segunda-feira, 16 de setembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É imperativo o combate a fraudes no auxílio-doença

O Globo

Explosão na concessão do benefício com novo aplicativo não se explica apenas pela demanda represada

Toda medida para reduzir a burocracia na concessão de serviços à população é bem-vinda. Mas é fundamental que não abra brechas para fraudes. A partir de maio de 2023, a Previdência lançou o Atestmed, um aplicativo que facilita a obtenção de auxílio-doença para segurados do INSS. O novo serviço permitiu a 1,5 milhão obter o benefício apenas com o atestado médico, sem esperar a perícia médica. Em consequência, os gastos com auxílio-doença dispararam. Em 2022, antes do Atestmed, somaram R$ 27,6 bilhões. No ano seguinte, aumentaram para R$ 33,4 bilhões. De dezembro de 2022 a julho de 2024, os benefícios concedidos cresceram 57%, de 1,08 milhão para 1,69 milhão. Mantida a tendência, as despesas com auxílio-doença alcançarão R$ 40 bilhões neste ano.

Não está em questão a importância do benefício, essencial para o sustento de quem está afastado do emprego, dos desempregados ou de autônomos com enfermidades ou vítimas de acidentes que os impeçam de trabalhar. Muito menos a necessidade de agilizar a concessão para quem tem direito ao auxílio e antes permanecia meses à espera da perícia. Mas a explosão nas concessões e pagamentos não pode ser explicada apenas pela liberação da fila antes represada. De acordo com o ex-presidente do INSS Leonardo Rolim, o fluxo de benefícios tem se mantido alto, traduzindo não apenas a liberação do estoque represado, mas provavelmente fraudes e pagamentos indevidos.

Há algo de errado em medidas que, a pretexto de simplificar processos, eliminam etapas essenciais para sua lisura, caso da perícia médica. A defesa do Atestmed por técnicos da Previdência sustenta que ele economizaria recursos, pois, ao facilitar a liberação do auxílio, evitaria o pagamento de atrasados corrigidos pela inflação. É um argumento falacioso. Não existem apenas duas opções: usar o aplicativo ou voltar ao método burocrático anterior. A melhor alternativa obviamente é aperfeiçoar o Atestmed para facilitar as perícias.

Estão em estudo medidas sensatas, como reduzir o prazo máximo de concessão do auxílio pelo aplicativo de 180 para 90 dias (mais que os 70 dias hoje registrados na média). Outra é comparar o tempo do auxílio concedido pelo Atesmed à média anterior dos benefícios para cada enfermidade. Se uma fratura costuma justificar 45 dias de afastamento, e o beneficiário obtiver três meses de licença, seria encaminhado à perícia para mantê-lo. Outras ideias dessa natureza facilitariam a fiscalização. Hoje os que mais usam o Atestmed são desempregados, dentro do período de carência de um ano para pedir o auxílio-doença; autônomos; contribuintes individuais e trabalhadores rurais. Para esses, os prazos máximos poderão cair para 30 e 60 dias.

O governo só decidiu agir para conseguir cumprir as metas fiscais. Causa surpresa que evidências tão nítidas de desvios de fraudes já não tivessem mobilizado o próprio INSS, independentemente da necessidade premente de equilíbrio nas contas públicas. O dinheiro do Erário precisa sempre ser despendido com a devida parcimônia, até para não faltar para quem de fato precisa.

China abre novas possibilidades de integração para economia brasileira

O Globo

Há oportunidade de diversificar pauta de exportações desenvolvendo cadeias globais de baixa pegada de carbono

Passados 50 anos do restabelecimento das relações diplomáticas entre Brasil e China, o comércio entre os dois países explodiu — e hoje os chineses são nossos maiores parceiros comerciais. Mas ainda se reproduz o modelo de exportação de matérias-primas e importação de manufaturados. Não se deve menosprezar a importância para a economia brasileira da venda de grãos, carnes e minérios à China. Sem o salto dado pela economia chinesa nas últimas décadas, seria pouco provável que o agronegócio brasileiro tivesse o tamanho que tem. Mas é preciso pensar também em melhorar a composição das vendas, com o aumento da exportação de produtos manufaturados.

