domingo, 15 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Efeito da reforma trabalhista de 2017 é positivo

O Globo

Lei atendeu a demandas específicas e permitiu ao Brasil alcançar maior nível de emprego, constata estudo

A melhora contínua dos números do mercado de trabalho tem sido uma das boas notícias de 2024. No segundo trimestre, o desemprego estava em 6,8%, menor índice para o período na série histórica iniciada pelo IBGE em 2012. O rendimento médio da população ocupada subiu 4,8% na comparação com o segundo trimestre de 2023, descontada a inflação. E o contingente de trabalhadores com carteira assinada bateu recorde.

Entre as hipóteses levantadas para explicar a criação de vagas formais, a mais provável é a reforma trabalhista feita pelo governo Michel Temer. Aprovada em 2017, ela desestimulou a indústria do litígio trabalhista. Com menos insegurança jurídica, houve queda no número de processos trabalhistas “aventureiros”, e as empresas se sentiram mais confiantes para contratar funcionários com carteira assinada.

Esse é o principal legado das mudanças, mas não o único. Outro aspecto positivo foi atender às necessidades específicas de trabalhadores e empresas. Ao criar novas modalidades contratuais, a reforma facilitou a vida de quem precisa trabalhar em tempo parcial ou de forma intermitente, com períodos de atividade remunerada e inatividade, sem rompimento de contrato. A medida teve impacto especialmente no setor de serviços, com suas diversas atividades de natureza sazonal, segundo estudo realizado pelo economista Bruno Ottoni, da FGV Projetos e da Uerj. Sete em dez novas contratações nas modalidades intermitente e parcial entre janeiro de 2020 e julho de 2024 ocorreram em serviços. Em segundo lugar aparece a construção civil.

Na categoria dos empregos intermitentes, os segmentos que mais criaram vagas foram as atividades administrativas e serviços complementares e de alojamento e alimentação. Uma legislação que levasse em conta características de ofícios como garçons ou cozinheiros, concentrados em horários específicos do dia, era uma demanda antiga de restaurantes, bares e hotéis. Nos empregos parciais, os destaques foram os segmentos de educação, saúde e serviços sociais, em primeiro lugar, e de transporte, armazenagem e correio, em segundo. Era prática comum entre professores e enfermeiros trabalhar apenas num turno. Com a reforma, ficou mais fácil se enquadrar na lei.

A mudança beneficiou de forma desproporcional mulheres e jovens. Das vagas criadas em tempo parcial, 60,4% foram ocupadas por mulheres e 90,9% por jovens de ambos os gêneros. “Isso pode estar relacionado ao fato de que esses dois grupos, em especial, tendem a buscar postos de trabalho mais flexíveis em termos de jornada”, diz Ottoni. “As mulheres, como modo de combinar a maternidade com a vida profissional. Os mais jovens procuram uma forma de combinar a inserção no mercado de trabalho com os seus estudos.”

Quando a proposta de reforma trabalhista foi apresentada, não faltaram críticas à flexibilização dos contratos de trabalho. Mas os empregos parciais e intermitentes não substituíram os tradicionais, que correspondem a 93,8% do total. O que se viu foram consequências benéficas, com parte da força de trabalho obtendo acesso aos direitos do mercado formal. Uma das lições da reforma trabalhista é o imperativo de analisar propostas sem preconceitos, depois examinar os resultados com base em evidências. A reforma de Temer é uma prova de que no Brasil é possível haver mudança para melhor.

Saneamento básico também deve ser pensado da porta para dentro

O Globo

São necessários mais R$ 24,3 bilhões anuais para conectar lares carentes a redes de água e esgoto, diz estudo

O Marco Legal do Saneamento, lançado há quatro anos, tem conseguido estimular investimentos no setor, mas ainda não no volume necessário para o Brasil atingir as metas de levar água potável a 99% da população e coleta de esgoto a 90% até 2033. A iniciativa privada tem sido vital para os avanços, mas há outros obstáculos. Um deles é o nível de renda das famílias carentes. De nada adiantará estender a cobertura sanitária se elas não tiverem condição financeira de conectar-se à rede com vasos, pias, caixas- d’água e tubulações.

