada do dólar, que prosseguiu após a reunião do Copom, à aversão ao risco que determina os fluxos de capital e que atingiu as moedas dos países emergentes com “intensidade variável”. Essa intensidade depende dos fundamentos, e a fragilidade fiscal brasileira fez com que o real fosse uma das moedas que mais se desvalorizaram.

Mas a ata virou passado quando os mercados desabaram na sexta-feira, um dia depois de se regozijarem com a perspectiva de corte nos juros americanos desenhada por Jerome Powell após reunião do Fed, na quarta-feira. O temor de uma recessão nos Estados Unidos, disparado por estatísticas de aumento do desemprego e baixa criação de vagas, o motivo principal das turbulências, poderá levar o Fed a antecipar o corte de juros ou a fazer um corte maior. As quedas violentas nas bolsas não foram acompanhadas pelos rendimentos dos títulos do Tesouro americano, o que indica que a reavaliação dos preços dos ativos pode estar mais relacionada a fatores internos dos mercados - como a supervalorização das ações de tecnologia - e menos à economia real. Bons indicadores do comportamento do setor de serviços nos EUA ajudaram a acalmar as tensões.

O início dos cortes de juros nos EUA, seja porque a inflação caminha para 2%, seja porque os EUA rumam para a recessão, tende a inverter a escalada de alta da moeda americana que, se consolidasse o dólar ante o real no atual nível, empurraria o IPCA para mais longe da meta, obrigando o BC a agir. O alívio monetário nos EUA retira um dos elementos de risco incluídos na reunião do Copom. Restam os demais, direta ou indiretamente ligados à questão fiscal. O aumento de gastos aquece a economia e dificulta tanto a redução da inflação quanto o cumprimento da meta de zerar o déficit este ano. O início dos bloqueios e contingenciamentos de gastos é indício de que o governo poderá chegar perto do que ele próprio prometeu ao aprovar o novo regime fiscal. É importante que tente seriamente cortar despesas e que o consiga.

BC mostra que tolerar inflação terá preço alto

Folha de S. Paulo

Copom mostra disposição em elevar juros se necessário; Lula ajudaria com ajuste fiscal e indicações sólidas para o órgão

Banco Central deu uma importante indicação na ata da reunião da semana passada de seu Comitê de Política Monetária, quando se decidiu manter a taxa básica de juros, a Selic, em 10,5% ao ano.

"O comitê, unanimemente, reforçou que não hesitará em elevar a taxa de juros para assegurar a convergência da inflação à meta se julgar apropriado", afirma o documento, divulgado nesta terça (6).

Por óbvio, a mera possibilidade de elevar a já escorchante Selic é, em si, má notícia, com riscos para a atividade econômica, o emprego e o endividamento público e privado. Dado o contexto, porém, é bem-vinda a mostra de compromisso da autoridade monetária com o controle da inflação.

A unanimidade destacada no texto é uma informação fundamental. Significa que os quatro diretores indicados por Luiz Inácio Lula da Silva (PT) acompanharam os outros cinco membros do comitê na disposição anunciada de fazer o necessário, mesmo que à custa de sacrifícios, para manter o poder de compra da moeda.

Até o final do ano, Lula apontará mais dois nomes para o colegiado —em menos de cinco meses, portanto, seus escolhidos serão maioria na cúpula do BC. Com seus frequentes ataques demagógicos ao órgão autônomo e aos juros, o mandatário criou o temor de que haverá maior tolerância com a inflação a partir da troca de comando.

O cenário econômico deste ano se mostrou mais adverso que o esperado, dificultando o abrandamento da política monetária. Juros americanos acima da expectativa levaram à alta do dólar, que encarece os produtos importados e pressiona os preços aqui. Na segunda-feira (5), especulações sobre uma recessão nos EUA derrubaram Bolsas de Valores pelo mundo.

Tais circunstâncias escancararam os perigos da imprudência orçamentária de Lula, que contribuiu para uma desvalorização do real mais aguda que a da maioria das moedas mundiais. Só recentemente o governo petista tomou providências, ainda tímidas, para conter a escalada do gasto público.

Com retórica mais incisiva, a ata do Copom listou esses perigos domésticos e externos para o controle do IPCA —que, pelas projeções da entidade, estão em 4,2% neste ano e 3,6% em 2025, acima, portanto, da meta de 3%.