No ano passado, a China foi o primeiro país a importar mais de US$ 100 bilhões do Brasil. No comércio bilateral, o Brasil obteve um superávit de US$ 51,1 bilhões, mais da metade do saldo comercial do ano. Soja, minério de ferro, petróleo e celulose compõem grande parcela das exportações brasileiras. A pauta de importações aos chineses reúne uma diversidade de manufaturados como eletrônicos, material de escritório ou geradores elétricos. É importante o Brasil preservar e ampliar os mercados para a exportação de produtos agrícolas, cuja competitividade é assegurada por tecnologias avançadas. Mas não pode deixar de lado a venda de bens de maior valor agregado, protegidos das variações de preços dos mercados de commodities.

Os investimentos chineses no Brasil aumentaram 33% em 2023 ante 2022, alcançando US$ 1,73 bilhão, segundo o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC). Já houve anos melhores, como 2016 e 2017, quando se aproximaram de US$ 9 bilhões. Mesmo considerando os efeitos da desvalorização cambial, a partir de 2017 houve queda. Também houve pulverização dos investimentos por mais projetos. Em 2010, os chineses investiram US$ 12,8 bilhões em 12 projetos. No ano passado, o total se distribuiu por 29 empreendimentos. O Brasil não pode perder a oportunidade de aproveitar sua matriz energética de baixa emissão de carbono para atrair investimentos industriais. Fato importante foi a chegada das montadoras chinesas GWM e BYD, líderes no mercado de veículos elétricos.

De modo geral, o Brasil precisa atrair projetos industriais que se conectem a novas cadeias globais de produção, criadas para explorar o mercado mundial de manufaturados com baixa pegada de carbono. Não é admissível cometer novamente o erro das políticas de substituição de importações do século passado, com altas barreiras tarifárias que se eternizam e protegem ineficiência. A chegada das montadoras chinesas pode servir para criar uma plataforma de exportação que alcance mercados para além das fronteiras do Mercosul. O mesmo pode ser feito com outros produtos industrializados. Estamos diante de mais uma chance de permitir que a economia brasileira aumente a conexão com o mundo. É assim que se ganha produtividade, criam-se empregos mais qualificados e se combatem com mais eficácia pobreza e miséria.

Reforma administrativa tem de ser adotada em todas as esferas

Valor Econômico

Setor público bateu recorde de servidores, com municípios, que tiveram déficit primário em 2023, à frente

A taxa de desemprego no Brasil, no trimestre encerrado em julho, foi de 6,8%, a menor da série histórica iniciada em 2012. O setor público teve papel importante nessa estatística: bateu o recorde de funcionários, atingindo 12,69 milhões de pessoas. As contratações deram um salto no período: foram criadas 641,1 mil vagas no serviço público, a esmagadora maioria delas (90%) nos municípios, que tiveram déficit primário em 2023. O aumento de números de servidores municipais no primeiro semestre de um ano eleitoral está relacionado à legislação (gastos deste tipo não podem ser feitos no segundo semestre) e a interesses políticos de atração de eleitores. A situação financeira dos municípios, que piorou no ano passado, deve se enfraquecer ainda mais com a ampliação dos gastos com pessoal.

O avanço da ocupação do setor público foi mais modesto na União e nos Estados, avalia Bruno Imaizumi, economista da LCA Consultores e autor da pesquisa. Entre o primeiro e o segundo trimestres, eles aumentaram o número de servidores (de todos os tipos: estatutários, CLT e temporários) em 1% e 1,5%, respectivamente. A demanda seria naturalmente maior nos municípios, que somam 58,7% do contingente total de servidores da máquina pública do país, mas a proporção surpreendeu. A alta de gastos com servidores das prefeituras, interrompidas, como em todo o setor público, durante a pandemia, quando volumosos repasses de recursos exigiam como contrapartida o congelamento dos dispêndios com pessoal, foi uma constante nos últimos 14 anos (Valor, 12/9).