O esforço para reduzir os vergonhosos índices brasileiros de saneamento básico não pode parar literalmente na porta da casa de quem mais precisa. Para suprir a deficiência, seriam necessários R$ 242,5 bilhões, segundo estudo recente do Instituto Trata Brasil. A cifra é proporcional à gravidade da situação em que se encontra boa parte da população brasileira: 90 milhões ainda não têm esgoto coletado e tratado, e 32 milhões não recebem água potável, de acordo com o último Ranking do Saneamento do instituto.

É preciso acelerar os investimentos. Ao ritmo atual, as metas não serão atingidas em muitos municípios. Dados atualizados sugerem que, no ritmo atual de expansão da rede, a universalização do saneamento básico só seria alcançada em 2070, com 37 anos de atraso. Além das concessões de serviços com base em contratos mais justos, é preciso também formular políticas que permitam à população de baixa renda beneficiar-se dos investimentos.

Para que o saneamento básico entre nas casas de baixa renda será preciso, segundo o estudo, ampliar consideravelmente os R$ 13 bilhões (a preços de 2023) que as famílias gastaram em 2018 com infraestrutura de saneamento. Seria necessário acrescentar a esses gastos R$ 24,3 bilhões por ano até 2033.

O estudo encontrou uma concentração de compras de material de construção para esse tipo de obra nas faixas de renda familiar de R$ 2.862 a R$ 5.724. Em 2018, essas famílias foram responsáveis por um terço dos gastos em infraestrutura residencial de saneamento, segundo cálculos da Ex Ante Consultoria Econômica. O maior problema está nas famílias de renda inferior, que fazem menos obras (a faixa de renda de até R$ 1.908 respondeu por 15% do total) e sofrem as maiores carências. De acordo com o levantamento, 75% dos investimentos necessários para readequar a infraestrutura residencial estão distribuídos por famílias de renda até R$ 5.724 mensais — dos pobres à classe média baixa.

O Brasil enfim caminha para recuperar décadas de atraso no saneamento. As mudanças de regulação tendem a afastar as estatais ineficientes e a atrair investimentos privados. Mas é necessário tratar de problemas como a falta de infraestrutura nas residências. Além de redes de distribuição e de estações de tratamento, é preciso pensar também da porta para dentro.

Mundo precisa do comércio para superar a pobreza

Folha de S. Paulo

Enfraquecimento da OMC perto de seus 30 anos reflete tensões geopolíticas; abertura econômica é essencial à prosperidade

Perto de completar 30 anos, a Organização Mundial do Comércio (OMC) enfrenta uma crise de legitimidade e luta para se manter relevante como principal mecanismo de regulamentação do comércio internacional e solução de disputas.

Não é tarefa fácil, pois o enfraquecimento da instituição não é agora —decorre de uma sequencia de fracassos nas últimas duas décadas. Profundas mudanças na economia mundial e disputas geopolíticas, que abarcam temas comerciais e de política industrial, têm papel determinante.

A OMC sucedeu em 1995 o GATT (Acordo Geral de Tarifas e Comércio), fundado em 1947 como parte da arquitetura econômica e financeira global após a Segunda Guerra. Liderado pelos Estados Unidos, o esforço de liberalização progressiva do comércio era visto então como ferramenta de preservação da paz e desenvolvimento.

A nova entidade logrou enorme sucesso inicial, com progressiva baixa de tarifas e extensão dos benefícios da abertura para um amplo conjunto de países, inclusive os de renda média e baixa.

Tensões surgiram a partir de 2001, ano da adesão da China à OMC após longa negociação. Na década seguinte o comércio global se expandiu como nunca, enquanto o gigante asiático se convertia na maior máquina de exportações já vista.