Lula deveria ajudar a si próprio com medidas mais fortes na área fiscal e indicações de sólida reputação para o BC. Como resta mais da metade do mandato presidencial pela frente, talvez os riscos de agora inspirem maior prudência.

O BC fez sua parte. A descrição objetiva da conjuntura e o compromisso com as metas elevaram o preço de uma eventual tolerância futura com a inflação.

Prazo no lixo

Folha de S. Paulo

Prefeitos põem ambiente em risco ao não desativarem áreas de dejetos insalubres

Há 14 anos, a Política Nacional de Resíduos Sólidos fixou o dia 2 de agosto de 2024 como prazo para erradicar os lixões no Brasil. Mas fracassamos, com 1.572 deles ainda em funcionamento.

À cifra escabrosa se somam quase 600 aterros controlados, que só diferem daqueles porque a imundície é coberta por terra. Por não protegerem o solo, esses dois modos de depósito de dejetos permitem que substâncias tóxicas percolem até o lençol freático.

Brotam daí rios de chorume e ameaças para a saúde pública e o ambiente. Ademais, perde-se energia que poderia ser gerada com o metano da decomposição dos rejeitos. Estima-se que os custos socioambientais dos lixões beirem R$ 100 bilhões anuais.

O país ainda claudica na própria geração de resíduos. Apenas 3% a 4% dos materiais passíveis de reaproveitamento são reciclados.

A forma correta de descartar o lixo são aterros sanitários. Estes são precedidos de impermeabilização do terreno e instalação de infraestrutura para coleta e queima do metano, produzindo eletricidade.

O marco legal do saneamento básico, de 2020, estipula a cobrança de taxas municipais para coleta e destinação de resíduos, mas só 438 prefeituras comprovaram ter sistemas de cobrança. O campeão em lixões é a Bahia: são 271, ante apenas 17 aterros sanitários.

A alegação de que falta dinheiro não se sustenta, pois as prefeituras estão abrindo mão da receita de taxas e de recursos federais condicionados a elas.

Alagoas erradicou os lixões em 2018; Mato Grosso do Sul os reduziu de 80% para 6%. Nesses casos, mostrou-se eficaz a pressão de órgãos ambientais, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas.

Ao chicote da lei deve aliar-se a cenoura da capacitação das administrações municipais, para que instalem sistemas de dados que auxiliem no planejamento da destinação dos resíduos. Em certos casos, a solução pode estar na formação de consórcios entre cidades próximas para obter ganhos de escala.

Inaceitável é o desmazelo com que prefeitos tratam um problema grave que põe em risco o ambiente e a saúde da população.

Um recado forte e unânime do BC

O Estado de S. Paulo

Ata reforça credibilidade do Banco Central, que vê mais riscos de alta do que de baixa da inflação e não descarta possibilidade de ter de aumentar a taxa de juros para conduzi-la à meta

O Banco Central (BC) decidiu marcar posição para deixar claro que não hesitará em elevar a taxa básica de juros no futuro para levar a inflação à meta. Ainda que tenha optado pela cautela na última reunião, na qual a Selic foi mantida em 10,5%, o BC reforçou – e de maneira unânime – que poderá mudar de ideia em algum momento se julgar apropriado. “Concluiu-se unanimemente pela necessidade de uma política monetária ainda mais cautelosa e de acompanhamento diligente do desenrolar do cenário”, destacou a ata.

O recado significa muito para um colegiado que há pouquíssimo tempo rachou entre os membros indicados antes e depois do governo Lula da Silva. A divisão fortaleceu as apostas de que o próximo presidente do BC, a ser escolhido pelo presidente, poderia vir a adotar uma atitude mais leniente no combate à inflação.

A ata, ao contrário, mostrou um Banco Central unido. Todos os integrantes acreditam que é mais provável que a inflação suba do que caia, e parte dos membros ressaltou que o balanço de riscos, de fato, está assimétrico, com mais fatores a pressionar os preços para cima do que para baixo.

Mas, quando a última reunião ocorreu, na terça e quarta-feira passadas, o BC ainda não imaginava que os mercados entrariam em pânico nesta semana, preocupados com a possibilidade de que a economia dos Estados Unidos desacelerasse e até entrasse em recessão.

