O Estado de S. Paulo
A Rota da Seda sul-americana, levando em conta os interesses brasileiros, poderia representar um passo relevante para uma política de integração física que beneficie todos os países da região
Em agosto, Brasil e China celebraram 50 anos
do restabelecimento de relações diplomáticas e, em novembro, o presidente
chinês, Xi Jinping, virá ao Brasil para uma visita bilateral e também para
participar da reunião do G-20.
Na década de 1990, durante a gestão de Fernando Henrique Cardoso à frente do Itamaraty, a China propôs e foi aceita pelo Brasil uma parceria estratégica que deveria beneficiar ambos os países. Os últimos 25 anos mostraram resultados bastante favoráveis a ambos os lados em termos de segurança alimentar (37% das exportações brasileiras de produtos agrícolas são absorvidas pelo mercado chinês) e energia (com investimentos chineses no Brasil). Deve ser mencionado, contudo, que, do lado brasileiro, ainda falta uma visão estratégica mais pragmática, sobretudo na atração de investimentos produtivos.
Dentro de uma visão estratégica de longo
prazo, em 2013, o governo da China lançou a iniciativa Rota da Seda (Belt and
Road Initiative) com o prazo de até 2049 para estar completa. A iniciativa
dispõe de uma organização institucional integrada por um fórum para cooperação
internacional e um conselho de alto nível. Os objetivos de Pequim são ampliação
da coordenação política entre os países participantes, ampliação das
facilidades de conexão entre todos os países, comércio desimpedido, integração
financeira e melhora da relação entre os povos. A iniciativa Rota da Seda prevê
investimentos chineses em infraestrutura (ferrovias, rodovias, energia,
digital) em projetos terrestres e marítimos para conectar a China com a Ásia,
Europa, África e América Latina por terra e mar. Integrada hoje por mais de 150
países, (20 na América Latina, somente Brasil, Paraguai e Colômbia estão fora
até aqui), a Rota da Seda é o mais importante projeto da diplomacia chinesa.
Desde a ida do presidente Lula da Silva a
Pequim em 2023, a China tem insistido para o Brasil integrar a Rota da Seda.
Certamente, esse será um dos itens da agenda bilateral em novembro e, segundo
se sabe, o Brasil deverá ser mais um país a participar da iniciativa chinesa.
Os aspectos geopolíticos do projeto foram
ressaltados quando, como uma reação ocidental, os países do G-7, em 2022,
aprovaram um plano de expansão na infraestrutura, com a possibilidade de gastos
de US$ 600 bilhões. O plano, no entanto, pouco avançou, ao contrário da
iniciativa chinesa, que iniciou mais de mil projetos nos últimos dez anos,
especialmente na Ásia e África, mas também na Europa e América Latina.
A entrada na Rota da Seda deveria ser
precedida da definição do interesse brasileiro. Levando em conta considerações
geopolíticas, a questão que se coloca, do ponto de vista da política externa e
do interesse nacional, é como o Brasil vai se juntar à Rota da Seda sem perder
a visão de equidistância entre o Ocidente e a China. O gesto poderá ser
oficializado pela simples adesão ou, confirmando a posição de independência,
poderá ficar no contexto dos dois países, com a inclusão dessa questão na
Comissão Mista BrasilChina (Cosban), mecanismo de coordenação bilateral, em que
seriam discutidos os projetos que viriam a ser incluídos na Rota da Seda: quais
poderão ser considerados e como se dará o acesso ao financiamento para a
execução deles. Aqueles de infraestrutura na América do Sul são os que mais se
enquadram no contexto da Rota da Seda. Caso concretizados, favoreceriam a
ampliação do comércio do Brasil com os vizinhos sulamericanos e poderiam abrir
um corredor para a exportação de produtos brasileiros para a Ásia,
especialmente para a China. A Rota da Seda sul-americana, levando em conta os
interesses brasileiros, poderia representar um passo relevante para uma
política de integração física na América do Sul, liderada pelo Brasil, que
possa beneficiar todos os países da região.
Não está incluído no Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC) um projeto estratégico de longo prazo que ligasse, por via
ferroviária, o Atlântico ao Pacífico, de 3.755 quilômetros (km) de extensão
(1.900 km no Brasil), passando pela metade norte do território nacional e pela
Bolívia, e que chegasse aos portos peruanos, que estão sendo ampliados com
recursos chineses. Esse corredor ferroviário teria um sentido estratégico
fundamental para o Brasil se pudesse ser executado. Alternativamente, poderiam
ser mais bem aproveitadas as vias hidroviárias nacionais na interligação com
países vizinhos, como o Peru.
O transporte de produtos de exportação do
Brasil não acompanhou a grande mudança do eixo comercial para a Ásia, em
especial a China. Para alcançar essa região, 50% das exportações brasileiras
têm de passar pelo Canal do Panamá ou pelo sul da África, o que não é eficiente
nem econômico. Tornase cada vez mais urgente abrir corredores de exportação
diretamente para os mercados asiáticos, via portos no Peru e no Chile no
Pacífico, para diminuir o tempo de transporte e o frete e tornar os produtos
brasileiros mais competitivos.
A ideia de colaboração na construção do
ambicioso corredor ferroviário ou de uma integração hidroviária no caminho do
Pacífico, para o Porto de Chancay, no Peru, poderia ser um dos pontos altos das
comemorações dos 50 anos.
Estamos nos tornando uma colônia chinesa.
ResponderExcluir" O padrão da relação entre China e Brasil que se vislumbra é do mesmo tipo do que os países tradicionalmente centrais do capitalismo construíram com ex-colônias e países de desenvolvimento tardio e que, a partir do referencial teórico marxista, são identificadas como relações imperialistas. No caso do Brasil e, aparentemente, nos demais países da América Latina, a relação contemporânea com a China nos remete à tão familiar teoria da dependência adaptada ao século XXI. Contudo, a diferença é que as relações de poder são entre um Estado ‘socialista à moda chinesa’ com um país dependente, que se torna crescentemente primário-exportador e complementar aos interesses do grande Estado Asiático. Há sempre espaço para mudança de rumo e esse aspecto não pode ser ignorado num contexto de mudança de governo que se vislumbra para 2023. "
Maria Luiza Falcão Silva, Professora aposentada da Universidade de Brasília, integra o Grupo Brasil-China de Economia e Mudanças do Clima do Neasia/UnB.
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