Segundo Bráulio Borges, também da LCA, a ampliação do efetivo de funcionários da União cresceu até 2010 para declinar nos anos seguintes, com gastos situando-se em pouco mais de 3% do PIB nos anos recentes, ante mais de 4% na primeira década do século. Desde 2010, as despesas dos Estados com esse item foram mais ou menos constantes, em torno de 4,3% do PIB. Nas prefeituras, foi diferente: cresceram de pouco menos de 3,5% do PIB para 4,3% do PIB.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) estabelece um limite para essas despesas - 54% da receita corrente líquida - e criou uma série de alertas, inicial, prudencial e máximo, à medida que os gastos se aproximam do teto permitido. Em 2023, segundo estudo da Confederação Nacional dos Municípios, 15% das prefeituras (764 das 4.593 da amostra) haviam passado 48,6% da RCL, 14% (ou 696) estavam no limite prudencial (acima de 51,3% da RCL) e outras 14% já tinham ultrapassado o teto das despesas com pessoal.

Os gastos com pessoal podem crescer mais no futuro, ultrapassando o limite da lei atual, se for aprovado no Senado o projeto de lei 164/12, que já passou pela Câmara dos Deputados com apenas 15 votos contrários. Ele retira das despesas com pessoal os gastos com terceirização, por exemplo, recursos pagos a ONGs, empresas, cooperativas etc. Essa brecha havia sido fechada e os dispêndios foram obrigados a constar das “outras despesas de pessoal”, mas o projeto de lei os exclui do teto.

Há despesas de pessoal que crescem, como deveriam, com a ampliação dos serviços públicos - no caso dos municípios, com o progresso dos ensinos infantil e fundamental. Há também a taxa de reposição natural dos funcionários, com o aumento dos inativos por aposentadoria. Mas ainda assim o limite prudencial fixado pela LRF deveria ser respeitado, porque é flexível e razoável. Sem o controle do presente há sobrecarga do futuro. No ano passado, proporcionalmente, os gastos com aposentadoria das prefeituras cresceram mais que os de educação (14,7% e 14,3%, respectivamente) e de pessoal (13,2%). Os valores são nominais e mostram avanços bem acima da inflação (de 4,3% no ano) e até acima do crescimento da receita, de 13,4%. Em valores correntes, os gastos com a folha salarial das prefeituras aumentaram R$ 114,3 bilhões e o déficit total chegou a R$ 16,1 bilhões.

No entanto, os números da CNM permitem indicar que os déficits primários não são inchados primordialmente, como poderia se supor, pelas prefeituras pequenas com baixa capacidade de arrecadação, ainda que 48% delas estejam no vermelho. Do déficit total de 2023, último número disponível, 72%, ou R$ 11,7 bilhões, foram provenientes das grandes cidades, com mais de 300 mil habitantes. Elas estão situadas não nos Estados mais pobres, mas nos mais ricos, com São Paulo, Rio, Minas e Bahia fechando 90% do total. A exceção é o Pará (rombo de R$ 1,4 bilhão, o terceiro maior). Isso ocorreu apesar de que, nos últimos anos, aumentou a cota do Fundo de Participação dos Municípios e dobrou de tamanho o Fundeb para os gastos com pagamento de professores e despesas educacionais.

Ainda que o excesso de funcionários públicos não seja a regra, pelas métricas internacionais, o aumento dos gastos com pagamento de salários acompanha ou ultrapassa a evolução das receitas, o que é insustentável. Como a ineficiência dos serviços públicos prestados na ponta dos municípios é a regra, não a exceção, é preciso não só conter esses gastos, como dar apoio aos municípios para que façam isso. A reforma administrativa, tarefa urgente para a União, deveria se estender a todas as cidades.

Com alta dos juros, BC precisa ajustar mensagem

Folha de S. Paulo

Há razões para a elevação esperada da Selic, em especial os gastos do governo; Copom precisa mostrar que cumprirá metas

Na próxima quarta-feira (18) haverá decisões sobre as taxas de juros no Brasil e nos Estados Unidos. Espera-se alta por aqui e baixa no principal centro financeiro global.

Por boas razões em ambos os casos, já que a trajetória das duas economias diverge e as pressões inflacionárias apontam para lados opostos aqui e lá. Nos EUA há evidencia de perda de ritmo da atividade, com sinais de elevação nos últimos meses do desemprego, hoje em 4,2%.

Outras variáveis do mercado de trabalho —como os números de vagas em aberto, contratações e demissões— sugerem menor pressão salarial no futuro próximo. Com isso, torna-se mais palpável a esperada convergência da inflação para a meta oficial de 2% até o próximo ano.

Na visão já explicitada pelo Federal Reserve, a autoridade monetária americana, qualquer enfraquecimento adicional do mercado de trabalho não seria bem-vindo. Daí a indicação de que no dia 18 começará um ciclo de cortes da taxa básica, hoje no intervalo de 5,25% a 5,5% ao ano.

Os mercados financeiros já incorporam redução para cerca de 3% nos próximos 12 a 18 meses.
Menor restrição monetária nos EUA em geral favorece países emergentes, pois tende a estar associada (desde que não haja recessão) a queda das cotações do dólar e espaço para juros mais baixos no restante do mundo.

No Brasil, contudo, espera-se que o Comitê de Política Monetária decida por iniciar um ciclo de alta da Selic, hoje em 10,5% anuais. A discussão do colegiado parece estar centrada na intensidade da medida, se de 0,25 ou 0,5 ponto percentual.

Com a demanda interna aquecida (avanço de 4,7% no segundo trimestre, ante 2023), sobretudo pelo aumento desmesurado dos gastos públicos, sobem as projeções para a expansão do PIB deste ano, que chegam a 3% —e também as pressões inflacionárias.

As surpresas positivas na atividade em geral são boa notícia, mas a política econômica do governo petista parece querer apenas colocar mais lenha na fornalha da demanda, sem considerações sobre a sustentabilidade.

Uma das consequências é a alta da inflação esperada por analistas para este ano, já em 4,3%, muito acima da meta de 3%. Mais preocupante ainda é a elevação das expectativas para 2025, que se aproximam de 4%.

Isso ocorre mesmo diante dos aumentos da Selic para cerca de 12% já incorporados nas expectativas do mercado, claro sinal de que não se espera uma convergência fácil para a meta.

Não ajuda que o BC continue a se comunicar de forma confusa. Além da excessiva frequência, as falas dos membros do Copom passam dúvida sobre a real disposição de fazer o que é preciso para reduzir a inflação.

O custo é perda de credibilidade e juros mais altos do que o necessário se houvesse maior prudência na gestão das contas públicas e menos ruído nas mensagens da autoridade monetária.

Proteger quem defende o ambiente

Folha de S. Paulo

Brasil ocupa 2º lugar no ranking de ambientalistas mortos; é preciso resolver conflitos e punir culpados com celeridade

Enquanto o Brasil arde em incêndios florestais, dados mostram um cenário violento contra aqueles que defendem o ambiente no país.

Segundo relatório da ONG britânica Global Witness, divulgado no dia 9, o Brasil ficou em segundo lugar em número de assassinatos de pessoas que atuam nesse setor em 2023, com 25 mortos. No primeiro lugar nefasto, a Colômbia contabilizou 79; no mundo, foram 196 —ou mais de um ativista morto a cada dois dias.

Mesmo com redução de 26% no Brasil em relação a 2022, não há o que celebrar. Pelo segundo ano consecutivo, ocupamos a infame vice-liderança do ranking. Quando considerada a série histórica, de 2012 a 2023, as primeiras colocações se repetem: a Colômbia teve 461 mortos, e o Brasil, 401.

América Latina foi a região com mais ambientalistas mortos no ano passado —85% do total.

Os fatores que mais contribuem para a estatística local são os conflitos fundiários, que envolvem violações a direitos de povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, a exploração econômica da terra, por vezes ilegal e contestada, e a fiscalização deficitária por parte do Estado.

No mundo, 49% das mortes de defensores ambientais em 2023 foram de indígenas (85) e afrodescendentes (12).

Os números referentes ao Brasil no levantamento internacional foram fornecidos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que monitora conflitos no campo.

De acordo com a entidade, os embates quebraram recorde no Brasil em 2023, com 2.203 ocorrências. Desse total, 1.724 se trataram de disputas por terra. Tal número, possivelmente subnotificado, mostra que não é só a letalidade que preocupa, mas também expulsões, despejos, ameaças e destruição de bens.