Horas antes do anúncio do Copom, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) havia mantido os juros entre 5,25% e 5,50% ao ano, mas o presidente da instituição, Jerome Powell, sinalizou que as taxas poderiam cair já na próxima reunião, em setembro. Na sexta, no entanto, a divulgação de dados fracos sobre a geração de empregos nos EUA, muito piores que o esperado, foi o suficiente para azedar o clima de vez.

Já na madrugada da última segunda-feira, a Bolsa de Valores do Japão caiu 12% e registrou seu pior dia em quase 40 anos. Para piorar, o Banco do Japão havia elevado a taxa de juros para 0,25% na semana anterior, abandonando uma política de juros negativos que perdurou por anos.

A decisão reduziu a atratividade do mercado brasileiro, que se beneficiava dos recursos de investidores que apostavam no diferencial de juros entre os países. No Brasil, o dólar chegou a bater em R$ 5,86, mas recuou a R$ 5,73 no fechamento do dia. Na terça, a moeda voltou a cair ante o real, para alívio do governo, que vê nesse aspecto da crise uma oportunidade de que as pressões sobre a inflação também sejam reduzidas.

Não passou despercebido por ninguém a ênfase que o comunicado do BC deu à desvalorização do câmbio na semana passada. Na ata, embora tenha reconhecido que essa tendência afeta outras economias emergentes em todo o mundo, a autoridade monetária sublinhou que esse movimento, se persistir, pode ser relevante a ponto de ser incorporado no cenário avaliado pelo Copom para a tomada de suas decisões.

Em contrapartida, um câmbio mais comportado, mesmo que por motivos externos, pode reduzir as pressões inflacionárias. Isso, em tese, facilitaria o trabalho do Banco Central e, eventualmente, reduziria as chances de materialização de um cenário no qual o Copom se veja obrigado a elevar os juros.

Ainda que o câmbio contribua para reduzir a inflação, dados mais recentes sobre desemprego e produção industrial indicam uma economia aquecida. E nada disso resolve o problema da política fiscal, que também teve destaque na ata.

Além de alertar sobre a percepção dos agentes de mercado sobre o crescimento dos gastos públicos e a sustentabilidade do arcabouço, o BC aproveitou a ata para reiterar a importância de uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida para tornar a ancorar as expectativas e reduzir prêmios de risco de ativos financeiros.

A maioria dos analistas ainda acredita que os juros não terão de subir até o fim do ano, mas o fato de o BC ter deixado esta possibilidade em aberto reforçou sua credibilidade em um momento politicamente sensível, às vésperas da troca do comando da instituição financeira.

O azar do varejo e das famílias

O Estado de S. Paulo

Pesquisas mostram que jogos online privam brasileiros do consumo e afetam finanças pessoais, além da saúde. Governo e Congresso não poderão alegar surpresa quando a conta chegar

Num país marcado por desigualdade social, elevada pobreza e baixa renda, as apostas online, conhecidas como “bets”, e os caça-níqueis virtuais, como o tal “jogo do tigrinho”, prosperam vertiginosamente, na mesma proporção em que deterioram finanças pessoais, prejudicam setores econômicos e impõem desafios à saúde. O Congresso Nacional e o Poder Executivo se empenharam em revestir de uma pretensa legalidade esse mercado bilionário para ampliar a arrecadação e irrigar os cofres públicos com dinheiro da jogatina, ignorando que o jogo produz efeitos nocivos nada desprezíveis sobre os cidadãos.

Pesquisas já começam a captar a consolidação de alguns hábitos danosos, como deixar de consumir mercadorias e serviços para satisfazer sua compulsão pelo jogo de azar. As apostas esportivas online e os caça-níqueis virtuais, nos quais o jogador tenta prever a combinação de animais ou objetos, levaram muitos brasileiros a dedicar boa parte de sua renda ao jogo, o que pode implicar restrição a necessidades básicas.

Recente levantamento feito pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) em parceria com a AGP Pesquisas mostrou que 63% dos brasileiros que fazem apostas online tiveram sua renda comprometida com essa prática. Reduzir a compra de roupas, a ida ao supermercado e os gastos com cuidados de saúde e remédios exemplifica a força dos jogos em detrimento do que deveria ser essencial.

Além disso, mais da metade dos apostadores pertence à classe C. Esse recorte indica que, em virtude da renda limitada e das dificuldades para poupar, esses brasileiros possivelmente passaram a depositar esperança na sorte. Na falta de educação financeira, esses apostadores tratam aposta com se fosse investimento.

