Efeito da reforma trabalhista de 2017 é positivo
O Globo
Lei atendeu a demandas específicas e permitiu
ao Brasil alcançar maior nível de emprego, constata estudo
A melhora contínua dos números do mercado de
trabalho tem sido uma das boas notícias de 2024. No segundo trimestre, o
desemprego estava em 6,8%, menor índice para o período na série histórica
iniciada pelo IBGE em
2012. O rendimento médio da população ocupada subiu 4,8% na comparação com o
segundo trimestre de 2023, descontada a inflação. E o contingente de
trabalhadores com carteira assinada bateu recorde.
Entre as hipóteses levantadas para explicar a criação de vagas formais, a mais provável é a reforma trabalhista feita pelo governo Michel Temer. Aprovada em 2017, ela desestimulou a indústria do litígio trabalhista. Com menos insegurança jurídica, houve queda no número de processos trabalhistas “aventureiros”, e as empresas se sentiram mais confiantes para contratar funcionários com carteira assinada.
Esse é o principal legado das mudanças, mas
não o único. Outro aspecto positivo foi atender às necessidades específicas de
trabalhadores e empresas. Ao criar novas modalidades contratuais, a reforma
facilitou a vida de quem precisa trabalhar em tempo parcial ou de forma
intermitente, com períodos de atividade remunerada e inatividade, sem
rompimento de contrato. A medida teve impacto especialmente no setor de
serviços, com suas diversas atividades de natureza sazonal, segundo estudo
realizado pelo economista Bruno Ottoni, da FGV Projetos e da Uerj. Sete em dez
novas contratações nas modalidades intermitente e parcial entre janeiro de 2020
e julho de 2024 ocorreram em serviços. Em segundo lugar aparece a construção
civil.
Na categoria dos empregos intermitentes, os
segmentos que mais criaram vagas foram as atividades administrativas e serviços
complementares e de alojamento e alimentação. Uma legislação que levasse em
conta características de ofícios como garçons ou cozinheiros, concentrados em
horários específicos do dia, era uma demanda antiga de restaurantes, bares e
hotéis. Nos empregos parciais, os destaques foram os segmentos de educação,
saúde e serviços sociais, em primeiro lugar, e de transporte, armazenagem e correio,
em segundo. Era prática comum entre professores e enfermeiros trabalhar apenas
num turno. Com a reforma, ficou mais fácil se enquadrar na lei.
A mudança beneficiou de forma desproporcional
mulheres e jovens. Das vagas criadas em tempo parcial, 60,4% foram ocupadas por
mulheres e 90,9% por jovens de ambos os gêneros. “Isso pode estar relacionado
ao fato de que esses dois grupos, em especial, tendem a buscar postos de
trabalho mais flexíveis em termos de jornada”, diz Ottoni. “As mulheres, como
modo de combinar a maternidade com a vida profissional. Os mais jovens procuram
uma forma de combinar a inserção no mercado de trabalho com os seus estudos.”
Quando a proposta de reforma trabalhista foi
apresentada, não faltaram críticas à flexibilização dos contratos de trabalho.
Mas os empregos parciais e intermitentes não substituíram os tradicionais, que
correspondem a 93,8% do total. O que se viu foram consequências benéficas, com
parte da força de trabalho obtendo acesso aos direitos do mercado formal. Uma
das lições da reforma trabalhista é o imperativo de analisar propostas sem
preconceitos, depois examinar os resultados com base em evidências. A reforma
de Temer é uma prova de que no Brasil é possível haver mudança para melhor.
Saneamento básico também deve ser pensado da
porta para dentro
O Globo
São necessários mais R$ 24,3 bilhões anuais
para conectar lares carentes a redes de água e esgoto, diz estudo
O Marco Legal do Saneamento, lançado há
quatro anos, tem conseguido estimular investimentos no setor, mas ainda não no
volume necessário para o Brasil atingir as metas de levar água potável a 99% da
população e coleta de esgoto a 90% até 2033. A iniciativa privada tem sido
vital para os avanços, mas há outros obstáculos. Um deles é o nível de renda
das famílias carentes. De nada adiantará estender a cobertura sanitária se elas
não tiverem condição financeira de conectar-se à rede com vasos, pias, caixas-
d’água e tubulações.
