quinta-feira, 19 de setembro de 2024

Maria Hermínia Tavares - Eleições e disputas no campo das direitas

Folha de S. Paulo

Está em disputa a liderança firmada pelo ex-presidente nas eleições de 2018

Há duas eleições para a Prefeitura de São Paulo. A primeira, ostensiva, definirá o novo ocupante do 14º andar do Edifício Matarazzo, no paulistaníssimo Viaduto do Chá. Em paralelo, como apontou o cientista político Antonio Lavareda, trava-se uma espécie de primárias para decidir a liderança das direitas na Pauliceia.

O prefeito Ricardo Nunes e o autointitulado "ex-coach" Pablo Marçal têm em comum folgada vantagem sobre um grupo mais amplo onde figuram desde o destemperado Datena até uma jovem que, embora envolta na bandeira do novo, mais parece a reencarnação das marchadeiras de 1964 contra o "comunismo ateu".

A queda de braço paulistana tem inegáveis características locais: como não ver em Marçal a versão digital —e ainda mais primitiva— do velho populismo de direita que levou Jânio Quadros a se sentar duas vezes na cadeira de prefeito e alavancou a carreira de Paulo Maluf? Como esquecer do Adhemar ("rouba mas faz") de Barros ao ouvir do prefeito Nunes o quanto "fez, faz e fará" pelos mais pobres?

Por outro lado, o que aqui ocorre não é singular: reverbera um fenômeno mais amplo. As eleições, em especial nas capitais e grandes cidades, se encaminham para ser mais um episódio na reorganização do vasto campo político que vai da centro-direita até sua fronteira mais extremada dos seguidores de Bolsonaro.

Está em jogo a liderança nacional do ex-presidente, estabelecida pela vitória nas urnas em 2018 e quase reprisada em 2022. Não por acaso, ele vem se esforçando para patrocinar candidatos país afora.

Tampouco é casual que mesmo candidatos distantes do radicalismo extremado, como Nunes, ou que cobicem sua liderança na franja autoritária, como Marçal, não possam marcar clara distância do ex-capitão. Temem perder o voto dos que continuam a segui-lo, formando robusta minoria do eleitorado.

Há quem acredite ser descabido buscar diferenças entre essas farinhas de um mesmo saco. Fazê-lo seria desconhecer sua natureza retrógrada e antidemocrática e, desta forma, normalizar sua participação no jogo político. Melhor seria pespegar em cada um e todos o rótulo de inimigos da democracia ou, simplesmente, fascistas.

Eficaz para o combate político, o rótulo uniformizador impede que se perceba que direitas aptas a ganhar nas urnas têm incentivos para manter o jogo democrático e que saídas autoritárias, via golpe ou corrupção das instituições, podem lhes sair caro. Não parece ter sido outro o cálculo dos presidentes das Casas do Congresso —por sinal dominadas pelas direitas— quando se apressaram a aceitar os resultados das eleições presidenciais de 2022, contestados por Bolsonaro, ou a condenar a tentativa de golpe do 8 de Janeiro.

Não cabe dúvida que une as direitas uma agenda reacionária no campo dos costumes, dos direitos coletivos, da segurança pública, do meio ambiente e da proteção social. E que seu predomínio político, resultante da robustez eleitoral, torna lento e pedregoso o trajeto rumo a um país civilizado. Mas essa não é uma barreira que se consiga derrubar caso os progressistas se preparem para defender a democracia quando a batalha da vez é toda outra.

 

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