O Globo
A equipe econômica acha que o mercado
financeiro não valoriza seu esforço para colocar as contas em dia. Já o mercado
acredita em risco fiscal
Era só a divulgação de um relatório, mas acabou virando mais um ponto de completa divergência entre o governo e o mercado financeiro. O secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, falou em “incômodo da equipe” com a “irracionalidade na repercussão” que “ignora certos fatos da realidade”. E afirmou que “contabilidade criativa e calote do governo” houve na administração anterior. Era resposta ao mercado que tem falado muito no risco fiscal do país. Não apenas falado. Na sexta-feira e ontem os juros futuros fecharam com forte alta, o termômetro mais objetivo dessa preocupação. A bolsa caiu pelo quinto pregão seguido e o dólar voltou a subir.
Mas quem tem razão? Os analistas dizem que as
despesas obrigatórias têm subido, há despesas não contabilizadas na regra do
arcabouço, no ritmo atual não há como estabilizar a dívida em relação ao PIB,
as renúncias fiscais não caíram, as projeções dos gastos previdenciários
encomendam uma nova reforma da Previdência. Isso sem falar nos sustos que vêm
da Justiça que ameaça revogar parte da última reforma. Tudo isso é verdade, mas
Durigan disse ontem que os analistas não estão vendo o esforço do governo para
colocar as contas em dia.
—A gente saiu da descrença que havia quase
completa no começo do ano, quando se previa 1% de déficit primário, e por
algumas casas a mediana era 0,8% de déficit primário, para hoje em que muitos
consideram muito razoável o cumprimento da meta do ano — disse.
O relatório bimestral de avaliação de
receitas e despesas é um momento bem técnico, em que o governo tem que mostrar
os números de gastos e arrecadação. Se estiver distante da meta, propõe
ajustes. Este do quarto bimestre tinha que ter sido divulgado e explicado na
sexta-feira, mas só à noite alguns números foram divulgados, e a coletiva ficou
para ontem. O que o mercado esperava era novo bloqueio de mais R$ 15 bilhões. E
o que veio foi um bloqueio de R$ 2,1 bi, porém com uma reversão de
contingenciamento de R$ 3,8 bi, de tal forma que na prática foi um
aumento do gasto de R$ 1,7 bi. A explicação para o desbloqueio
é que a arrecadação foi acima do previsto. O governo alega que não há o risco
que o mercado está vendo. E citou um dado do próprio mercado financeiro
internacional. O CDS, Credit Default Swap, é a medida de risco dos países, o
quanto se cobra a mais dos títulos públicos.
—A gente saiu de um risco medido pelo CDS de
cinco anos, de 244 em 2022 para um índice de 186 em 2023, para algo como 145
agora em 2024. Essa trajetória é um fato de diminuição do risco- país. Então é
importante que a gente tenha sobriedade, olhe para os números e para os fatos e
veja o tremendo esforço, a mudança de trajetória que tem sido feita em relação
ao que se viu nos últimos anos — afirmou Durigan.
Em Nova York, o ministro Fernando
Haddad falou, em conversa com as agências, na possibilidade de
voltar ao grau de investimento. Isso demora, mas de fato o Brasil teve alguma
melhora nas agências. Durigan disse na entrevista que “todas as agências de
risco relevante melhoraram a nota de crédito do Brasil”.
O que a Fazenda disse é que no ano passado
houve um déficit alto porque em grande parte foi preciso pagar contas do
governo anterior, de contabilidade criativa. Precatórios, indenizações para
governadores que foram forçados a reduzir impostos sobre combustível, e
recuperação dos fundos de participação de estados e municípios. Mas que este
ano a meta será cumprida.
—Há, de fato, um incômodo na equipe
econômica, quando a gente percebe alguma irracionalidade na repercussão, quando
se ignora fatos da realidade. O fiscal melhorou e tem superado as expectativas.
Esse é o fato — disse Durigan.
Há outros fatos. Um total de
R$ 40 bilhões de gastos não estão sendo contabilizados nessas despesas porque
são créditos extraordinários, realizados para acudir por exemplo às
emergências climáticas, como a grande enchente do Sul. É preciso tornar mais
transparentes essas despesas e além disso ter uma reserva de contingência maior
porque as emergências estão ficando mais frequentes.
Os dois lados têm razão nessa discussão. É
evidente que a situação fiscal melhorou, mas também é certo que há muitas
dúvidas e muitas pressões por mais despesa. Enquanto não houver uma trajetória
de estabilidade e depois queda da dívida/PIB, momentos como o de ontem, de alta
dos juros futuros, vão continuar.
Pois é.
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