O esforço para reduzir os vergonhosos índices
brasileiros de saneamento básico não pode parar literalmente na porta da casa
de quem mais precisa. Para suprir a deficiência, seriam necessários R$ 242,5
bilhões, segundo estudo recente do Instituto Trata Brasil. A cifra é
proporcional à gravidade da situação em que se encontra boa parte da população
brasileira: 90 milhões ainda não têm esgoto coletado e tratado, e 32 milhões
não recebem água potável, de acordo com o último Ranking do Saneamento do
instituto.
É preciso acelerar os investimentos. Ao ritmo
atual, as metas não serão atingidas em muitos municípios. Dados atualizados
sugerem que, no ritmo atual de expansão da rede, a universalização do
saneamento básico só seria alcançada em 2070, com 37 anos de atraso. Além das
concessões de serviços com base em contratos mais justos, é preciso também
formular políticas que permitam à população de baixa renda beneficiar-se dos
investimentos.
Para que o saneamento básico entre nas casas
de baixa renda será preciso, segundo o estudo, ampliar consideravelmente os R$
13 bilhões (a preços de 2023) que as famílias gastaram em 2018 com
infraestrutura de saneamento. Seria necessário acrescentar a esses gastos R$
24,3 bilhões por ano até 2033.
O estudo encontrou uma concentração de
compras de material de construção para esse tipo de obra nas faixas de renda
familiar de R$ 2.862 a R$ 5.724. Em 2018, essas famílias foram responsáveis por
um terço dos gastos em infraestrutura residencial de saneamento, segundo
cálculos da Ex Ante Consultoria Econômica. O maior problema está nas famílias
de renda inferior, que fazem menos obras (a faixa de renda de até R$ 1.908
respondeu por 15% do total) e sofrem as maiores carências. De acordo com o
levantamento, 75% dos investimentos necessários para readequar a infraestrutura
residencial estão distribuídos por famílias de renda até R$ 5.724 mensais — dos
pobres à classe média baixa.
O Brasil enfim caminha para recuperar décadas
de atraso no saneamento. As mudanças de regulação tendem a afastar as estatais
ineficientes e a atrair investimentos privados. Mas é necessário tratar de
problemas como a falta de infraestrutura nas residências. Além de redes de
distribuição e de estações de tratamento, é preciso pensar também da porta para
dentro.
Mundo precisa do comércio para superar a
pobreza
Folha de S. Paulo
Enfraquecimento da OMC perto de seus 30 anos
reflete tensões geopolíticas; abertura econômica é essencial à prosperidade
Perto de completar 30 anos, a Organização
Mundial do Comércio (OMC) enfrenta
uma crise de legitimidade e luta para se manter relevante como
principal mecanismo de regulamentação do comércio internacional e solução de
disputas.
Não é tarefa fácil, pois o enfraquecimento da
instituição não é agora —decorre de uma sequencia de fracassos nas últimas duas
décadas. Profundas mudanças na economia mundial e disputas geopolíticas, que
abarcam temas comerciais e de política industrial, têm papel determinante.
A OMC sucedeu em 1995 o GATT (Acordo Geral de
Tarifas e Comércio), fundado em 1947 como parte da arquitetura econômica e
financeira global após a Segunda Guerra. Liderado pelos Estados
Unidos, o esforço de liberalização progressiva do comércio era visto
então como ferramenta de preservação da paz e desenvolvimento.
A nova entidade logrou enorme sucesso
inicial, com progressiva baixa de tarifas e extensão dos benefícios da abertura
para um amplo conjunto de países, inclusive os de renda média e baixa.
Tensões surgiram a partir de 2001, ano da
adesão da China à
OMC após longa negociação. Na década seguinte o comércio global se expandiu
como nunca, enquanto o gigante asiático se convertia na maior máquina de
exportações já vista.
A negociação de quantidades antes
inimagináveis de matérias-primas impulsionou a renda em diversos países
emergentes, inclusive o Brasil.
Entretanto abandonaram-se os objetivos
definidos na chamada Rodada de Doha, iniciada também em 2001 —quando se buscava
ampliar o escopo das regras multilaterais para serviços e padrões regulatórios,
além de liberalização na agricultura.
À falta de acordo se somou o ceticismo
crescente dos EUA, que passaram a ver as
práticas comerciais chinesas como desleais. O governo de Donald Trump se
recusou a indicar membros para o fundamental órgão de resolução de
controvérsias da OMC, o que na prática paralisou a instituição.
Não há sinais de que haverá redução do
protecionismo americano. O democrata Joe Biden ampliou
as tarifas de Trump contra Pequim.
A União
Europeia se debate com o mesmo tema, diante da escalada
exportadora chinesa em bens industriais.
Nos últimos anos multiplicaram-se as
restrições globais, mas existem outros sinais que podem ser promissores. O
investimento da China em países emergentes parece crescer, até como mecanismo
de redução de riscos contra limitações do Ocidente.
A esta altura está claro que a manutenção de
um regime comercial aberto não se dará nos moldes da OMC. Será preciso
encontrar um novo equilíbrio.
Cumpre lembrar, de todo modo, que o livre
comércio é ferramenta preciosa de prosperidade e ganhos de produtividade. O
Brasil deve explorar novos espaços, mas sempre buscando abertura, não mais
protecionismo.
Menos velocidade, menos mortos e feridos
Folha de S. Paulo
Redução dos limites deveria ser debatida por
candidatos a prefeito de São Paulo, que tem alta na violência do trânsito
Em meio a uma miríade de propostas
dispendiosas —e muitas vezes pouco exequíveis— alardeadas diuturnamente pelos
candidatos à Prefeitura de São Paulo,
há uma medida relativamente simples com potencial de trazer alento à escalada
de violência que assola o trânsito paulistano.
Já rejeitada
publicamente pelo atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), e
por Guilherme
Boulos (PSOL),
a redução da velocidade em vias urbanas, principalmente as expressas, deveria
ser levada a sério como política pública capaz de reduzir o número de mortos e
feridos graves.
A capital
enfrenta a maior alta de óbitos desde 2015: de janeiro a julho, 612
pessoas morreram, ante 475 no mesmo período de 2023 (alta de 28,8%).
Motociclistas, pedestres e ciclistas são as principais vítimas, e boa parte do
estado acompanha esse morticínio.
Tempo maior de reação, distância segura de
frenagem, menor risco de erro humano e impactos menos intensos fazem da rodagem
mais lenta praticamente um consenso entre especialistas. Não faltam
experiências, locais e internacionais, com bons resultados a curto prazo.
Londres e Paris, por exemplo, adotaram restrições drásticas, com máximas de 20
km/h e 30 km/h em vias principais. Em ambas houve quedas consideráveis no total
de óbitos, colisões e feridos graves.
Mesmo em São Paulo, em 2015, a gestão Fernando
Haddad (PT) baixou as velocidades
nas marginais. No cômputo geral, a cidade registrou queda de 15% em mortes no
ano seguinte (169 a menos). O projeto, porém, foi revertido em 2017 por João Doria (então
no PSDB,
hoje sem partido).
A mortalidade no trânsito também cresce no
país desde 2019. A motivação é multifatorial e inclui multiplicação de
motocicletas e entregadores de aplicativos, consumo de álcool, manejo
irresponsável do celular, desativação de radares móveis e afrouxamento de 20
para 40 pontos na carteira para a perda da habilitação.
A redução das velocidades, por si só, não
será panaceia: deve estar combinada com investimentos em sinalização e
fiscalização; ampliação de ciclovias e faixas exclusivas de motos; priorização
do transporte público e reversão do sucateamento da companhia de tráfego;
conscientização dos condutores e campanhas educativas.
Baixa aderência entre eleitores não deve
eclipsar ações que salvam vidas. O uso obrigatório do cinto de segurança —que
começou em São Paulo, provocou forte rejeição inicial e depois tornou-se
consenso— demonstra que cabe ao governante implantar, também, medidas
impopulares.
