CartaCapital
As cinco rotas de integração do Brasil à
América do Sul
Reconstrução e integração. Essas duas
expressões definem a trajetória de uma agenda fundamental para o Brasil nos
últimos 18 meses. Por lamentável decisão da administração anterior, o
Ministério do Planejamento havia sido extinto, bem como o instrumento de
coordenação voltado para a integração sul-americana. O presidente Lula decidiu,
no seu primeiro ato, pela recriação da pasta e, desde maio do ano passado, a
integração do nosso continente passou por uma retomada fundamental na agenda de
governo.
A importância da integração regional, que povoava os pensamentos e os sonhos, em meados do século passado, de economistas renomados do nosso continente, como Raúl Prebisch e Celso Furtado, agora passa a ser modernizada e atualizada. A agenda contempla não somente as obras de infraestrutura, mas outros assuntos de destaque ao longo do tempo, como a mudança climática, a transição energética, os avanços da ciência e da tecnologia, além das características do recinto aduaneiro e policial e da devida valorização do turismo.
Era preciso derrubar a ideia de as fronteiras
continuarem a se constituir, unicamente, embora sem que o negue, em sinônimo de
problema, em especial no comércio ilegal de armas e drogas. A América do Sul é
uma vizinhança composta por doze países de potência econômica, cultural e
ambiental (nações amazônicas,
variedade de microclimas, quantidade de água, diversidade de solo, entre
outros). Era preciso levar em conta que o conjunto de interesses individuais
não necessariamente forma uma integração, sob pena de permanecer (ou até
recrudescer), unicamente, a concorrência, não raras vezes desagregadora e
predatória na região.
Daí nasceu o “consenso de Brasília”, quando,
a convite do Brasil, todas as lideranças políticas dos países sul-americanos
reforçaram a consciência da necessidade de agirem em conjunto – em
infraestrutura, facilitação de comércio, turismo, segurança de fronteira,
comunicações e diversos outros temas. Na sequência, o MPO criou um comitê
interno para tratar do assunto, que trabalhou ativamente com a federação
brasileira, Ipea, IBGE e demais ministérios.
A partir de dezembro de 2023, estabelecemos
diálogo com todos os ministros de Economia de cada um dos países
sul-americanos, além de empresários, movimentos sociais e outros segmentos da
população dos estados e municípios diretamente ligados ao assunto. Isso
incluiu, evidentemente, as representações políticas no Congresso, seja em
audiências públicas, seja em reuniões no MPO.
O consenso deu um passo além, na direção dos
propósitos comuns. Nessa caminhada se definiram as cinco rotas de integração
entre o Brasil e nossos vizinhos, de dimensão multimodal: hidrovias, rodovias,
infovias (fibra óptica), portos, linhas de transmissão elétrica, ferrovias e
aeroportos. Identificamos várias obras com caráter direto de integração,
espalhadas nos estados de fronteira e inseridas do Novo PAC, coordenado pela
Casa Civil. O trabalho alicerçou-se também na escuta ativa de cada um dos onze
estados brasileiros da fronteira: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Pará, Paraná, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima e Santa
Catarina.
Três rotas passam pelo norte do Brasil, além
do norte do Centro-Oeste (Rota 1, Ilha das Guianas; Rota 2, Amazônica; Rota 3,
Quadrante Rondon) e duas englobam a parte mais ao sul de nosso território (Rota
4, Bioceânica de Capricórnio; Rota 5, Porto Alegre-Coquimbo). Com elas,
estabelecemos conexões diretas com todos os países do subcontinente. Vale dizer
que essa integração se completa na interiorização dos traçados no território
nacional, envolvendo todos os demais estados, por meio de ferrovias, hidrovias e
rodovias existentes, o que deverá resultar em ganhos de produtividade e de
renda, por meio de redução de tempo de viagem e dos custos logísticos.
