domingo, 1 de setembro de 2024

Celso Rocha de Barros – Elon Musk e o Twitter

Folha de S. Paulo

Moraes tem bons argumentos, mas golpistas de Musk ganharão pontos

No próximo 7 de setembro, Jair Bolsonaro e seus golpistas protestarão na avenida Paulista. Se o fizerem pacificamente, terão o direito de fazê-lo.

A polícia de São Paulo estará lá para garantir que as coisas não saiam de controle. Se alguém levantar uma bandeira nazista, será preso. Se os manifestantes se virarem para fora da manifestação e passarem a ofender transeuntes com agressões racistas, serão presos. Se ninguém fizer nada disso, todo mundo voltará para casa normalmente.

Agora imagine como seria se um bilionário de extrema direita comprasse a avenida Paulista e decretasse que ela não é mais parte do Brasil. Para satisfazer as preferências ideológicas do bilionário, de agora em diante, seria permitido levantar bandeiras nazistas, discursar por golpe de Estado, chamar os negros paulistanos de macacos ou dizer aos judeus de São Paulo que eles deveriam ter sido mandados para as câmaras de gás. A polícia de São Paulo, os juízes brasileiros, não teriam mais poder de estabelecer qualquer limite, para qualquer manifestante, na nova avenida Paulista.

Foi isso que Elon Musk fez com o Twitter desde que comprou a empresa em 2022.

Musk fez questão de restaurar as contas (suspensas pelo dono anterior) de líderes neonazistas como Andrew Anglin, criador do site The Daily Stormer. Anglin, um defensor entusiasmado do direito de se estuprar mulheres, que acabou sendo suspenso de novo. Mas o jornalista Shayan Sardarizadeh, da BBC, postou no dia 16 de agosto exemplos de perfis nazistas que seguem ativos e com direito a monetização.

O extremista Tommy Robinson, outra conta recuperada por Musk, hoje é fugitivo da Justiça britânica por postar notícias falsas durante as manifestações racistas do começo de agosto no Reino Unido.

É sempre difícil marcar onde fica a fronteira entre as convicções de Musk e sua ganância. Uma matéria do Times de Londres de 9 de agosto mostrou que o engajamento criado por dez célebres perfis de extrema direita rendeu cerca de US$ 19 milhões para o Twitter em anúncios.

Era natural que essas propensões políticas levassem Musk a se aproximar do bolsonarismo. O bilionário é parte importante da charm offensive que os golpistas brasileiros fazem junto à direita americana. Avaliam, com razão, que a falta de apoio americano contribuiu muito para o fracasso do golpe de 2022/2023.

Se conseguirem mentir sobre Alexandre de Moraes só o suficiente para que os americanos, no curtíssimo intervalo de tempo em que pensarão sobre o Brasil, achem nebuloso identificar os democratas brasileiros, podem ter mais sorte na próxima vez.

Alexandre de Moraes tem bons argumentos jurídicos para suspender o Twitter até que a empresa cumpra a legislação brasileira. Mesmo assim, eu não o faria: os golpistas e Musk provavelmente ganharão pontos de simpatia junto aos cidadãos comuns que usavam o site de maneira razoável.

Fui um usuário ativo do Twitter (@NPTO) por muitos anos. Lá conheci bons amigos, tive bons debates. A coisa vinha piorando com a degradação geral do discurso político, mas será uma pena se o Twitter acabar porque um fascista teve dinheiro para comprá-lo. Torço para que o moleque se canse do brinquedo e venda-o para um adulto.

 

Um comentário: