Folha de S. Paulo
Tem sido longo o registro de figurantes
públicos da pá virada, cujos nomes frequentaram a literatura política graças a
gestos e feitos tresloucados
A racionalidade é a matriz que identifica o
ser humano. É a marca que lhe confere o dom da razão. Quando desprovido do
farol que guia seus passos, o homem afunda no abismo da ignorância. Cai na vala
dos insensatos.
Ao correr da história, tem sido longo o
registro de figurantes públicos da pá virada, cujos nomes frequentaram a
literatura política graças a gestos e feitos tresloucados.
Lembremos dos idos de ontem; Calígula, o
imperador que nomeou cônsul seu cavalo Incitatus, transformando-o em um ente de
seu Estado teocrático. Ou mesmo Nero, outro imperador amalucado que mandou
assassinar a mãe, Agripina, e suas duas esposas, Cláudia Otávia e Pompeia
Sabina —e acusado ainda de iniciar o grande incêndio de Roma, que devastou
parte da cidade por nove dias.
Pulemos para os nossos dias. Não é nonsense constatar um candidato à Presidência dos Estados Unidos incentivar a invasão de um símbolo da democracia, o Capitólio, por ambição de chegar ao poder central com devastação de monumentos públicos e golpe nas instituições? Donald Trump é essa figura. A mesma indicação pode ser feita sobre o estrambótico personagem que estaria por trás da "Festa de Selma", a arrumação golpista para solapar a democracia brasileira? Jair Bolsonaro, segundo se sabe, seria o inspirador da devastação do 8 de janeiro em Brasília.
Na mesma categoria de situações absurdas, a
mostrarem os disparates cometidos por um alentado rol de governantes sem
escrúpulos, estariam Vladimir
Putin, com sua decisão de invadir uma nação soberana, a Ucrânia,
para surripiar dela territórios. Ou Nicolás
Maduro, suspeito de esconder as listas das urnas, que teriam
garantido a vitória de seu opositor, na Venezuela, Edmundo González, no pleito
de 28 de julho último.
A larga galeria de protagonistas que
ultrapassam as fronteiras do bom senso resulta de uma ferrenha disposição em
chegar ao poder ou perpetuar seu mando por obra e graça de métodos radicais,
identificados como eixos de sistemas ditatoriais que teimam em se alastrar
pelos quadrantes do planeta.
O historiador britânico, John Emerich Edward
Dalberg-Acton, mais conhecido por Lord Acton, já descrevia em sua obra que, em
todos os tempos, o progresso da liberdade enfrentou inimigos naturais, pela
ignorância e superstição, pela sede de conquista, pelo desejo de poder. E
concluía com o famoso ditado: "o poder corrompe e o poder absoluto
corrompe absolutamente".
Nesse ponto, o poder absoluto chega à
encruzilhada da corrupção, sob a égide da violência, para formar a quadra
sombria já descrita pelo professor Samuel
Huntington em seu livro "Choque de Civilizações",
onde desenha a imagem do "puro caos": a quebra no mundo inteiro da
lei e da ordem, as ondas de criminalidade, o declínio da confiança na política,
a degradação dos valores morais.
A conclusão é que, nesses tempos de
celebradas descobertas nos campos da biotecnologia, das ciências médicas e
farmacêuticas, tempos em que o ciclo de vida dos humanos ganha acentuado
alongamento, passamos a retroceder na área da política, em clara sinalização de
resgate da barbárie. Um retrocesso civilizatório. As lutas fratricidas se
sucedem (vejam a Faixa de Gaza e
as já citadas Ucrânia e a Rússia),
a fome ceifa a vida de milhões de pessoas nos devastados países da África, a
miséria se expande nos vãos e desvãos das democracias, acentuando as
desigualdades.
Fixemos nossos olhos na linha do horizonte. O
que vemos? O planeta pedindo socorro. Primeiro, para evitar seu sufoco, ante a
escalada das calamidades
climáticas. Nosso habitat clama por uma economia de baixo carbono,
baseada em fontes de energia que produziriam baixos níveis de emissões de gases
do efeito estufa.
Nos últimos dias, a ONU divulgou um alerta
mundial com uma ameaçadora previsão: o nível do mar deve subir de forma
dramática nas próximas décadas, em consequência do aquecimento global. No sul
do Oceano Pacífico, o nível do mar
subiu 15 cm nos últimos 30 anos. Se o Pacífico continuar a subir, os
países-ilhas podem até sumir do mar.
A ambição desmesurada de muitos governantes é
a de fincar pé na economia do petróleo, que sustenta seus projetos de poder. A
ignorância, a estupidez, a insensatez dão as cartas no painel civilizatório.
Eis a ficha dos nossos tempos: o triunfo da boçalidade.
Excelente!
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