Folha de S. Paulo
Tarde demais. Marçalizaram o debate eleitoral
Durante os anos em que os cidadãos recorriam
majoritariamente à televisão para obter informações políticas essenciais às
suas decisões eleitorais, três formatos principais foram desenvolvidos e
explorados para que os candidatos pudessem se apresentar diretamente ao
público: debates televisivos, horário de propaganda eleitoral gratuita e
entrevistas diretas, sem edição.
Esses três formatos representam diferentes
maneiras de lidar com a tensão entre jornalismo e campanhas eleitorais. Na
entrevista direta, o jornalismo tem o controle, propondo as perguntas,
estabelecendo o tom da conversa e regulando o tempo das respostas. Na
propaganda eleitoral, o controle é totalmente das campanhas, exceto pelos
limites legais. Já os debates eleitorais são espaços de negociação entre os
interesses em disputa, onde o equilíbrio de forças entre jornalismo e campanha
varia consideravelmente de acordo com o país, a época e a emissora.
Quando o jornalismo se impõe —com maior controle sobre os temas, regras rígidas de comportamento e sistemas de checagem em tempo real— as campanhas reclamam que os debates são "engessados". Por outro lado, quando as campanhas conseguem impor maior liberdade e flexibilidade, é a vez de os jornalistas e a opinião pública reclamarem que os candidatos desvirtuaram os debates, usaram deliberadamente o espaço para performances e mentiras, "baixaram o nível" e não informaram o eleitor.
Embora a era da televisão tenha ficado para
trás, a era digital não facilitou as coisas.
Primeiro, porque a maioria das pessoas não
depende mais dos debates para conhecer os candidatos. Está tudo online, em
vídeos, entrevistas, reportagens de jornais e posts. E tudo o que está online
pode ser movimentado digitalmente para fins de propaganda. Quando as pessoas se
expõem ao debate, já têm uma opinião formada sobre as candidaturas que lhes
interessam para aderir ou odiar.
Segundo, porque é também uma era de extrema
politização, sinônimo de radicalização e polarização. As pessoas sempre têm
lado, sobre qualquer questão, decidido por antagonismo ao "outro
lado". Quem assiste a um debate eleitoral não chega aberto a formar uma
opinião nova ou a mudar de preferência a partir do que vai ver, como crê a
mitologia democrática; veio para confirmar que o outro lado realmente não
presta e para ver seu candidato dar uma surra nele.
O último debate entre candidatos à Prefeitura
de São Paulo, promovido pela Gazeta e pelo MyNews, ilustra bem essa realidade.
Embora o jornalismo tenha se esforçado para estruturar a interação entre os
candidatos e impor uma pauta de questões substantivas, os jornais do dia
seguinte destacaram que o debate havia se transformado em uma "luta na
lama" sem precedentes, porque os blocos em que os políticos interagiram
foi um vergonhoso ringue de insultos, palavrões, provocações e trocas de
acusações.
Marçal tem absoluta autoconsciência desse
perfil de assistência aos debates. Disse-o com toda clareza: "Eu gosto de
baixaria, eu gosto do que vocês estão fazendo aqui". Para ele é claro que
"aqui não é um jogo de quem tem as melhores propostas", mas para ver
quem mais aguenta porrada. "Isto aqui é só teatro".
Foi de fato nesse modelo que o debate
transcorreu. De uma parte, a mediadora, os jornalistas escalados para perguntar
e, justiça seja feita, Tabata Amaral,
que não quis jogar o jogo, tentando crer que do outro lado da tela tinha um
eleitor que precisava ver um debate de ideias, propostas e personalidades para
tomar uma decisão eleitoral.
Na outra frente, Marçal estava ali para gerar
os tais cortes —das frases de efeito, dos apelidos ofensivos, das suas mímicas
e da fúria provocada nos outros candidatos— para a campanha de verdade, a
digital, pois entendeu que o público já escolheu um lado e ele precisa apenas
reforçar as deixas que as pessoas usam para aderir ou odiar.
Juntaram-se a ele Nunes, Datena e
Boulos, que praticamente reduziram o debate a uma sucessão de acusações
recíprocas, palavrões e apelidos depreciativos.
Se você acreditar no que esses debatedores
disseram uns dos outros, decerto se terá convencido de que praticamente apenas
bandidos se candidataram neste ano. Suas opções são um "ladrãozinho de
creche", "um invasor sem-vergonha", "um golpista do Pix e
ladrão de velhinhas" e um "gagá comedor de açúcar".
Enquanto isso, Tabata e quem ainda estava
lúcido nessa cidade naquela noite imploravam em desespero pelo que Denise
Toledo, a mediadora, verbalizou quase como súplica: "Por favor, respeitem
um ao outro".
Tarde demais. Marçalizaram o debate
eleitoral.
Excelente! Realmente, a marçalização da campanha eleitoral paulistana atinge níveis inimagináveis. Mas as opções NÃO são só um "ladrãozinho de creche", "um invasor sem-vergonha", "um golpista do Pix e ladrão de velhinhas" e um "gagá comedor de açúcar". Há uma candidata feminina, humana, sensível e inteligente, sem qualquer questionamento à sua honestidade e que tem atuado eticamente à beira deste esgoto em que os 4 supostos machos se engalfinham.
ResponderExcluirFecho com o Anônimo acima.
ResponderExcluir👍🏻
É isso. Também fechado com ambos.
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