Valor Econômico
Exposição negativa do agronegócio brasileiro no exterior constrange discurso oficial
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
recebeu o primeiro-ministro do Haiti, Garry Conille, na missão do Brasil junto
às Nações Unidas às 4h da tarde desta segunda. Foi o sexto de sete compromissos
da agenda presidencial naquela véspera de abertura da Assembleia Geral da ONU.
Trocaram amabilidades e compromissos. “Temos
que assumir responsabilidade - não o Brasil, o mundo - com o Haiti. Não é
possível. O país está se deteriorando e a solidariedade internacional é zero”,
disse Lula. “Ele foi generoso com seu tempo, inspirador em termos de ideias e
estamos ansiosos para continuar a cooperação com o Brasil no futuro”, disse
Gary, que parecia satisfeito com a mobilização internacional de que Lula se fez
portador.
Às 22h daquela noite no Brasil, os clientes
da Dow Jones, agência noticiosa que distribui as notícias do “Wall Street
Journal”, principal jornal de economia e negócios dos Estados Unidos, receberam
em seus terminais a reportagem: “A vida de imigrantes haitianos: empregos que
ninguém quer e dormida no chão”.
O foco da reportagem eram as condições de
trabalho oferecidas a imigrantes haitianos pela JBS em sua planta industrial de
Greeley, no Colorado, onde também fica a sede do braço americano da empresa.
Relatos de dezenas de funcionários, ex-funcionários da empresa e até do prefeito de Greeley dão conta de condições que só puderam ser oferecidas a imigrantes em situação limite porque nenhum americano se dispõe a aceitá-las.
Valendo-se de uma autorização das autoridades
de imigração dos EUA para exercer trabalho temporário no país, recrutadores
informais atraíram - e extorquiram - imigrantes haitianos de várias partes do
país para a JBS. Foram alojados em hospedarias onde dormiam em cobertores sobre
o piso, usavam a banheira para preparar comida e cozinhavam em fogareiros
colocados no chão.
Nada disso é muito diferente do que acontece
nos flagrantes de trabalho análogo à escravidão no Brasil, mas tudo aconteceu
nos Estados Unidos, onde, segundo um funcionário resumiu, até as prisões
oferecem melhores condições.
A empresa conduziu investigações internas e,
em agosto, depois de oito meses da primeira denúncia do sindicato, afastou os
profissionais de recursos humanos envolvidos na operação-Haiti. Em nota,
informou que colabora com as investigações e tem acordo com o sindicato
internacional dos trabalhadores na indústria de alimentos para aperfeiçoar as
políticas de contratação.
O “site” do WSJ já estampava a notícia desde
cedo quando Lula subiu ao púlpito nas Nações Unidas às 10h48 da terça-feira.
Deixou a Venezuela de fora, mas defendeu a retirada de Cuba da lista de países
“terroristas” e fez um apelo pelo Haiti: “É inadiável conjugar ações para
restaurar a ordem pública e promover o desenvolvimento”. No dia seguinte,
enquanto os jornais brasileiros estampavam o discurso do presidente, o que
havia mais próximo do Brasil na edição impressa do jornal era a generosa
chamada de primeira página da reportagem: “Cortando carne e dormindo no chão”.
O entorno do presidente desconhecia o que
estava por vir, mas dirigentes da empresa já tinham conhecimento da apuração em
curso havia algumas semanas. Pressentiam sua publicação durante a “semana do
clima”, evento da ONU com banqueiros e investidores concomitante à Assembleia
Geral. A listagem da JBS na Bolsa de Nova York enfrenta a resistência de
senadores - republicanos movidos por concorrentes americanos da empresa
brasileira e democratas pressionados por ambientalistas.
A JBS tem feito progressos no tema desde o
estabelecimento do Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público
Federal, de 2009, que visa a combater a compra de carne proveniente de pecuária
em área desmatada. Hoje tem 93,8% de conformidade, ainda que levantamentos do
Radar Verde, patrocinado por tradicionais organizações ambientais, como o
Imazon, apontem que, a despeito de ter um controle eficaz de seus fornecedores
diretos de carne, a JBS não consegue impor a mesma transparência aos indiretos.
Para a imagem do Brasil, a notícia se soma às
dificuldades crescentes de o país se firmar como uma liderança ambiental e
social. Em seu discurso, Lula reafirmou a promessa de desmatamento zero e o
compromisso com uma meta climática ambiciosa a ser apresentada até fevereiro às
Nações Unidas.
Na véspera, porém, cinco horas antes da
reunião com o primeiro-ministro haitiano, Lula recebeu o CEO Global da Shell,
Wael Sawan. A empresa é pule de dez nas parcerias que a Petrobras pretende
fazer na Margem Equatorial. A determinação do governo em seguir com esta
exploração demonstra o frágil equilíbrio da equação em jogo. As demandas
fiscais do país não permitiriam que se abra mão das futuras receitas do
petróleo. Se Lula fincou estaca na Margem Equatorial e pretende assumir todos
os compromissos climáticos é porque o preço será cobrado do agronegócio.
A exposição negativa da maior estrela
internacional do agronegócio brasileiro, pioneira na busca de certificação
ambiental, é uma dificuldade adicional aos entraves políticos da agenda. Por
sorte, o presidente deixou de fora de seu discurso a parceria estabelecida
entre seu governo e o de Joe Biden, há exatos 12 meses, na mesma ONU. Naquela
ocasião, foi firmada parceria para a promoção do trabalho digno.
Texto excelente, muito informativo. Trata de assuntos pouco ou não abordados pela mídia tradicional. A JBS é protegida por Lula e amplos setores do mercado e da mídia, mas a verdade não é tão rosada ou dourada quanto querem nos mostrar. A colunista expõe os podres já recentemente denunciados nos EUA!
ResponderExcluirE a JBS ainda é um dos ápices do agronegócio brasileiro!
ResponderExcluirReclamar é fácil.
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