É preciso esclarecer de imediato que democracia, orçamento público e parlamento são almas gêmeas, faces da mesma moeda, irmãos siameses, que nasceram juntos no século XVII na Inglaterra. Diante do poder discricionário absoluto do Rei de criar impostos e determinar despesas, representantes dos nobres, do clero, de comerciantes e agricultores, rebelaram-se na Revolução Puritana (1640) e na Revolução Gloriosa (1688), para estabelecer que apenas o povo, através de seus representantes, poderia criar tributos e proceder a alocação dos recursos. O parlamentarismo nasceu assim junto com o orçamento público e em substituição à monarquia absoluta. As revoluções francesa e americana reafirmaram o rumo. Por isso, soa estranho alguns revelarem assombro de o Congresso Nacional brasileiro ter certo protagonismo na concepção e execução orçamentária.
Por outro lado, há questionamentos sobre o
volume dos recursos envolvidos e a qualidade do gasto. Dois craques das
finanças públicas, Hélio Tollini e Marcos Mendes, publicaram artigo na Folha de
São Paulo, anunciando a realização de importante pesquisa comparando a prática
brasileira com diversos países da OCDE, que certamente trará preciosos subsídios
para o aperfeiçoamento de nossa prática. Chegam à conclusão de que o Brasil
está fora dos padrões internacionais e que o parlamento brasileiro tem
prerrogativas excessivas. Eu, que dediquei a minha vida ao combate à ditadura e
à redemocratização, diria de outra forma: que bom que o parlamento,
representante da sociedade e da Federação, recuperou suas prerrogativas e age,
assim como os britânicos do século XVII, para contrabalançar o poder
discricionário absoluto do Executivo. Parece-me grave equívoco pressupor que a
racionalidade e o espírito público são monopólio do Poder Executivo.
Afirmam que em 53% dos países pesquisados os
parlamentares não podem emendar o orçamento. Não me parece correto comparar
experiências parlamentaristas, onde existe uma relação simbiótica e vital entre
Parlamento e Executivo, com a dinâmica de sistemas de governo presidencialistas.
Em Portugal, por exemplo, o impasse em torno do orçamento de 2022 implodiu a
“geringonça portuguesa”, resultou em novas eleições e na conquista de maioria
pelo PS. Fatos assim ocorreram na Austrália, Canadá, França, Alemanha, Espanha
e em tantos outros países. No parlamentarismo, deputados e senadores participam
da elaboração da estratégia governamental e garantem a sustentação ao rumo
escolhido, expresso inclusive no orçamento. No presidencialismo bipartidário
americano, o orçamento é totalmente impositivo e feito pelo Congresso.
O colunista afirma que "há questionamentos sobre o volume dos recursos envolvidos e a qualidade do gasto", mas não explicita sua opinião. Está satisfeito com as dezenas de bilhões que crescentemente têm sua destinação decidida pelos congressistas? Aguardemos. Cenas do próximo capítulo...
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