Fabio Gallo, colunista do Estadão e professor de Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembrou recentemente que a esmagadora maioria dos apostadores vai perder dinheiro, enquanto o investidor de mercado, se for relativamente prudente, dificilmente deixa de ganhar algo. Como ele escreveu, “o tempo está a favor do investidor, e não do apostador” – isto é, enquanto o apostador ignora o risco altíssimo porque espera o retorno imediato de seu “investimento”, e de preferência com ganhos astronômicos, o investidor mitiga os riscos colocando seu dinheiro em papéis de prazo mais longo e com bom retorno, dentro dos padrões de mercado. Mesmo o investimento em ações, que para alguns pode se assemelhar a um cassino, representa um risco limitado para aqueles que procuram informação antes de comprar os papéis.

Ademais, para além dos estragos em finanças pessoais e da disputa com o varejo, as bets e os caça-níqueis virtuais representam ameaça à saúde mental. É justamente por isso que essa nova face da ludopatia ocupou espaço de destaque em discussões durante o Congresso Brain 2024: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado recentemente no Rio de Janeiro. Como mostrou reportagem do Estadão, especialistas já adotam o neologismo “betar” para se referir a um vício que deriva da facilidade de acesso aos “caça-níqueis ambulantes”, e eles já preveem dificuldade da rede estatal para enfrentar mais esse problema de saúde mental – área em que o serviço público é reconhecidamente despreparado.

Com tantos entraves verdadeiramente prioritários a superar, o Brasil criou para si vários outros obstáculos com a disseminação da jogatina. A degeneração provocada pelas apostas esportivas online e pelos caça-níqueis virtuais começa a emitir seus primeiros sinais, e esses alertas são preocupantes. As autoridades do Congresso e do Executivo não podem alegar surpresa. A irresponsabilidade ao chancelar essas práticas nebulosas que empurram as famílias para o endividamento, para a privação e para o sofrimento ainda terá um custo alto. A conta – financeira e emocional – chegará para toda a sociedade.

Expectativa e realidade

O Estado de S. Paulo

Substituição de carros a combustão por elétricos tende a demorar mais do que o previsto

Anúncios recentes de montadoras como Ford e General Motors de que vão alterar seus investimentos nos Estados Unidos, reduzindo o escopo dos planos de produção de carros elétricos e até redirecionando recursos para a fabricação de veículos a combustão, mostra que o processo de transição energética será mais complexo e demorado do que o previsto. Ainda são grandes os obstáculos para sustentar o crescimento de demanda na eletrificação veicular, e ganham corpo as dúvidas sobre a viabilidade de banir a venda de carros a combustão até 2035, como determinaram ao menos 16 países.

É fato que o crescimento na produção e comercialização de carros elétricos impressiona. A previsão da Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) é que 17 milhões de unidades sejam vendidas neste ano no mundo, o que significa que, a cada cinco veículos vendidos, um será elétrico. Mas não está sendo uma opção tranquila para os consumidores, especialmente por causa do custo, ainda muito alto – que tende a aumentar com a redução de incentivos dos governos –, e da insuficiente infraestrutura de abastecimento.

O preço médio de modelos 100% a bateria vendidos no Brasil neste ano supera R$ 450 mil, conforme a Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi). Já a média dos veículos a combustão fica em R$ 270 mil. Do ponto de vista financeiro, portanto, a escolha do consumidor é óbvia. Mesmo assim, o mercado brasileiro está sendo inundado por carros elétricos importados da China, consequência direta da sobretaxa dos EUA aos carros chineses e do fim do subsídio em países europeus. A investida é agressiva: neste ano, a importação de carros elétricos cresceu 440% no primeiro semestre. Do total de importados, 91% vieram da China.

Os Estados Unidos não são os maiores produtores de carros elétricos nem são seu maior mercado. À frente dos americanos estão China – onde um em cada três carros vendidos é elétrico –, Noruega e Suécia. Mas a economia norte-americana, a maior do mundo, é referência para o movimento mundial. E lá o crescimento das vendas de veículos elétricos diminuiu nos últimos 12 meses, apesar dos investimentos bilionários no desenvolvimento e modernização de tecnologias, como mostrou recente reportagem do jornal The New York Times reproduzida pelo Estadão.

Os motivos foram os altos preços dos automóveis e caminhões elétricos e as dificuldades para abastecê-los. Apesar dos incentivos, os elétricos ainda não têm o mesmo nível de competitividade dos carros a combustão. O Brasil viveu na década de 1970, durante a crise do petróleo, experiência semelhante no lançamento dos motores a etanol, que só se popularizaram de fato quase duas décadas depois. Agora, além dos problemas comuns à transição, o mercado doméstico ainda enfrenta a dificuldade extra de basear a oferta em importação, sem produção local e, muito menos, transferência de tecnologia. Numa visão realista, o Brasil – e o mundo – ainda conviverá com motores a combustão por bastante tempo.

Lei Maria da Penha completa 18 anos sem comemoração

Correio Braziliense

O país registrou alta de 0,8% no número de feminicídios em 2023, ante o total de 2022. As tentativas desse tipo de crime aumentaram em proporção ainda maior no mesmo período: 7,1%

Completando 18 anos de sua sanção hoje, a Lei Maria da Penha é um inquestionável marco no enfrentamento à violência doméstica contra a mulher no Brasil, seja ela física, psicológica, sexual, patrimonial e/ou moral. Logo em seu primeiro título, o texto de 2006 ressalta que "cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados" na legislação.

Os 18 anos da lei, no entanto, convivem com um cenário ainda muito cruel contra a mulher. De acordo com o mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública, elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e publicado no mês passado, o país registrou alta de 0,8% no número de feminicídios em 2023, ante o total de 2022. As tentativas desse tipo de crime aumentaram em proporção ainda maior no mesmo período: 7,1%.

A efeméride e os números deixam claro que a Lei Maria da Penha ainda é muito recente — mesmo que reconhecida internacionalmente por sua ampla redação. Chama a atenção como um problema social tão grave da sociedade brasileira só foi alvo de prevenção por meio de uma política pública específica há menos de duas décadas. Essa morosidade até a criação da legislação evidencia uma população que ainda mata ou tenta matar uma mulher a cada duas horas, simplesmente pela questão de gênero, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

A mudança da cultura violenta da sociedade brasileira, sobretudo dos homens, deve passar por uma transformação drástica de comportamento e pela intensificação do debate social sobre o tema, até mesmo promovendo atualizações constantes na Maria da Penha. Desde que foi criada, a lei recebeu adendos importantes, como a medida protetiva de urgência sem a necessidade de registro de boletim de ocorrência ou abertura de inquérito e o acompanhamento psicossocial do agressor.

Essas atualizações, na toada do "antes tarde do que nunca", são peças-chave do complexo quebra-cabeça da violência contra a mulher no Brasil. O fato de o descumprimento de medida protetiva se tornar crime no país somente em 2018 é representativo para o cenário. A morosidade do Legislativo para discutir e aprovar as necessárias atualizações da Maria da Penha e criar novas políticas públicas sobre o tema tem como fator principal a predominância de homens no Congresso Nacional. Apesar de formarem 48,52% da população nacional, conforme o Censo de 2022, eles ocupam 85% das cadeiras da Câmara dos Deputados e 81% das vagas do Senado Federal, segundo dados das próprias casas.

Toda jovialidade da Maria da Penha, representada por sua maioridade completada hoje, é refletida na sociedade. Parte dela ainda não entendeu que todos têm o dever, como deixa claro o primeiro título da legislação em vigor desde 2006, de combater a violência contra a mulher. É fundamental reafirmar mais uma vez que em briga de homem e mulher é preciso, sim, meter a colher.

Os indicadores acompanhados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública destacam a necessidade de mudança comportamental da população brasileira — especialmente dos homens — para além dos 46 artigos da Lei Maria da Penha. Entre 2022 e 2023, o total de mulheres estupradas cresceu 5,5%; as ameaças contra elas aumentaram 16,5%; e as lesões corporais se intensificaram em cerca de 10%.

Se há crescimento nos mais diferentes indicadores de violência contra a mulher, é preciso refletir o papel da sociedade, não só do poder público, nesse contexto. Torna-se urgente o combate a cada flagrante e a denúncia a cada suspeita, independentemente de vínculos familiares, para o Brasil poder, de fato, ter o que comemorar no enfrentamento a esse tipo de crime.

 

 

 

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