A aposta no cavalo paraguaio
O Estado de S. Paulo
Países que crescem de maneira mais
consistente são os que mais investem na proporção do PIB, mas o governo prefere
estimular o consumo e ignorar os riscos inflacionários dessa estratégia
No futebol, um “cavalo paraguaio” é aquele
time que dispara na liderança no começo do campeonato, mas não tem fôlego para
brigar pelo título – e, não raro, acaba tendo que lutar contra o rebaixamento.
Pois o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima das expectativas, que
tanto animou o governo Lula da Silva, tem todo o jeitão de “cavalo paraguaio”,
conforme coincidem analistas do mercado financeiro e economistas. O mercado
passou a apostar que o Banco Central (BC) vai iniciar um novo ciclo de aumento
dos juros, enquanto economistas demonstraram receio sobre a sustentabilidade
desses resultados no médio e longo prazos.
Para o governo, tudo não passa de pessimismo
exagerado, para não dizer uma torcida contra o País. Seria útil, no entanto,
entender os motivos que levaram operadores e especialistas a convergir em suas
análises. Não há nada de errado em crescer mais, desde que o País tenha
capacidade para tal. Não parece ser o caso.
O desempenho da economia, de fato,
surpreendeu todos no segundo trimestre. A maioria esperava uma elevação de
0,9%, mas o PIB registrou um aumento de 1,4% ante o segundo trimestre do ano
passado, o que levou bancos, consultorias e corretoras a ajustar expectativas
para o crescimento deste ano e deixá-las mais próximas dos 3%.
Seria um resultado muito positivo, não fosse
o fato de que as estimativas para a inflação no Boletim Focus sobem
há oito semanas consecutivas. O IPCA acumulado em 12 meses está em 4,28%, bem
mais próximo do teto do que do centro da meta, de 3%.
Houve, em agosto, a primeira deflação no ano,
mas o recuo nos preços foi pontual e de apenas 0,02%. As contas de luz estavam
com a bandeira verde, mas desde 1.º de setembro elas estão com a bandeira
vermelha nível um, e assim devem permanecer até o fim do ano.
O governo alega que esse crescimento não traz
qualquer risco inflacionário, pois os investimentos aumentaram – 2,1% ante o
primeiro trimestre e 5,7% em relação ao segundo trimestre do ano passado – e
atingiram o melhor resultado desde 2015. É verdade, mas, ainda assim, a
Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), o principal indicador de investimento na
produção, foi de apenas 16,8% do PIB.
Não é segredo para ninguém: os países que
crescem mais e de maneira mais consistente são os que investem mais. No Brasil,
no entanto, esse indicador permaneceu consistentemente abaixo de 20% nos
últimos dez anos, diferentemente do registrado pela maioria dos membros do G-20
no mesmo período. Manter um crescimento de 3% requer que essa taxa se situe
entre 20% e 25%, no mínimo.
Se, de um lado, o nível de investimento
continua baixo, de outro, a inflação tem consistentemente resistido a se manter
na meta. Não é por acaso que muitos economistas têm dúvidas sobre a qualidade
do crescimento econômico, muito dependente do consumo das famílias e dos gastos
do governo.
A convite do Estadão, vários deles
apontaram os possíveis ganhos estruturais que a economia brasileira teve nos
últimos anos após a aprovação de diversas reformas, cujos impactos ainda não
podem ser mensurados no PIB. Outros fatores conjunturais, no entanto,
seguramente aqueceram a demanda nos últimos meses, como a antecipação do
pagamento dos precatórios e do 13.º salário dos aposentados do INSS e a
concessão de reajustes ao funcionalismo.
Para Armando Castelar, pesquisador da
Fundação Getulio Vargas, o ritmo e o perfil do crescimento econômico dos
últimos três anos mostram que “é preciso desacelerar”. Com uma marcha um pouco
mais lenta, o País poderia se desenvolver a partir de bases mais sólidas.
O governo ajudaria a aumentar a potência da
política monetária se fizesse sua parte e contivesse seus gastos. Mas o mercado
não acredita nessa hipótese e já projeta que a Selic sairá dos atuais 10,5% ao
ano para 11,5% no fim de janeiro – ou seja, o BC terá de fazer todo o trabalho
sozinho.
Não é por picuinha que os analistas de mercado e os economistas esperam uma taxa de juros mais elevada. Trata-se de maneira mais efetiva de conter a inflação e frear a economia, ainda que à custa dos investimentos que poderiam tornar o crescimento mais perene, como todos – não só o governo – gostariam.
Polarização nos tribunais
O Estado de S. Paulo
Indicações de Lula a tribunais superiores e
regionais priorizam interesses privados e grupos de amigos, que, leais ao
lulopetismo, prometem intensificar batalhas ideológicas no Judiciário
As mais recentes indicações do presidente
Lula da Silva a tribunais superiores e regionais, em vez de promover
pacificação, apontam para a ampliação de disputas ideológicas na cúpula do
Poder Judiciário brasileiro. A origem e o perfil desses nomes e a forma como
são escolhidos pelo atual presidente sugerem o acirramento dos ânimos nas
cortes, intensificando tensões e transpondo da política para a Justiça uma
polarização que em nada colabora com o fortalecimento das instituições e o bom
funcionamento dos tribunais.
Antes de Lula, Jair Bolsonaro já havia
deixado claro o interesse de domesticar o Judiciário. É de sua lavra a
observação segundo a qual, ao indicar Kassio Nunes Marques ao Supremo Tribunal
Federal, passou a ter “10% de mim” naquela Corte. O ex-presidente também
batalhou por um ministro “terrivelmente evangélico”, qualidade irrelevante para
a investidura do cargo, mas relevantíssima do ponto de vista político.
Quaisquer que fossem os méritos e deméritos
dos indicados por Bolsonaro, eram evidentes os interesses pessoais e o ânimo
conflituoso do então presidente. Lula, por sua vez, pode até ser um pouco mais
discreto no seu desejo de aparelhar politicamente o Judiciário, mas já deixou
claro que não está para brincadeira, seja ao colocar no Supremo seu advogado
particular, seja ao nomear seu ministro da Justiça e calejado político, Flávio
Dino, para ter na Corte alguém com “cabeça política”.
No passado, o petista ainda parecia ter
alguma preocupação com a qualidade de suas indicações aos tribunais superiores,
como no caso da nomeação do jurista conservador Carlos Alberto Menezes Direito
para o Supremo. Mas essa preocupação não durou muito: para a vaga deixada por
Menezes Direito em razão de seu falecimento, em 2009, Lula indicou ninguém
menos que o ex-advogado do PT José Antonio Dias Toffoli – reprovado duas vezes
em concurso para juiz de primeira instância, mas considerado por Lula bom o bastante
para a mais alta Corte brasileira.
Neste terceiro mandato, Lula mantém o
critério ao ocupar os tribunais superiores e regionais com nomes mais próximos
– como um advogado seu, um fiel aliado ou uma amiga de sua mulher, Janja da
Silva. O demiurgo decerto espera que esses indicados sejam a vanguarda das
batalhas político-jurídicas de interesse do lulopetismo.
E é nessa arena que ganha protagonismo o
Grupo Prerrogativas, formado por 250 advogados e juristas de esquerda. O
“Prerrô”, como o grupo criado há dez anos para se contrapor a alegados
desmandos da Operação Lava Jato é chamado por seus próprios integrantes, já
possui representantes no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) e no Tribunal Superior do Trabalho (TST), além de três
tribunais regionais.
Nas indicações pelo chamado quinto
constitucional – aqueles 20% das vagas de tribunais destinadas à advocacia ou
ao Ministério Público –, grupos organizados sempre atuaram para emplacar nomes.
O Prerrogativas, portanto, segue uma tradição, mas o faz de maneira desinibida,
ostentando suas vitórias em celebrações nas quais assume a identidade de grupo
político.
