quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Zeina Latif - Fraqueza política, despreparo e negacionismo

O Globo

Nossas políticas habitacionais, ineficientes, não são a solução. Mercado financeiro é mais desenvolvido e dá maior acesso ao crédito

Apesar dos bons resultados na economia, o sentimento dos agentes econômicos não é de maior confiança no governo. Pelo contrário. Destaco duas frentes de preocupação que prejudicam o investimento privado.

A mais recente é a inoperância na questão ambiental, apesar de ser um foco de atenção, inclusive de países interessados no investimento e no comércio com o Brasil. E sem bons programas, como contar com a ajuda financeira de países ricos?

Diante do risco crescente de eventos climáticos extremos, a capacidade dos governos de implementar políticas de adaptação e mitigação — com fonte de financiamento adequada — torna-se, cada vez mais, um fator relevante para atrair o investimento privado. Afinal, como investir em áreas mais vulneráveis a eventos extremos?

No Brasil, não se notam avanços concretos nessa agenda e, pior, as ações emergenciais praticamente inexistem.

Houve muitos alertas de especialistas, dentro e fora do país, para o risco de seca e queimadas este ano, especialmente depois das enchentes no Rio Grande do Sul. Seriam eventos correlacionados. A própria ministra Marina Silva, no início de junho, alertou para o risco de grandes incêndios no período de estiagem.

Não houve, porém, planejamento do governo e, tampouco, reação ao desastre instalado.

A resposta veio do Supremo Tribunal Federal. O ministro Flávio Dino determinou que a União mobilize agentes das Forças Armadas, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Força Nacional e da fiscalização ambiental para atuar no combate aos incêndios. Posteriormente, Dino determinou a contratação imediata de mais bombeiros.

Mesmo que, porventura, a decisão do ministro tenha sido acordada com o governo, ela alimenta a percepção de letargia e despreparo do Executivo federal.

A proposta de criação de uma autoridade climática, além de atrasada, não seria a resposta para o quadro de emergência atual. Nada se ouve de mais concreto, com ações coordenadas entre órgãos relevantes e com as esferas subnacionais.

Na Austrália, país que sofre muito com as queimadas, a ação coordenada é uma realidade. A avaliação é que o modelo centralizado é menos eficiente nessas situações, envolvendo maior dispersão de gastos e piores resultados.

Terreno preparado, o ministro Dino autorizou a exclusão das despesas associadas ao combate às queimadas da regra de gastos do arcabouço fiscal, o que livra o governo de cortar outras despesas para cumprir a regra e para atingir a meta de zerar o déficit. A autorização de créditos extraordinários é prerrogativa do Congresso e, mesmo com o envio de medida provisória sobre o tema, a decisão de Dino sugere um governo fraco politicamente.

Temos aqui a ponte para a preocupação de sempre: o baixo compromisso com o ajuste das contas públicas, um fator central a prejudicar a confiança no governo.

O problema desse gasto extra fora do teto do arcabouço é que ele vem na esteira de outras medidas na mesma direção. Estão fora da meta parte dos precatórios, o programa Pé-de-Meia e a ampliação do auxílio-gás — fora o socorro ao RS.

Vale lembrar que há uma margem de tolerância de 0,25% do PIB na meta fiscal para lidar com imprevistos, mas que já está comprometida com gastos não obrigatórios que deveriam ser reavaliados.

Não se deve abusar da regra de gastos emergenciais fora do teto. Afinal, se nada se faz para evitar acidentes, tudo vira emergencial.

A forma como o governo pretende entregar a meta de zerar o déficit público importa. O faz de conta pode até evitar os gatilhos de contenção de despesas adiante, caso a meta seja descumprida. Porém, não afasta a percepção de baixo compromisso com a responsabilidade fiscal. Um bom começo será apoiar a revisão de gastos proposta pelo Planejamento.

É preciso criar espaço no orçamento para lidar com questões ambientais e eventos extremos. E o que se tem hoje é a expansão de gastos, muitos de baixa qualidade.

Há um certo negacionismo quanto às consequências do regime fiscal frágil — aquele que não consegue gerar confiança nos agentes econômicos de que ajustes virão e, no futuro, será possível conter a dívida pública como proporção do PIB. As consequências, porém, são concretas, com os juros mais elevados, os do Banco Central e os negociados no mercado.

Fico mais tranquila quando vejo gestores públicos preocupados. Sem isso, preocupados ficamos todos nós.

 

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