A negociação de quantidades antes inimagináveis de matérias-primas impulsionou a renda em diversos países emergentes, inclusive o Brasil.

Entretanto abandonaram-se os objetivos definidos na chamada Rodada de Doha, iniciada também em 2001 —quando se buscava ampliar o escopo das regras multilaterais para serviços e padrões regulatórios, além de liberalização na agricultura.

À falta de acordo se somou o ceticismo crescente dos EUA, que passaram a ver as práticas comerciais chinesas como desleais. O governo de Donald Trump se recusou a indicar membros para o fundamental órgão de resolução de controvérsias da OMC, o que na prática paralisou a instituição.

Não há sinais de que haverá redução do protecionismo americano. O democrata Joe Biden ampliou as tarifas de Trump contra Pequim. A União Europeia se debate com o mesmo tema, diante da escalada exportadora chinesa em bens industriais.

Nos últimos anos multiplicaram-se as restrições globais, mas existem outros sinais que podem ser promissores. O investimento da China em países emergentes parece crescer, até como mecanismo de redução de riscos contra limitações do Ocidente.

A esta altura está claro que a manutenção de um regime comercial aberto não se dará nos moldes da OMC. Será preciso encontrar um novo equilíbrio.

Cumpre lembrar, de todo modo, que o livre comércio é ferramenta preciosa de prosperidade e ganhos de produtividade. O Brasil deve explorar novos espaços, mas sempre buscando abertura, não mais protecionismo.

Menos velocidade, menos mortos e feridos

Folha de S. Paulo

Redução dos limites deveria ser debatida por candidatos a prefeito de São Paulo, que tem alta na violência do trânsito

Em meio a uma miríade de propostas dispendiosas —e muitas vezes pouco exequíveis— alardeadas diuturnamente pelos candidatos à Prefeitura de São Paulo, há uma medida relativamente simples com potencial de trazer alento à escalada de violência que assola o trânsito paulistano.

Já rejeitada publicamente pelo atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), e por Guilherme Boulos (PSOL), a redução da velocidade em vias urbanas, principalmente as expressas, deveria ser levada a sério como política pública capaz de reduzir o número de mortos e feridos graves.

A capital enfrenta a maior alta de óbitos desde 2015: de janeiro a julho, 612 pessoas morreram, ante 475 no mesmo período de 2023 (alta de 28,8%). Motociclistas, pedestres e ciclistas são as principais vítimas, e boa parte do estado acompanha esse morticínio.

Tempo maior de reação, distância segura de frenagem, menor risco de erro humano e impactos menos intensos fazem da rodagem mais lenta praticamente um consenso entre especialistas. Não faltam experiências, locais e internacionais, com bons resultados a curto prazo. Londres e Paris, por exemplo, adotaram restrições drásticas, com máximas de 20 km/h e 30 km/h em vias principais. Em ambas houve quedas consideráveis no total de óbitos, colisões e feridos graves.

Mesmo em São Paulo, em 2015, a gestão Fernando Haddad (PT) baixou as velocidades nas marginais. No cômputo geral, a cidade registrou queda de 15% em mortes no ano seguinte (169 a menos). O projeto, porém, foi revertido em 2017 por João Doria (então no PSDB, hoje sem partido).

A mortalidade no trânsito também cresce no país desde 2019. A motivação é multifatorial e inclui multiplicação de motocicletas e entregadores de aplicativos, consumo de álcool, manejo irresponsável do celular, desativação de radares móveis e afrouxamento de 20 para 40 pontos na carteira para a perda da habilitação.

A redução das velocidades, por si só, não será panaceia: deve estar combinada com investimentos em sinalização e fiscalização; ampliação de ciclovias e faixas exclusivas de motos; priorização do transporte público e reversão do sucateamento da companhia de tráfego; conscientização dos condutores e campanhas educativas.

Baixa aderência entre eleitores não deve eclipsar ações que salvam vidas. O uso obrigatório do cinto de segurança —que começou em São Paulo, provocou forte rejeição inicial e depois tornou-se consenso— demonstra que cabe ao governante implantar, também, medidas impopulares.