Sob a bênção de Lula, tudo isso terá impacto
no Judiciário. Como mostrou reportagem do Estadão, a chegada de Antônio
Fabrício de Matos Gonçalves ao TST, por exemplo, animou defensores das chamadas
pautas progressistas e sua nomeação é vista como uma contraposição a um suposto
polo conservador da Corte, representado por Ives Gandra da Silva Martins Filho.
Ora, a inclinação política de um ou de outro é – ou deveria ser – indiferente,
dado que os ministros deveriam estar comprometidos com a jurisdição trabalhista
e com respeito às leis e à Constituição.
O poder concedido pela Constituição ao
presidente da República para a indicação de magistrados para ocupar a alta
cúpula do Poder Judiciário exige responsabilidade, autocontenção e profundo
apreço pelo espírito público. A instrumentalização de tribunais superiores e
regionais degenera a Justiça, e o Brasil não precisa de mais radicalização.
Mais uma conta para a Viúva
O Estado de S. Paulo
Em análise na Câmara, renegociação de dívida
dos Estados deve gerar perdas bilionárias para a União
O projeto que cria a mais nova rodada de
renegociação de dívidas dos Estados pode fazer a União perder até R$ 48 bilhões
por ano, segundo o economista Manoel Pires. No primeiro ano, o prejuízo pode
ser ainda maior e atingir R$ 62 bilhões, disse o pesquisador e coordenador do
Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Instituto Brasileiro de
Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) ao jornal Valor.
Elaborada pelo presidente do Senado, Rodrigo
Pacheco (PSD-MG), com apoio do governo, a proposta está na Câmara e teve um
pedido de urgência aprovado na última semana, o que significa que será pautada
no plenário nos próximos dias, sem passar pelas comissões temáticas, e em
votação virtual, uma vez que os deputados só têm olhos para as eleições
municipais.
Hoje, os débitos estaduais são indexados ao
IPCA, mais 4%, já inferior ao que o mercado cobra do Tesouro nos títulos da
dívida pública – inflação mais 6%. Mas, segundo o texto, Estados que cumprirem
algumas condições frouxas terão as dívidas atualizadas somente pelo IPCA,
ampliando sobremaneira o subsídio federal.
Para isso, bastará destinar metade dos
recursos economizados com o desconto concedido pela União a um fundo de
equalização federativa – para distribuição entre Estados menos endividados – e
a outra parte a uma ampla gama de gastos no próprio Estado, em áreas como
educação, saneamento, habitação, transportes, segurança pública e adaptação às
mudanças climáticas.
Como observou Pires, é muito fácil cumprir
essas exigências, mas nem assim a adesão dos mais endividados, como Goiás, Rio
de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, está garantida. Para eles, vale
mais a pena permanecer no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que proporciona
parcelas ainda mais baixas mesmo em contrapartida a medidas como a aprovação de
reformas e a privatização de estatais. Caso não as cumpram, como Minas Gerais e
Rio de Janeiro, basta recorrer ao Supremo Tribunal Federal para manter tudo
como está.
É o caso de perguntar, portanto, qual o
verdadeiro objetivo do governo com a proposta. Tudo indica, segundo Pires, que
a ideia é criar um benefício fiscal àqueles que estão pagando as contas em dia
– e que exatamente por isso não precisariam reestruturar suas dívidas.
Se São Paulo aceitá-la, por exemplo, haverá
uma grande redistribuição de recursos do Estado entre os mais pobres e menos
endividados das Regiões Norte e Nordeste, e que os incentivará, por óbvio, a
gastar mais, criando as bases da próxima crise estadual e do futuro socorro
federal.
O governo, até agora, não divulgou seus próprios cálculos sobre o impacto da proposta, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sustenta que ela não tem efeito no resultado primário nem viola o arcabouço fiscal. É verdade, mas o projeto aumenta a dívida bruta da União – indicador em ascensão desde o início do governo Lula e hoje em 78,5% do Produto Interno Bruto –, eleva o déficit nominal e fará o custo da dívida líquida subir ainda mais, piorando a percepção de risco. Depois, não adianta culpar o BC por aumentar a taxa básica de juros.
Ótimo conteúdo, levantando a história e o progresso político no Brasil. Top!
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