O Estado de S. Paulo
Nós, que preferimos ser governados por uma Mangustina que por uma Naja, ficaríamos aliviados se os indiferentes cogitassem apoiar o lado mais promissor
Até o momento, o brilho da eleição municipal
ficou por conta dos ipês. Frondosos ipês amarelos, ipês brancos e até
vermelhos. No que toca ao elenco, o que temos visto é o de sempre: gente que
não deveria se candidatar nem a vereador, talvez nem mesmo a gerente de
condomínio.
Mas, com um pouco de boa vontade, algo sempre se encontra. Na capital paulista, temos a grata novidade da candidatura de Tabata Amaral. Mulher, jovem, inteligente, ela pode vir a ser o impulso de renovação pelo qual temos ansiado. A questão é: será ela capaz de ganhar corpo a ponto de bater os supostamente mais fortes e experientes?
Permita-me aqui o leitor uma breve digressão.
Nenhuma contenda está realmente decidida enquanto a plateia não manifesta com
clareza seu espectro de preferências. É óbvio que, por plateia, quero aqui me
referir aos nossos cerca de 10 milhões de cidadãos aptos a votar. Sendo o voto
obrigatório, podemos afirmar com segurança que cerca de 80% deles comparecerão
às urnas, mas, infelizmente, podemos também afirmar que poucos refletirão sobre
o que exatamente irão se pronunciar. É possível que os 20% mais escolarizados e
atentos à vida pública o façam, e é destes, precisamente, que Tabata Amaral
precisa para sobrepujar os supostamente “grandes”. Da metade para baixo, a
triste verdade é que uma parcela expressiva é constituída por desinteressados e
indiferentes. Assim, permaneceremos onde sempre estivemos, ou seja, sujeitos a
impostos escorchantes e maus governos e vivendo numa cidade incapaz de se alçar
ao papel que lhe caberia no Brasil e no hemisfério.
Voltamos, assim, à milenar contraposição
entre o “pequeno” e o “grande”. Ao episódio bíblico do confronto entre o
pequenino Davi e o gigante Golias. O vencido e seu povo ficariam na condição de
escravos do vencedor. Deu-se, entretanto, que Davi, valendo-se de sua funda,
acertou uma pedra de bom tamanho na testa de Golias, matando-o e preservando a
liberdade de seu povo. A História registra inúmeras variações dessa história.
Nos dias de hoje, a que mais me impressiona é
a do Mangusto, um bichinho do tamanho de um gato, que enfrenta serpentes como a
Naja e a Mamba-Negra, ferocíssimas, e impõe-lhes um destino semelhante ao de
Golias em 9 de cada 10 pelejas. Isso não acontece porque ele tenha o benefício
de uma plateia empenhada e numerosa, mas porque a natureza lhe prodigalizou com
uma velocidade e uma astúcia fora do comum. Ao vê-lo em seu caminho, a Naja
pensa que será um passeio, mas engana-se redondamente. O Mangusto a provoca,
dança em volta dela, chega mesmo a saltar sobre ela, até que ela, a Naja, lhe
desfere um violento golpe. Ele desvencilha e ela bate com a cabeça no chão,
sofrendo o efeito de sua própria pancada. Mais uma rodada e a cena se repete.
Furibunda, soberba, ela acha que desta vez o matará, mas outra vez bate com a
cabeça no chão. Na sexta ou sétima rodadas, exausta, estatelada, ela se deixa
ficar no chão, imóvel. É aí, então, que o Mangusto mete-lhe uma dentada no
crânio, pega o celular e liga para a Mangustina, pedindo-lhe capricho nos
temperos do jantar.
“Tudo é bom que bem termina”, escreveu
Shakespeare, mas nós, que preferimos ser governados por uma Mangustina que por
uma Naja, ficaríamos aliviados se, pelo menos uma vez na vida, os indiferentes
se enchessem de brios e cogitassem apoiar o lado mais promissor. Quando, em vez
de se dirigirem aos cidadãos com maus modos e impropérios, discorressem sobre
propostas e projetos minimamente consistentes. Quando convidassem os
indiferentes a imaginar uma cidade digna de sua antiga imagem de progresso,
dinamismo e altivez. Digna de algo melhor do que isto a que nos submetemos todo
dia: criminalidade comum e organizada em ascensão, insegurança generalizada,
30% de semianalfabetos, corrupção sem pejo até entre altos magistrados e, por
último, mas não menos importante, cracolândias e miseráveis catando comida em
latas de lixo. A tanto só chegaremos se Mangustos e indiferentes se derem as
mãos.
Até aqui, limitei-me a tratar, como numa
pequena peça de ficção, do cenário e do elenco, deixando de lado o enredo.
Dá-se, porém, que nossos maravilhosos ipês compõem o cenário da natureza, não o
da política. Nesta, o cenário só ganha forma quando os contendores se dão conta
de que os cargos aos quais concorrem não são meros “empregos públicos”, mas
pilares da esfera pública.
Esta última observação adquire relevo quando
pensamos que o Brasil não tem atualmente – e nada faz crer que venha um dia a
ter – partidos políticos de verdade, capazes de cumprir os papéis que deles se
espera. O primeiro de tais papéis é motivar cidadãos sérios a participar da
vida pública. O segundo é servir como fator de ponderação e correia de
transmissão entre as preferências da sociedade e os poderes públicos,
notadamente o Legislativo. Terceiro, respeitando-se mutuamente, participar da
formulação e da implementação de programas públicos que não se resumam na
obtenção de “emendas” orçamentárias e de cargos para suas parentelas.
Tabata Amaral
ResponderExcluirFecho com a escolha do colunista.
😊