Tampouco apenas ambientalistas vivem sob ameaça. Jornalistas, por seu papel fundamental na busca dos fatos em contextos de conflito, correm risco.

Na Amazônia, por exemplo, a ONG Instituto Vladimir Herzog registrou 230 casos de violência contra profissionais da imprensa nos últimos dez anos —entre eles, 9 homicídios. Um dos mais brutais foram os assassinatos do repórter britânico Dom Phillips e do indigenista brasileiro Bruno Pereira em 2022.

Um país que pretende ser exemplo internacional no tema ambiental tem o dever óbvio de conter a violência nesse setor. É preciso celeridade e eficiência no sistema de Justiça para resolver contendas fundiárias, respeitar os direitos dos povos indígenas e punir no rigor da lei os ataques contra ambientalistas.

Não foi por falta de aviso

O Estado de S. Paulo

Ofícios, notas técnicas, atas de reuniões e ações judiciais já avisavam dos riscos da seca e das queimadas. A catástrofe só confirma letargia de um governo de muito discurso e pouca ação

Se havia alguma dúvida sobre a letargia e a negligência do presidente Lula da Silva na administração da imensa crise ambiental do País, não há mais. Desde o início deste ano, o governo recebe alertas sobre os riscos da seca e das queimadas. Com essa leniência do Executivo, o Brasil assistiu ao avanço das chamas sobre o Pantanal, a Amazônia e o Cerrado, à destruição de lavouras em Estados como São Paulo e à dispersão da fumaça por pequenas e grandes cidades, com danos à saúde da população.

Documentos reunidos pelo Estadão mostram que ofícios, notas técnicas, atas de reuniões e processos judiciais já antecipavam os efeitos da estiagem e do fogo. O material ilustra bem, para dizer o mínimo, o descaso do governo. E o intolerável de tudo isso é saber que tantas perdas eram evitáveis ou poderiam ter sido minimizadas.

O cenário de catástrofe começou a ser desenhado no primeiro semestre. Especialistas já afirmavam que a seca antes da hora implicaria um quadro alarmante na reta final do ano, ainda mais devastador do que aquele registrado no governo de Jair Bolsonaro, aquele sobre quem recai a justa pecha de negacionista do clima e de inimigo da preservação.

Como mostrou o Estadão, o Ministério do Meio Ambiente publica desde fevereiro portarias com declaração de emergência ambiental e risco de incêndios em várias regiões do País. Além disso, enquanto a maior planície alagada do planeta era consumida pelo fogo, a ministra Marina Silva enviou, em junho, um ofício a Lula citando “emergência climática com alto risco de incêndios no Pantanal e na Amazônia”. Se a ministra esperava uma ação contundente do chefe, fracassou na empreitada.

O governo Lula recebeu, ainda, um pedido de socorro do governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil). Em ofício, o chefe do Executivo estadual solicitou ajuda para reduzir ou mesmo evitar os impactos causados por um “possível desastre”.

Já em ações judiciais, os avisos partiram de Ministérios Públicos, comunidades indígenas e organizações ambientais e aparentemente também foram ignorados. Relatório do Observatório do Clima, anexado a uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF), alertou que, no Pantanal, “a ausência de medidas rápidas, eficazes e contundentes contra o fogo levará à ruína o bioma”. O documento previu, ainda, seca “extremamente forte”, em agosto e setembro.

Especialistas ouvidos pelo Estadão expressaram inconformismo diante de tanta letargia do governo Lula da Silva. Trata-se de um sentimento bastante compreensível.

Como afirmou Pamela Gopi, estrategista da Frente de Justiça Climática do Greenpeace, “não dá para dizer que a situação não era esperada”, haja vista que “o governo tinha todos os indícios e informações para ter ações de mitigação e adaptação para este momento”. E, segundo o advogado Nauê Azevedo, especialista em litigância estratégica do Observatório do Clima, “vivemos um cenário de anomalia climática que já vinha sendo avisado havia muito tempo”.

O governo Lula diz que agiu, sim, mas não restam dúvidas de que faltou ao Executivo federal a antecipação de medidas, com mais rapidez e energia, promovendo ações firmes na prevenção e no combate às queimadas – criminosas ou não. Não bastam pajelança em anúncios tardios de enfrentamento do fogo nem a terceirização da culpa ao desmonte ambiental do governo anterior, ao El Niño, à La Niña, ao Congresso ou ao crime organizado.

