quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Zeina Latifi - Dilemas da política monetária

O Globo

Lula terá de decidir quão bem-sucedido será o BC, por sua escolha para presidente e pela condução da política econômica

A inflação está na casa de 4% e sua trajetória indica que a convergência para a meta de 3% não ocorrerá tão cedo. Para se ter uma ideia, a projeção do Banco Central (BC) para seis trimestres adiante — o intervalo de tempo necessário para a política monetária afetar a inflação de forma relevante — é de 3,2%, isso mesmo com taxa Selic mantida estável em 10,5% ao ano.

A preocupação do BC é clara.

Um fator crítico é a corrosão da credibilidade da autoridade monetária, como refletido nas expectativas inflacionárias desancoradas, ou seja, acima da meta. Atualmente, a projeção dos analistas para 2025 está em 4%, enquanto no mercado financeiro a taxa de inflação implícita ou embutida na negociação de títulos públicos indexados ao IPCA está na casa de 4,8%.

A desancoragem de expectativas é problema sério. Ela pode estimular maiores remarcações de preços, como, por exemplo, o repasse de reajustes salariais aos preços finais. Ao se acreditar que o BC aceitará uma inflação mais elevada, não haveria, pois, grande risco de o repasse ser um movimento isolado, que comprometeria o market-share da empresa.

Em sua comunicação, o BC tem dado destaque ao aquecimento do mercado de trabalho. Pudera, a taxa de desemprego está nas mínimas históricas, os ajustes salariais têm sido mais vantajosos aos trabalhadores e alguns setores encontram dificuldades para contratar mão de obra. É o caso da construção civil, cujo custo da mão de obra cresce a um ritmo de 7% — claro que com a inflação alta, o ganho salarial será corroído.

Quando se soma a esse quadro a baixa ociosidade de capacidade instalada, tanto na indústria como nos serviços, parece claro que a economia opera no chamado pleno emprego. Nessas condições, é maior o risco inflacionário, o que significa que não haverá espaço para corte de juros tão cedo.

Haveria, assim, justificativa clara para o BC retomar a política de elevação da Selic rapidamente. O cálculo, porém, é mais complexo, pois há muitas incertezas que reduzem a confiabilidade nas projeções de inflação. Vou elencar dois pontos principais.

Começando pelo quadro externo, ainda que a moeda norte-americana se mantenha forte nos mercados globais, inclusive por conta das muitas incertezas que estimulam o conservadorismo de investidores, há espaço para algum enfraquecimento do dólar, conforme se materialize o provável cenário de corte de juros pelo Fed (Federal Reserve, banco central americano) nos próximos meses.

Afinal, a economia nos EUA perde força de forma mais disseminada, com alta do desemprego, enquanto a inflação caminha para a meta de 2%.

Outro ponto é a transição do time do Copom (Comitê de Política Monetária), com a troca do presidente. Os ataques de Lula à política monetária alimentam as expectativas inflacionárias e fazem com que o próximo presidente já comece seu mandato enfraquecido.

O antídoto para isso seria Lula indicar rapidamente alguém com reputação sólida junto a investidores e de perfil independente. Isso reforçaria a credibilidade da meta de inflação. Promover alguém da atual diretoria a presidente não seria, por esse aspecto, uma boa opção.

Esses dois fatores de incerteza recomendam o BC aguardar para avaliar se será necessário ou não subir os juros. Melhor perseverar com discurso cauteloso e decisões unânimes, até que o quadro fique menos nebuloso e as projeções de inflação mais confiáveis.

Na escolha de política monetária, os custos e benefícios de cada opção precisam ser ponderados, inclusive o custo de a volatilidade dos juros machucar o setor privado, ainda sob estresse financeiro, prejudicando o investimento.

Na manutenção dos juros, o risco é de uma maior desancoragem de expectativas, aumentando o desafio do futuro BC. Já o aperto monetário agora estaria longe de propiciar sua reancoragem. Poderia significar jogar munição fora, no sentido de a ação não produzir o ganho de reputação esperado ao BC, pois, corretamente ou não, os agentes econômicos poderão temer que o próximo presidente irá cortar a Selic na primeira oportunidade. Se tiver de subir os juros, que o próximo BC o faça, reforçando sua reputação.

O risco fiscal é uma outra estória. Além do impulso à demanda em uma economia em pleno emprego, o impacto da política fiscal na taxa de câmbio traz risco adicional à inflação.

Lula terá de decidir quão bem-sucedido será o BC, por sua escolha para presidente e pela condução da política econômica.

 

 

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