Folha de S. Paulo
Está em disputa a liderança firmada pelo
ex-presidente nas eleições de 2018
Há duas eleições para a Prefeitura de São Paulo.
A primeira, ostensiva, definirá o novo ocupante do 14º andar do Edifício
Matarazzo, no paulistaníssimo Viaduto do Chá. Em paralelo, como apontou o
cientista político Antonio Lavareda, trava-se uma espécie de primárias para
decidir a liderança das direitas na Pauliceia.
O prefeito Ricardo Nunes e o autointitulado "ex-coach" Pablo Marçal têm em comum folgada vantagem sobre um grupo mais amplo onde figuram desde o destemperado Datena até uma jovem que, embora envolta na bandeira do novo, mais parece a reencarnação das marchadeiras de 1964 contra o "comunismo ateu".
A queda de braço paulistana tem inegáveis características locais: como não ver em Marçal a versão digital —e ainda mais primitiva— do velho populismo de direita que levou Jânio Quadros a se sentar duas vezes na cadeira de prefeito e alavancou a carreira de Paulo Maluf? Como esquecer do Adhemar ("rouba mas faz") de Barros ao ouvir do prefeito Nunes o quanto "fez, faz e fará" pelos mais pobres?
Por outro lado, o que aqui ocorre não é
singular: reverbera um fenômeno mais amplo. As eleições, em especial nas
capitais e grandes cidades, se encaminham para ser mais um episódio na
reorganização do vasto campo político que vai da centro-direita até sua
fronteira mais extremada dos seguidores de Bolsonaro.
Está em jogo a liderança nacional do
ex-presidente, estabelecida pela vitória nas urnas em 2018 e quase reprisada em
2022. Não por acaso, ele vem se esforçando para patrocinar candidatos país
afora.
Tampouco é casual que mesmo candidatos
distantes do radicalismo extremado, como Nunes, ou que cobicem sua liderança na
franja autoritária, como Marçal, não possam marcar clara distância do
ex-capitão. Temem perder o voto dos que continuam a segui-lo, formando robusta
minoria do eleitorado.
Há quem acredite ser descabido buscar
diferenças entre essas farinhas de um mesmo saco. Fazê-lo seria desconhecer sua
natureza retrógrada e antidemocrática e, desta forma, normalizar sua
participação no jogo político. Melhor seria pespegar em cada um e todos o
rótulo de inimigos da democracia ou, simplesmente, fascistas.
Eficaz para o combate político, o rótulo
uniformizador impede que se perceba que direitas aptas a ganhar nas urnas têm
incentivos para manter o jogo democrático e que saídas autoritárias, via golpe
ou corrupção das instituições, podem lhes sair caro. Não parece ter sido outro
o cálculo dos presidentes das Casas do Congresso —por sinal dominadas pelas
direitas— quando se apressaram a aceitar os resultados das eleições
presidenciais de 2022, contestados por Bolsonaro, ou a condenar a tentativa de
golpe do 8 de Janeiro.
Não cabe dúvida que une as direitas uma
agenda reacionária no campo dos costumes, dos direitos coletivos, da segurança
pública, do meio ambiente e da proteção social. E que seu predomínio político,
resultante da robustez eleitoral, torna lento e pedregoso o trajeto rumo a um
país civilizado. Mas essa não é uma barreira que se consiga derrubar caso os
progressistas se preparem para defender a democracia quando a batalha da vez é
toda outra.
Vi a cientista política no centro do Roda Viva.
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