O Brasil precisa de ações permanentes, e não apenas reativas, que sempre são adotadas pelo governo lulopetista apenas quando sob pressão. Um bom começo é colocar todas as estratégias de adaptação às mudanças climáticas dentro do Orçamento, sem malabarismos fiscais, para que a sociedade tenha previsibilidade dos efeitos dessa nova realidade e possa acompanhar o uso do dinheiro público no que é prioritário.

E nada mais prioritário do que o enfrentamento de eventos climáticos cada vez mais extremos. Que Lula da Silva e as demais autoridades públicas brasileiras passem do palavrório à ação.

A parábola do Comperj

O Estado de S. Paulo

Projeto petroquímico cercado de denúncias de desvio de dinheiro começa a operar 16 anos depois do início da obra, ainda como símbolo de uma era de afrontas à sociedade

Quando em 2006 Lula da Silva, então no final de seu primeiro mandato, lançou a pedra fundamental do Comperj, o projeto era anunciado como uma inovação tecnológica que revolucionaria a petroquímica nacional e faria do Brasil um exportador de derivados de petróleo. Orçado em cerca de US$ 6 bilhões, no ano seguinte o Comperj integrou o primeiro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como a aposta mais cara da segunda gestão lulopetista.

Mas a obra só começou de fato em 2008, já com o orçamento inflado para US$ 8,4 bilhões. Agora, 16 anos depois, a Petrobras anuncia o início das operações do polo que, de um grande parque industrial, minguou para uma unidade de processamento de gás natural do pré-sal, junto com unidades de produção de combustíveis e lubrificantes e duas térmicas. Mas a operação plena, como informou ao Estadão/Broadcast a diretora de Engenharia da companhia, Renata Baruzzi, está prevista apenas para 2029, incríveis 21 anos após o início da polêmica construção.

A Petrobras não fornece dados sobre qual será, afinal, o custo da epopeia do Comperj, mesmo na versão reduzida. Em 2017, quando o então ex-presidente Lula da Silva, numa de suas caravanas, voltou ao terreno da obra inacabada em Itaboraí, para fazer as críticas de praxe à Lava Jato, atribuiu à operação anticorrupção o abandono do projeto, que originalmente incluía até a construção de linhas de transmissão de energia.

Obviamente, não fez menção às irregularidades constatadas nos contratos entre a Petrobras e as empreiteiras responsáveis pela obra. Tampouco ao superdimensionamento do projeto para o qual a Petrobras adquiriu uma fazenda de 45 milhões de metros quadrados. Paulo Roberto da Costa, o diretor da estatal que ganhou notoriedade como o primeiro delator da Lava Jato, dizia que iria atrair ao Rio não só a petroquímica, mas uma nova indústria de bens de consumo, e alardeava um interesse que não se concretizava. Ao final, a aventura megalômana teve apenas a previsível parceria do BNDES além de um grupo privado.

Os desmandos foram tantos que até hoje não se conseguiu chegar a um cálculo exato dos prejuízos da aventura desvairada que foi a versão original. Um acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU) de fevereiro deste ano destaca que, entre os atos de gestão temerária praticados entre os anos de 2006 e 2015, provocou prejuízo a aprovação da transformação do projeto “orçado em US$ 8,4 bilhões na Fase II de desenvolvimento, para o Complexo Comperj, orçado em US$ 26,9 bilhões”.

O relatório do ministro Vital do Rêgo ressalta que a própria Petrobras informou ser “autora, seja individualmente, seja em conjunto com a União e/ou o Ministério Público Federal (MPF), em 32 ações de improbidade administrativa e atua como assistente de acusação do MPF em 85 ações penais, ações nas quais são pleiteados cerca de R$ 14 bilhões a título de ressarcimento e R$ 40 bilhões a título de multa”.

Não se sabe qual será o custo da obra após a retomada. Mas, além das conhecidas denúncias de fraudes e superfaturamento, chama a atenção o desperdício de dinheiro em razão da necessidade de pôr abaixo parte do que foi construído. “Vou ter de desfazer para depois fazer”, disse a executiva da Petrobras, explicando a dificuldade de calcular o orçamento.