Uma rota não “briga” com a outra. O sucesso
da saída mais ao leste, como a pavimentação da rodovia BR-156 no Amapá,
fronteira com a Guiana Francesa, não atrapalhará, por exemplo, o escoamento de
produtos na perna mais ao leste, como Tabatinga, no Amazonas. Ao contrário: as
rotas estão interligadas entre si por meio de hidrovias, rodovias e ferrovias,
além, é claro, da possibilidade de voos entre os estados e os países vizinhos.
Já numa etapa do caminho da realização,
levantamos uma carteira de financiamento facilitado para obras complementares,
com 10 bilhões de dólares, contados os recursos do BID, CAF, Fonplata e BNDES. Esse dinheiro
começou a ser empregado e a parte do BNDES é especificamente direcionada ao
Brasil.
Os projetos vão gerar emprego e renda e abrir
novos mercados aos países
Vamos, agora, colocar de pé a nova Comissão
Interministerial para a Infraestrutura e Planejamento da Integração da América
do Sul, inovação criada pelo presidente Lula para acompanhar o andamento das
iniciativas e buscar soluções administrativas mais rápidas quando necessário,
envolvendo desde a aduana, em parceria com a Receita Federal, Anvisa, Vigiagro
(Ministério da Agricultura e Pecuária), até a segurança, com a Polícia Federal
e a Polícia Rodoviária Federal.
O Brasil mudou e a América do Sul se
transformou. Nossas parcerias podem – e devem – ser mais ativas do que são
hoje. Os vizinhos, que somam 200 milhões de habitantes, o equivalente a um
Brasil inteiro, são potenciais mercados consumidores de nossos bens e serviços.
Também são produtores de bens que podem beneficiar a nossa população. Ademais,
o País tem exportado cada vez mais para parceiros asiáticos, como a China. Ao
nos aproximarmos do Oceano Pacífico, estaremos, portanto, necessariamente mais
próximos justamente daqueles que têm comprado o que vendemos.
Por fim e por finalidade, as rotas de
integração se constituirão em instrumento de realização de um propósito que, a
meu ver, deve ser comum e prioritário. Segundo a ONU, a América do Sul tem 159
milhões de seres humanos na trágica situação de insegurança alimentar moderada
ou grave. Somada a América Latina e o Caribe, são 250 milhões. Falamos de uma
região que carrega em si a nada honrosa situação de maior desigualdade social
do planeta. Quando ativadas, essas rotas permitirão avanços estruturais na geração
de empregos diretos (construção civil, prestação de serviços, comércio
varejista, turismo) e indiretos (novos caminhos de escoamento da produção do
agronegócio e da indústria). Com isso, também se constituirão em ações de
integração entre a economia e a cidadania.
Trata-se, portanto, de uma agenda histórica, hoje reconstruída, e que avançará ainda mais. Com escuta ativa, transparência e coordenação, a retomada da integração sul-americana agora veio para ficar. Deu asas aos pensamentos. E vai realizar os sonhos.
*Ministra do Planejamento e Orçamento.
Publicado na edição n° 1328 de CartaCapital,
em 18 de setembro de 2024.
Que bom!
ResponderExcluirQue vergonha Simone!
ResponderExcluirAbraçou a “frente ampla democrática”, avança sobre o $ do pagador de impostos para aliviar a incompetência do seu governo
agora está com as mãos sujas e o eleitor não vai se esquecer disso….
Muito bom! Bolsonaro e Ernesto Araújo nos transformaram em párias mundiais. Bolsonaro só queria conversa com Trump (que tentou golpe nos EUA e perdeu o poder), Putin (a quem visitou 1 dia antes da Rússia invadir a Ucrânia) e Orbán. EUA e Europa não queriam conversa com um genocida.
ResponderExcluirLula e Tebet sempre pregaram a integração do Brasil com a América do Sul. Agora, tentam ampliar e estabelecer isto, com PLANEJAMENTO, palavra que no DESgoverno anterior só era usada pra TENTAR O GOLPE MILITAR!