quinta-feira, 26 de setembro de 2024

Pedro Cavalcanti e Renato Fragelli - Produtividade: reformas e obstáculos

Valor Econômico

O impacto da reforma trabalhista sobre a PTF indica os possíveis caminhos a seguir para se superar o baixo crescimento

Nesta última segunda feira (23), o Valor publicou duas matérias sobre produtividade no Brasil. Nelas tem-se um diagnóstico recente de baixo crescimento, mas também indicações de caminhos alternativos com grande potencial para reverter o quadro atual.

A primeira matéria (“Produtividade perde fôlego e recua no 2º tri”) debruça-se sobre dados recentes do Observatório de Produtividade Regis Bonelli do Ibre-FGV. Tanto no curto quando no médio prazos aponta-se para uma estagnação da produtividade. No curto prazo, o produto (valor adicionado) por hora efetivamente trabalhada caiu 0,3% no trimestre passado. Isso sugere que o bom desempenho no primeiro semestre de 2023 foi atípico, impulsionado principalmente pelo crescimento excepcional da produtividade na agropecuária. Desde então, a produtividade agregada tem perdido força, culminando na queda registrada no trimestre recente.

No médio prazo o problema está no baixíssimo crescimento observado desde antes da pandemia, apenas 1,5% acumulado no período. O ganho espetacular em 2020, um efeito composição devido a saída do mercado de trabalho dos trabalhadores informais e outros trabalhadores pouco produtivos, foi devolvido com as perdas também espetaculares nos dois anos seguintes. O Brasil está, em essência, estagnado.

A boa notícia vem da matéria “Reforma de 2017 elevou indicador, aponta FMI”. Segundo um estudo do FMI, a reforma trabalhista do governo Temer teria aumentado a produtividade total dos fatores (PTF) de um grupo representativo de empresas em 5%, sendo que, para empresas intensivas em trabalho, o aumento foi de 15%. A PTF é uma medida de eficiência amplamente utilizada pelos economistas, pois considera não apenas a contribuição do trabalho, mas também de outros fatores, como o capital físico. Um aumento de 15% em um período tão curto é bastante significativo. Contudo, o crescimento da PTF nessas empresas, em meio à estagnação da produtividade do trabalho agregado, indica que diversos outros fatores estão impedindo que o impacto positivo da reforma se propague pela economia como um todo.

Microrreformas e mudanças institucionais, como a reforma trabalhista de 2017, possuem grande impacto sobre a economia. A reforma reduziu a judicialização das relações trabalhistas, proporcionando mais segurança a investimentos e contratações. Como resultado, a eficiência das empresas mais beneficiadas cresceu substancialmente.

A evidência internacional demonstra que o crescimento de longo prazo ocorre principalmente por meio da expansão da produtividade, especialmente mediante crescimento da PTF, com a evolução do capital humano em um não muito distante segundo plano. O crescimento da PTF, por sua vez, decorre de reformas institucionais, melhoria do ambiente de negócios e microrreformas. Assim, a estagnação da produtividade do trabalho no Brasil constitui uma péssima notícia para as perspectivas de médio e longo prazo. O impacto da reforma trabalhista sobre a PTF indica os possíveis caminhos a seguir para se superar o baixo crescimento.

O atual governo tem adotado uma postura contraditória em relação a essas questões. De um lado, promoveu uma reforma tributária sobre o consumo com potencial significativo de reduzir distorções e aumentar a eficiência alocativa. Diversos estudos econométricos preveem que a reforma promoverá o crescimento e a produção, como sugere a boa teoria. Evidentemente, o “diabo está nos detalhes”: um número excessivo de exceções e uma alíquota padrão elevada tendem a comprometer parcialmente os ganhos almejados. Mas as perspectivas são otimistas. Trata-se de uma microrreforma clássica que pode elevar de forma permanente a taxa de crescimento da economia.

Voltar a beneficiar o setor naval sem previsão de inovação ou meta de produtividade é abraçar com gosto o atraso

Na direção oposta, a expansão dos gastos públicos agravou o já elevado desequilíbrio fiscal, forçando o Tesouro Nacional a pagar taxas de juros cada vez mais altas ao refinanciar os títulos públicos que vencem. O teto de gastos de Temer foi substituído por um novo arcabouço fiscal focado no aumento da carga tributária, o que reduziu a rentabilidade dos negócios e a segurança jurídica, esta marcada por certa arbitrariedade nas decisões tributárias. A elevação dos gastos públicos levou a economia a operar no limite de sua capacidade produtiva, pressionando a inflação e forçando o Banco Central a aumentar a taxas de juros. São medidas que desestimulam investimentos e, consequentemente, o crescimento econômico.

Além disso, a política industrial anunciada repete erros do passado que não geraram crescimento sustentável significativo. Embora os recursos sejam agora muito menores, já na semana passada buscou-se beneficiar o setor naval - sempre ele - via criativas formas de subsídios que, por enquanto, foram barradas pelo TCU. Em um mundo onde o setor de serviços é dominante, voltar a beneficiar um setor industrial sem qualquer previsão de inovação ou metas de produtividade é abraçar com gosto o atraso.

Apesar dos indicadores de produtividade desanimadores, os caminhos para reverter essa situação são conhecidos. O governo promove tanto reformas quanto contrarreformas e distorções. Um maior entusiasmo pelas reformas corretas, e bem menos pelas contrarreformas, seria um bom ponto de partida.

 

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