O Comperj, que virou Gaslub na gestão Bolsonaro e agora foi rebatizado para Complexo de Energias Boaventura, é a expressão de uma era marcada por um sem-número de lançamentos de pedras fundamentais e “inaugurações” de obras inacabadas, projetos de custo exorbitante, uso indevido de recursos públicos, corrupção e pressão do governo sobre investidores privados.

Mas Lula da Silva, como se sabe, não se emenda. Decerto na expectativa de reescrever a história, quer fazer do Comperj um dos símbolos de sua vitória sobre a Lava Jato. No discurso lulopetista, foi a operação anticorrupção que atrapalhou a Petrobras e arruinou o desenvolvimento do País. Com a retomada e a inauguração do Comperj, Lula decerto considera que está reparando uma injustiça – ao custo de bilhões para todos os brasileiros.

Soberania do Júri não é relativa

O Estado de S. Paulo

STF cumpre Constituição ao autorizar prisão imediata de condenados pelo corpo de jurados

O País só tem a ganhar em termos de institucionalidade quando o Supremo Tribunal Federal (STF) deixa a política a cargo dos Poderes competentes e, como um colegiado, cumpre exemplarmente o seu papel de guardião maior da Constituição. Isso tem sido raro nestes tempos estranhos, como se sabe. Mas, quando acontece, é um bálsamo para corações republicanos.

Foi exatamente o que ocorreu no dia 12 passado, quando, por maioria de votos, o STF decidiu que os condenados pelo Tribunal do Júri podem ser presos imediatamente após a sessão de julgamento, sem prejuízo de eventual apelação ou pedido de habeas corpus, quando for o caso.

A decisão está em perfeita harmonia com a soberania dos veredictos do Tribunal do Júri consagrada pela Constituição em seu art. 5.º, XXXVIII, alínea c. Cinco dos 11 ministros acompanharam o entendimento do ministro-presidente, Luís Roberto Barroso, segundo o qual não há que se falar mais em presunção de inocência quando, de forma soberana, o corpo de jurados decide que o réu é culpado pelo crime doloso contra a vida que lhe foi imputado.

O STF se pronunciou sobre o tema ao julgar um Recurso Extraordinário interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina contra uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que considerou ilegal a prisão imediata de um homem condenado a 26 anos de prisão pelo Júri catarinense pelos crimes de feminicídio e posse irregular de arma de fogo. Na sessão, a Corte fixou a seguinte tese de repercussão geral: “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total da pena aplicada”.

A questão da pena era crucial nesse julgamento, tanto que foi o ponto que dividiu os ministros. Em 2019, ao aprovar o chamado “pacote anticrime”, o Congresso autorizou a antecipação do cumprimento da pena imposta aos condenados pelo Júri apenas quando ela fosse superior a 15 anos. Corretamente, a maioria dos ministros do STF considerou que essa parte do art. 492 do Código de Processo Penal (CPP) é inconstitucional, pois relativiza a soberania dos veredictos do Júri.

De fato, não há soberania “relativa”. Quando o conselho de sentença, formado por sete cidadãos sorteados para cada sessão de julgamento, conclui pela culpabilidade do réu, não importa a dosimetria da pena que lhe será imposta pelo presidente do Tribunal do Júri no que concerne à presunção de inocência, que já foi afastada. Nesse sentido, a alteração no art. 492 do CPP aprovada pelo Congresso não se coadunava com o art. 5.º da Lei Maior e deveria mesmo ser declarada inconstitucional.

Nesses últimos cinco anos, o STF tem corrigido alguns dispositivos do tal “pacote anticrime”, que, a pretexto de supostamente aumentar a segurança da população, representavam violações flagrantes de direitos e garantias fundamentais dos acusados, em total descolamento dos princípios que regem o Estado Democrático de Direito.

Ao mesmo tempo que traz paz para as famílias das vítimas de crimes dolosos contra a vida, o STF também traz alento para os que anseiam por ver a Corte circunscrita à sua missão constitucional.

 

 

 

 

 

 

 

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