A aposta no cavalo paraguaio

O Estado de S. Paulo

Países que crescem de maneira mais consistente são os que mais investem na proporção do PIB, mas o governo prefere estimular o consumo e ignorar os riscos inflacionários dessa estratégia

No futebol, um “cavalo paraguaio” é aquele time que dispara na liderança no começo do campeonato, mas não tem fôlego para brigar pelo título – e, não raro, acaba tendo que lutar contra o rebaixamento. Pois o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) acima das expectativas, que tanto animou o governo Lula da Silva, tem todo o jeitão de “cavalo paraguaio”, conforme coincidem analistas do mercado financeiro e economistas. O mercado passou a apostar que o Banco Central (BC) vai iniciar um novo ciclo de aumento dos juros, enquanto economistas demonstraram receio sobre a sustentabilidade desses resultados no médio e longo prazos.

Para o governo, tudo não passa de pessimismo exagerado, para não dizer uma torcida contra o País. Seria útil, no entanto, entender os motivos que levaram operadores e especialistas a convergir em suas análises. Não há nada de errado em crescer mais, desde que o País tenha capacidade para tal. Não parece ser o caso.

O desempenho da economia, de fato, surpreendeu todos no segundo trimestre. A maioria esperava uma elevação de 0,9%, mas o PIB registrou um aumento de 1,4% ante o segundo trimestre do ano passado, o que levou bancos, consultorias e corretoras a ajustar expectativas para o crescimento deste ano e deixá-las mais próximas dos 3%.

Seria um resultado muito positivo, não fosse o fato de que as estimativas para a inflação no Boletim Focus sobem há oito semanas consecutivas. O IPCA acumulado em 12 meses está em 4,28%, bem mais próximo do teto do que do centro da meta, de 3%.

Houve, em agosto, a primeira deflação no ano, mas o recuo nos preços foi pontual e de apenas 0,02%. As contas de luz estavam com a bandeira verde, mas desde 1.º de setembro elas estão com a bandeira vermelha nível um, e assim devem permanecer até o fim do ano.

O governo alega que esse crescimento não traz qualquer risco inflacionário, pois os investimentos aumentaram – 2,1% ante o primeiro trimestre e 5,7% em relação ao segundo trimestre do ano passado – e atingiram o melhor resultado desde 2015. É verdade, mas, ainda assim, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), o principal indicador de investimento na produção, foi de apenas 16,8% do PIB.

Não é segredo para ninguém: os países que crescem mais e de maneira mais consistente são os que investem mais. No Brasil, no entanto, esse indicador permaneceu consistentemente abaixo de 20% nos últimos dez anos, diferentemente do registrado pela maioria dos membros do G-20 no mesmo período. Manter um crescimento de 3% requer que essa taxa se situe entre 20% e 25%, no mínimo.

Se, de um lado, o nível de investimento continua baixo, de outro, a inflação tem consistentemente resistido a se manter na meta. Não é por acaso que muitos economistas têm dúvidas sobre a qualidade do crescimento econômico, muito dependente do consumo das famílias e dos gastos do governo.

A convite do Estadão, vários deles apontaram os possíveis ganhos estruturais que a economia brasileira teve nos últimos anos após a aprovação de diversas reformas, cujos impactos ainda não podem ser mensurados no PIB. Outros fatores conjunturais, no entanto, seguramente aqueceram a demanda nos últimos meses, como a antecipação do pagamento dos precatórios e do 13.º salário dos aposentados do INSS e a concessão de reajustes ao funcionalismo.

Para Armando Castelar, pesquisador da Fundação Getulio Vargas, o ritmo e o perfil do crescimento econômico dos últimos três anos mostram que “é preciso desacelerar”. Com uma marcha um pouco mais lenta, o País poderia se desenvolver a partir de bases mais sólidas.

O governo ajudaria a aumentar a potência da política monetária se fizesse sua parte e contivesse seus gastos. Mas o mercado não acredita nessa hipótese e já projeta que a Selic sairá dos atuais 10,5% ao ano para 11,5% no fim de janeiro – ou seja, o BC terá de fazer todo o trabalho sozinho.

Não é por picuinha que os analistas de mercado e os economistas esperam uma taxa de juros mais elevada. Trata-se de maneira mais efetiva de conter a inflação e frear a economia, ainda que à custa dos investimentos que poderiam tornar o crescimento mais perene, como todos – não só o governo – gostariam.

Polarização nos tribunais

O Estado de S. Paulo

Indicações de Lula a tribunais superiores e regionais priorizam interesses privados e grupos de amigos, que, leais ao lulopetismo, prometem intensificar batalhas ideológicas no Judiciário

As mais recentes indicações do presidente Lula da Silva a tribunais superiores e regionais, em vez de promover pacificação, apontam para a ampliação de disputas ideológicas na cúpula do Poder Judiciário brasileiro. A origem e o perfil desses nomes e a forma como são escolhidos pelo atual presidente sugerem o acirramento dos ânimos nas cortes, intensificando tensões e transpondo da política para a Justiça uma polarização que em nada colabora com o fortalecimento das instituições e o bom funcionamento dos tribunais.

Antes de Lula, Jair Bolsonaro já havia deixado claro o interesse de domesticar o Judiciário. É de sua lavra a observação segundo a qual, ao indicar Kassio Nunes Marques ao Supremo Tribunal Federal, passou a ter “10% de mim” naquela Corte. O ex-presidente também batalhou por um ministro “terrivelmente evangélico”, qualidade irrelevante para a investidura do cargo, mas relevantíssima do ponto de vista político.

Quaisquer que fossem os méritos e deméritos dos indicados por Bolsonaro, eram evidentes os interesses pessoais e o ânimo conflituoso do então presidente. Lula, por sua vez, pode até ser um pouco mais discreto no seu desejo de aparelhar politicamente o Judiciário, mas já deixou claro que não está para brincadeira, seja ao colocar no Supremo seu advogado particular, seja ao nomear seu ministro da Justiça e calejado político, Flávio Dino, para ter na Corte alguém com “cabeça política”.

No passado, o petista ainda parecia ter alguma preocupação com a qualidade de suas indicações aos tribunais superiores, como no caso da nomeação do jurista conservador Carlos Alberto Menezes Direito para o Supremo. Mas essa preocupação não durou muito: para a vaga deixada por Menezes Direito em razão de seu falecimento, em 2009, Lula indicou ninguém menos que o ex-advogado do PT José Antonio Dias Toffoli – reprovado duas vezes em concurso para juiz de primeira instância, mas considerado por Lula bom o bastante para a mais alta Corte brasileira.

Neste terceiro mandato, Lula mantém o critério ao ocupar os tribunais superiores e regionais com nomes mais próximos – como um advogado seu, um fiel aliado ou uma amiga de sua mulher, Janja da Silva. O demiurgo decerto espera que esses indicados sejam a vanguarda das batalhas político-jurídicas de interesse do lulopetismo.

E é nessa arena que ganha protagonismo o Grupo Prerrogativas, formado por 250 advogados e juristas de esquerda. O “Prerrô”, como o grupo criado há dez anos para se contrapor a alegados desmandos da Operação Lava Jato é chamado por seus próprios integrantes, já possui representantes no Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e no Tribunal Superior do Trabalho (TST), além de três tribunais regionais.

Nas indicações pelo chamado quinto constitucional – aqueles 20% das vagas de tribunais destinadas à advocacia ou ao Ministério Público –, grupos organizados sempre atuaram para emplacar nomes. O Prerrogativas, portanto, segue uma tradição, mas o faz de maneira desinibida, ostentando suas vitórias em celebrações nas quais assume a identidade de grupo político.

Sob a bênção de Lula, tudo isso terá impacto no Judiciário. Como mostrou reportagem do Estadão, a chegada de Antônio Fabrício de Matos Gonçalves ao TST, por exemplo, animou defensores das chamadas pautas progressistas e sua nomeação é vista como uma contraposição a um suposto polo conservador da Corte, representado por Ives Gandra da Silva Martins Filho. Ora, a inclinação política de um ou de outro é – ou deveria ser – indiferente, dado que os ministros deveriam estar comprometidos com a jurisdição trabalhista e com respeito às leis e à Constituição.

O poder concedido pela Constituição ao presidente da República para a indicação de magistrados para ocupar a alta cúpula do Poder Judiciário exige responsabilidade, autocontenção e profundo apreço pelo espírito público. A instrumentalização de tribunais superiores e regionais degenera a Justiça, e o Brasil não precisa de mais radicalização.

Mais uma conta para a Viúva

O Estado de S. Paulo

Em análise na Câmara, renegociação de dívida dos Estados deve gerar perdas bilionárias para a União

O projeto que cria a mais nova rodada de renegociação de dívidas dos Estados pode fazer a União perder até R$ 48 bilhões por ano, segundo o economista Manoel Pires. No primeiro ano, o prejuízo pode ser ainda maior e atingir R$ 62 bilhões, disse o pesquisador e coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) ao jornal Valor.

Elaborada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com apoio do governo, a proposta está na Câmara e teve um pedido de urgência aprovado na última semana, o que significa que será pautada no plenário nos próximos dias, sem passar pelas comissões temáticas, e em votação virtual, uma vez que os deputados só têm olhos para as eleições municipais.

Hoje, os débitos estaduais são indexados ao IPCA, mais 4%, já inferior ao que o mercado cobra do Tesouro nos títulos da dívida pública – inflação mais 6%. Mas, segundo o texto, Estados que cumprirem algumas condições frouxas terão as dívidas atualizadas somente pelo IPCA, ampliando sobremaneira o subsídio federal.

Para isso, bastará destinar metade dos recursos economizados com o desconto concedido pela União a um fundo de equalização federativa – para distribuição entre Estados menos endividados – e a outra parte a uma ampla gama de gastos no próprio Estado, em áreas como educação, saneamento, habitação, transportes, segurança pública e adaptação às mudanças climáticas.

Como observou Pires, é muito fácil cumprir essas exigências, mas nem assim a adesão dos mais endividados, como Goiás, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, está garantida. Para eles, vale mais a pena permanecer no Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que proporciona parcelas ainda mais baixas mesmo em contrapartida a medidas como a aprovação de reformas e a privatização de estatais. Caso não as cumpram, como Minas Gerais e Rio de Janeiro, basta recorrer ao Supremo Tribunal Federal para manter tudo como está.

É o caso de perguntar, portanto, qual o verdadeiro objetivo do governo com a proposta. Tudo indica, segundo Pires, que a ideia é criar um benefício fiscal àqueles que estão pagando as contas em dia – e que exatamente por isso não precisariam reestruturar suas dívidas.

Se São Paulo aceitá-la, por exemplo, haverá uma grande redistribuição de recursos do Estado entre os mais pobres e menos endividados das Regiões Norte e Nordeste, e que os incentivará, por óbvio, a gastar mais, criando as bases da próxima crise estadual e do futuro socorro federal.

O governo, até agora, não divulgou seus próprios cálculos sobre o impacto da proposta, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sustenta que ela não tem efeito no resultado primário nem viola o arcabouço fiscal. É verdade, mas o projeto aumenta a dívida bruta da União – indicador em ascensão desde o início do governo Lula e hoje em 78,5% do Produto Interno Bruto –, eleva o déficit nominal e fará o custo da dívida líquida subir ainda mais, piorando a percepção de risco. Depois, não adianta culpar o BC por aumentar a taxa básica de juros.

Um comentário:

  1. Ótimo conteúdo, levantando a história e o progresso político no Brasil. Top!

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