O Globo
Teria a ministra ficado calada, resguardando
sua privacidade por tanto tempo?
O presidente Lula considerou
insustentável a permanência de Silvio Almeida em seu governo após as denúncias
de que o ministro tivesse praticado assédio e importunação sexual. A
insustentabilidade passou a existir quando a imprensa divulgou o escândalo.
Lula e seu entorno já sabiam dos fatos, e o ministro continuava lá, firme e
forte. O que a opinião púbica não vê a ética não sente.
Foi admirável o contorcionismo dos que não
podiam deixar de apoiar a ministra Anielle
Franco e tampouco se sentiam confortáveis em condenar o
comportamento do único homem preto do Ministério (logo o padroeiro do conceito
de racismo estrutural!).
E que, para surpresa de ninguém, deu a carteirada racial para tentar
desacreditar acusadoras e acusações.
As violações de conduta por parte do
ex-ministro acontecem há mais de dez anos — as queixas não foram levadas em
conta quando de sua nomeação. E não faltaram teorias conspiratórias acerca dos
“reais” motivos da degola: sua proposta de uma nova Comissão da Verdade, sua
oposição à privatização de presídios, uma queda de braço com o Me Too. Tudo,
menos considerar que Almeida tenha “letramento de gênero” suficiente para
entender o que é assédio, o que é importunação — e que “não é NÃO”.
(Antes de prosseguir, vamos ao mantra: “A culpa nunca é da vítima, a culpa nunca é da vítima, a culpa nunca é da vítima”.)
A ministra tem razão ao dizer que “tentativas
de culpabilizar, desqualificar, constranger ou pressionar vítimas a falar em
momentos de dor e vulnerabilidade também não cabem, pois só alimentam o ciclo
de violência”. Entretanto, se essa vítima for alguém com visibilidade e peso
político, convém lembrar a lição aprendida nos gibis: “Com grandes poderes vêm
grandes responsabilidades”. Quando uma ministra de Estado não se sente em
condições de denunciar um abuso, que mensagem estará passando às mulheres que
sofrem importunação no transporte coletivo, assédio físico e moral no trabalho,
violência doméstica?
É preciso respeitar e preservar a intimidade
e os sentimentos de quem sofre ataques desse tipo. E também ponderar que,
quando o abusador é contumaz (no caso, era), seguirá fazendo vítimas até que
alguém o detenha. Não denunciar — repita o mantra: a vítima não tem culpa... —
deixa o caminho livre para o predador.
(Se o macho tóxico fosse branco e de direita,
teria a ministra permanecido calada, resguardando sua privacidade por tanto
tempo? Mais uma vez, não importa o que se faz, mas quem faz.)
A ministra alegou preferir enterrar o caso
por não dispor de provas. É mesmo difícil haver materialidade nesse tipo de
crime. Há câmeras nas ruas, nas portarias, até nas fardas de (alguns)
policiais, mas ainda não ocorreu instalá-las debaixo das mesas em torno das
quais acontecem reuniões ministeriais.
Conclui-se desse episódio que as mulheres
continuam a ser revitimizadas — não só nas delegacias ou em seu círculo social,
mas também em função de uma causa. A fim de poupar o governo e as pautas
identitárias, parece ter sido revisto e atualizado o (suposto) conselho
vitoriano às mulheres para que enfrentassem estoicamente os “deveres
conjugais”:
— Feche os olhos e pense no progressismo.
Pelo menos esse incêndio, provocado por fogo
amigo, Lula conseguiu apagar — depois que apenas abafar não deu muito certo. O
resto do país, esse continua em chamas.
Sempre mantenha acesa a dúvida em relação a quem lucra com seu idealismo
ResponderExcluirA pergunta que não quer calar, mas ninguém da extrema imprensa vai fazer, quantas mulheres foram assediadas/estupradas porque em nome da ideologia, ninguém do governo do "amor" não denunciou o taradão?????
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