sábado, 28 de setembro de 2024

José Natal - Eleições municipais: mudam os sacos, a farinha é a mesma

Correio Braziliense

É desanimador, e perigoso, assistir ao festival macabro dessa eleição paulista e saber que qualquer que seja o eleito vai cair sobre ele a mancha do desatino de que participou

Há quem diga, e são muitos, que eleições em São Paulo, para qualquer cargo, equivale a uma eleição nacional, uma disputa da maior importância. A maior e a mais importante cidade do país, e uma entre as maiores da América do Sul, carece de um quadro melhor qualificado para comandá-la, administrar seus passos e corrigir seus rumos. O gigantismo de São Paulo não pode, ou pelos menos não deveria, ser entregue a aventureiros sem propostas de trabalho, planos que beneficiem a comunidade ou lhes dê o mínimo de ações que sinalizem providências voltadas para saúde, segurança e melhor qualidade de vida.

Brasília não tem eleição municipal, o que, diga-se de passagem, é uma pena que assim seja. Não existe na constituição da capital um artigo que permita ao cidadão escolher seu prefeito, aquele que cuida dos interesses e direitos da comunidade. Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República, em campanha para a Presidência do país em 2018, pregava que o que mais uma cidade precisa é de um prefeito. Aquele que conheça a comunidade, seus problemas, angústias e ideias que podem gerar soluções. Alckmin dizia que um prefeito já deve sair de casa de manhã anotando os problemas que vê pelo caminho que o leva à Prefeitura. Essa visão matinal dos problemas que afetam a cidade ajuda nos despachos burocráticos com assessores. Indica soluções.

Votar é importante, manifestar sua opinião sobre qualquer coisa faz bem ao ego, é saudável. E com essa sensação de vazio eleitoral, os moradores da capital do país ficam de olhos e ouvidos atentos, observando com atenção o dia a dia das eleições municipais Brasil afora. Sem o compromisso com o voto local, o cidadão e o mundo político do Distrito Federal sinalizam espanto e decepção com o que acontece nas eleições de outras cidades. Esse espanto ficou evidenciado na manifestação recente da ministra Cármen Lúcia, que preside o TSE, revelando sua preocupação e advertência sobre a onda de ataques pessoais e agressões físicas, onde candidatos e eleitores se atracam, deixando claro que, para muitos, a democracia e o bom senso ficam em segundo plano. 

O que acontece na disputa pela Prefeitura de São Paulo resvala na selvageria e um elevado grau de irresponsabilidade de candidatos que buscam o voto a todo custo. Por ser São Paulo, pela grandeza que a cidade representa para o resto do país, a mídia nacional cuida, com profissionalismo e habilidade, de mostrar ao eleitor perfil, comportamento, projetos e planos que esses candidatos representam. O resultado desse trabalho, nos últimos dias, tem assustado o cidadão comum e as autoridades que cuidam dessa pauta. E, infelizmente, os principais concorrentes ao cargo, em muitos eventos, decepcionam até os mais experientes em campanhas passadas. 

Ricardo Nunes, o atual prefeito que chegou ao cargo sem ter sido indicado pelo povo, parece liderar uma corrida ainda longe de se definir. Responde a acusações sérias e sem carisma algum que encante o eleitor que esperava mais. Tem, ao que parece, o apoio do ex-presidente Bolsonaro, que, para muitos, mais atrapalha do que ajuda. Guilherme Boulos, apadrinhado de Lula, representa a esquerda e insiste no eterno discurso do tudo pelo social. Mas, para muitos, tem telhado de vidro, e a antes oratória popular parece perder a força.

O fator surpresa dessa eleição é o vendedor de ilusões chamado Pablo Marçal, que mais parece uma mistura de Bolsonaro com alguma coisa ainda mais ruim. Não cansa de dizer asneira e aposta na ingenuidade daqueles eleitores que votam por curiosidade, veneram um ridículo encantador de serpentes. Por fim, para nossa tristeza, a única cabeça jovem e progressista que ilustra esse cenário, Tábata Amaral se esforça e se empenha para mostrar que sabe que não tem chance, mas o que mais dói é ter a certeza de que, pelo rumo das coisas, sabe que vai perder, além da eleição, talvez a esperança.

Os mais experientes, aqueles calejados e habituados a conviver com disputas eleitorais em todos os segmentos, até que entendem, mas reprovam métodos fora de qualquer cartilha democrática. A eleição municipal é o primeiro passo, a primeira e mais importante sinalização do que poderá ser a eleição para governadores e Presidência da República.

Toda disputa, eleitoral ou não, exige empenho, medidas muitas vezes severas e atitudes pouco convencionais entre os concorrentes. Mas disputa alguma dá ao cidadão o direito e amparo da lei para ofender, agredir fisicamente ou ainda insinuar calúnias e degradação moral.

Denunciar falcatruas e comprovar as denúncias faz parte do jogo eleitoral, e tem amparo na Constituição e na lei eleitoral. É desanimador, e perigoso, assistir ao festival macabro dessa eleição paulista e saber que qualquer que seja o eleito vai cair sobre ele a mancha do desatino de que participou, testemunhou ou foi conivente com tudo que a sociedade consciente reprova e condena. 

Em plena modernidade digital, com os avanços e conscientização da sociedade que busca sempre aprimorar e zelar pelo bem comum, tais candidatos injetam em todos uma ameaçadora dose de descrença e desânimo nos próximos passos do mundo político. Pena que seja assim. Muitos ainda conseguem mudar a embalagem, mas a farinha é a mesma de sempre.

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário