O Globo
Enquanto incêndios e estiagem afetam ambiente, saúde e economia, parlamentares estão envolvidos com uma agenda que só interessa a eles
O Congresso adora se queixar de que os demais
Poderes, quase sempre o Judiciário, atropelam suas atribuições e legislam em
seu lugar. Mas onde está o Parlamento brasileiro no momento em que quase todo o
território nacional está debaixo de fogo ou de fumaça carregada por esses
incêndios, com graves consequências para o meio ambiente, a saúde pública e a
economia? Está envolvido demais em suas próprias pautas, que em nada interessam
ao conjunto da sociedade.
Não bastasse o segundo semestre ter sido decretado um grande ponto facultativo em razão das eleições municipais, nas poucas semanas em que se dignaram a bater ponto em Brasília, os congressistas decidiram reduzir a pauta a resolver o problema das emendas, a conchavos para a sucessão nas mesas da Câmara e do Senado e à agenda pessoal de Jair Bolsonaro. Nada mais descolado da realidade de um país que assiste a rios secarem e tem dificuldade para respirar.
A terça-feira não poderia ter sido mais
sintomática desse descolamento da realidade por parte do Legislativo. Enquanto
Lula se deslocava à Amazônia com uma caravana de ministros, e o ministro Flávio
Dino, do Supremo Tribunal Federal, determinava ações para o Executivo — em mais
uma dessas bolas divididas que têm se tornado mais e mais frequentes —, os
deputados passaram o dia envolvidos em fofoca e numa tentativa canhestra por
parte da extrema direita de aprovar um projeto de anistia aos golpistas do 8 de
Janeiro.
Claro que o foco não são os executores do
vandalismo que tomou de assalto as sedes dos três Poderes no início de 2023,
mas os mandantes, financiadores e idealizadores dos atos, cujo julgamento está
para acontecer. Em resumo, Bolsonaro e aqueles que, ainda na Presidência, ele
arregimentou para um plano continuado de desestabilização do processo eleitoral
e da transição de poder.
Depois de tomar para si o 7 de Setembro,
transformado numa espécie de evento fixo do calendário de culto à
personalidade, Bolsonaro enxergou noutra discussão alheia aos interesses da
maioria da população, a troca de guarda no comando das duas Casas do Congresso,
a oportunidade de encaixar a anistia para si e para os seu
Resolveu passar a chantagear os candidatos à
presidência da Câmara, atrelando os votos de seu partido, o PL, à promessa de
um dos postulantes ao cargo de Arthur Lira de que votará o trem da alegria para
os golpistas. Com isso, bagunçou o coreto de Lira e do governo, que vinham
apostando em relativa tranquilidade para construir maioria em torno do nome de
Hugo Motta, do Republicanos, um azarão que correu por fora na disputa pela
valiosa cadeira.
Diante das cenas cada vez mais flamejantes de
um país que arde, e das consequências graves para o fornecimento de energia
elétrica e para as lavouras e pastagens, para ficar apenas em alguns setores
que sofrem com os incêndios e a estiagem, os senhores parlamentares deverão
começar a falar do assunto que até aqui desprezaram nos próximos dias, essa é
uma certeza. Mas então já estará evidenciado o efeito nefasto da paulatina
transformação do Congresso Nacional numa caixa de ressonância pura e simples da
polarização ideológica, que tem capturado os debates e relegado ao segundo
plano assuntos urgentes, sobretudo neste ano.
Enquanto a pauta negacionista e golpista
galopa no Salão Verde, cabe, de novo, a um ministro do Supremo tomar decisões.
As medidas determinadas por Dino, desta vez, incomodam também o governo, que
tem de executá-las. Mas é o tal negócio: não existe vácuo de poder. E, diante
de uma situação cada vez mais evidente de que a emergência climática virou tema
permanente, alguns parecem ter acordado mais rapidamente que outros.
Excelente análise, críticas muito acertadas e contundentes!
ResponderExcluirExecutivo, Congresso e parte do STF: ninhos de cobras.
ResponderExcluir😏😏😏
É tudo verdade.
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