O Estado de S. Paulo
Pouco se tem falado dos significativos efeitos da reforma tributária sobre o financiamento do Sistema Único de Saúde
Uma das maiores conquistas recentes do Estado
brasileiro foi a aprovação da reforma tributária (Emenda Constitucional n.º
132, de 20 de dezembro de 2023), cuja regulamentação já passou na Câmara dos
Deputados e avança agora no Senado Federal. Pouco se tem falado, no entanto,
dos significativos efeitos sobre o financiamento do Sistema Único de Saúde, o
nosso SUS. Isso se dará em duas frentes: primeiro, na forma de recolher e
distribuir impostos; segundo, na taxação de produtos reconhecidamente
responsáveis por danos à qualidade de vida e à saúde pública.
Comecemos pela última. Uma das mudanças previstas por meio do Projeto de Lei Complementar n.º 68/2024 é o Imposto Seletivo, uma das novidades da reforma tributária. Segundo o projeto, a tributação incidirá “sobre produção, extração, comercialização ou importação de bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”. Ou seja, foi pensado para onerar mais pesadamente bens e serviços causadores de males à sociedade. Hoje não há dúvida: incluir produtos maléficos para a saúde significa inibir o consumo e, consequentemente, reduzir os adoecimentos e sobrecarregar menos o sistema de saúde. É um posicionamento que está ligado aos indicadores da Organização Mundial da Saúde (OMS), que mostram o menor consumo desses itens quando a tributação é maior. Em outras palavras, é uma das medidas mais efetivas para proteger a saúde e a vida.
Essa é a razão essencial pela qual defendemos
o Imposto Seletivo para produtos nocivos à saúde – e não é de hoje. Além de
onerar produtos que fazem mal à saúde, é preciso isentar alimentos considerados
fundamentais para uma alimentação adequada e saudável. Nas Américas, países
como México, Chile e Colômbia já implementaram medidas do gênero. São fartas as
evidências sobre os malefícios dos produtos fumígenos, de bebidas alcoólicas e
de alimentos ultraprocessados. Eles elevam os riscos de um enorme conjunto de
doenças, como os cânceres e os enfartes. O Imposto Seletivo busca tornar mais
caro aquilo que mais custa à vida das pessoas, ponto central que o justifica.
Ao inibir consumos que fazem mal, reduz também os custos financeiros ao sistema
de saúde, permitindo que este atenda mais e melhor a todos.
A vida justifica tal preocupação. E os
números também. No Brasil, as doenças causadas pelo tabagismo custam anualmente
cerca de R$ 153 bilhões; R$ 67 bilhões é o montante gasto com o atendimento
médico e o tratamento de doenças ligadas ao tabagismo; R$ 3 bilhões é o gasto
anual com o tratamento de doenças associadas a bebidas ultraprocessadas, como
refrigerantes, isotônicos e refrescos; R$ 545 milhões são os gastos totais com
os cânceres associados ao consumo de carnes embutidas; R$ 1,5 bilhão é o patamar
de gasto anual do SUS com despesas ambulatoriais e de internação para o
tratamento de doenças relacionadas à obesidade; doenças crônicas não
transmissíveis decorrentes da obesidade significarão R$ 9,3 bilhões de gastos
até o ano de 2030.
Usemos o exemplo dos cigarros. A arrecadação
de imposto federais sobre sua venda chegou a R$ 8 bilhões em 2022, mas a cifra
representa apenas 5,2% das perdas geradas pelo tabagismo no Brasil. Segundo a
Comissão Nacional para Implementação da Convenção-Quadro sobre Controle do Uso
do Tabaco e de seus Protocolos (Conicq), o tabagismo foi responsável por 174
mil mortes, ou 477 mortes ao dia. São 12% de todas as mortes que ocorrem no
Brasil anualmente.
A reforma tributária também impulsionará a
produção local de medicamentos, equipamentos e outros insumos e serviços de
saúde, propiciando um ambiente mais saudável ao nosso Complexo
Econômico-Industrial da Saúde, que busca produzir no Brasil aquilo que custa
caro à saúde dos brasileiros. O estímulo se dará na forma de isenções e
benefícios fiscais – preveem-se mais de 400 produtos com isenção total de
impostos e contribuições, e cerca de mil itens com isenção de 60% em suas
alíquotas, o que, além de estimular a indústria local, reduzirá gargalos
importantes ao SUS.
Por fim, mas não menos importante, a reforma
vai gerar uma redistribuição de recursos e, com isso, alterará o montante
alocado por cada Estado e município ao financiamento de seus serviços de saúde,
e prevê compensação àqueles que eventualmente percam arrecadação. Estudo
desenvolvido no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) aponta que a
mudança terá efeitos redistributivos, reduzindo a desigualdade das receitas
tributárias entre os municípios brasileiros e impulsionando a universalização
das ações e serviços de saúde no território. Apesar dos impactos heterogêneos
entre os entes, os cálculos realizados sugerem estabilidade ou redução da carga
tributária sobre os produtos da saúde e melhoria no financiamento do SUS.
São mudanças e impactos significativos, que
devem nortear a preocupação dos senadores e das senadoras que analisarão o
projeto nas próximas semanas, e mais tarde dos deputados e deputadas, quando a
pauta retornar à Câmara. Que mantenham e reforcem o tributo à vida do povo
brasileiro.
Muito bom! Como mostra a autora, "o tabagismo foi responsável por 174 mil mortes anuais, ou 477 mortes ao dia. São 12% de todas as mortes que ocorrem no Brasil anualmente."
ResponderExcluirAlgumas décadas atrás, as indústrias tabagistas e a grande imprensa televisiva nos mostravam o mundo de prestígio e glamour que o CONSUMO DE CIGARROS nos garantia! Não havia uma palavra sobre todos os problemas de saúde que já se sabia que eram derivados da exposição à fumaça do cigarro, inclusive pros FUMANTES PASSIVOS (pessoas não fumantes que convivem no mesmo espaço que o fumante libera a fumaça que inalou do cigarro).