O Globo
Nossas políticas habitacionais, ineficientes,
não são a solução. Mercado financeiro é mais desenvolvido e dá maior acesso ao
crédito
Apesar dos bons resultados na economia, o
sentimento dos agentes econômicos não é de maior confiança no governo. Pelo
contrário. Destaco duas frentes de preocupação que prejudicam o investimento
privado.
A mais recente é a inoperância na questão
ambiental, apesar de ser um foco de atenção, inclusive de países interessados
no investimento e no comércio com o Brasil. E sem bons programas, como contar
com a ajuda financeira de países ricos?
Diante do risco crescente de eventos
climáticos extremos, a capacidade dos governos de implementar políticas de
adaptação e mitigação — com fonte de financiamento adequada — torna-se, cada
vez mais, um fator relevante para atrair o investimento privado. Afinal, como
investir em áreas mais vulneráveis a eventos extremos?
No Brasil, não se notam avanços concretos nessa agenda e, pior, as ações emergenciais praticamente inexistem.
Houve muitos alertas de especialistas, dentro
e fora do país, para o risco de seca e queimadas este ano, especialmente depois
das enchentes no Rio Grande do Sul. Seriam eventos correlacionados. A própria
ministra Marina Silva, no início de junho, alertou para o risco de grandes
incêndios no período de estiagem.
Não houve, porém, planejamento do governo e,
tampouco, reação ao desastre instalado.
A resposta veio do Supremo Tribunal Federal.
O ministro Flávio Dino determinou que a União mobilize agentes das Forças
Armadas, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária Federal, da Força Nacional e
da fiscalização ambiental para atuar no combate aos incêndios. Posteriormente,
Dino determinou a contratação imediata de mais bombeiros.
Mesmo que, porventura, a decisão do ministro
tenha sido acordada com o governo, ela alimenta a percepção de letargia e
despreparo do Executivo federal.
A proposta de criação de uma autoridade
climática, além de atrasada, não seria a resposta para o quadro de emergência
atual. Nada se ouve de mais concreto, com ações coordenadas entre órgãos
relevantes e com as esferas subnacionais.
Na Austrália, país que sofre muito com as
queimadas, a ação coordenada é uma realidade. A avaliação é que o modelo
centralizado é menos eficiente nessas situações, envolvendo maior dispersão de
gastos e piores resultados.
Terreno preparado, o ministro Dino autorizou
a exclusão das despesas associadas ao combate às queimadas da regra de gastos
do arcabouço fiscal, o que livra o governo de cortar outras despesas para
cumprir a regra e para atingir a meta de zerar o déficit. A autorização de
créditos extraordinários é prerrogativa do Congresso e, mesmo com o envio de
medida provisória sobre o tema, a decisão de Dino sugere um governo fraco
politicamente.
Temos aqui a ponte para a preocupação de
sempre: o baixo compromisso com o ajuste das contas públicas, um fator central
a prejudicar a confiança no governo.
O problema desse gasto extra fora do teto do
arcabouço é que ele vem na esteira de outras medidas na mesma direção. Estão
fora da meta parte dos precatórios, o programa Pé-de-Meia e a ampliação do
auxílio-gás — fora o socorro ao RS.
Vale lembrar que há uma margem de tolerância
de 0,25% do PIB na meta fiscal para lidar com imprevistos, mas que já está
comprometida com gastos não obrigatórios que deveriam ser reavaliados.
Não se deve abusar da regra de gastos
emergenciais fora do teto. Afinal, se nada se faz para evitar acidentes, tudo
vira emergencial.
A forma como o governo pretende entregar a
meta de zerar o déficit público importa. O faz de conta pode até evitar os
gatilhos de contenção de despesas adiante, caso a meta seja descumprida. Porém,
não afasta a percepção de baixo compromisso com a responsabilidade fiscal. Um
bom começo será apoiar a revisão de gastos proposta pelo Planejamento.
É preciso criar espaço no orçamento para
lidar com questões ambientais e eventos extremos. E o que se tem hoje é a
expansão de gastos, muitos de baixa qualidade.
Há um certo negacionismo quanto às
consequências do regime fiscal frágil — aquele que não consegue gerar confiança
nos agentes econômicos de que ajustes virão e, no futuro, será possível conter
a dívida pública como proporção do PIB. As consequências, porém, são concretas,
com os juros mais elevados, os do Banco Central e os negociados no mercado.
Fico mais tranquila quando vejo gestores
públicos preocupados. Sem isso, preocupados ficamos todos nós.
Fato.
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