Em São Paulo não deu a lógica. A lógica seria um segundo turno entre Boulos e Marçal. Nunes fez uma gestão medíocre e os paulistanos queriam mudança. Mas tudo indica que o próprio Marçal se tirou do segundo turno ao publicar um laudo falso a respeito de Boulos. Recebeu uma saraivada de ataques vinda de todos os lados. A grande imprensa se engajou ativamente nessa ofensiva. A diferença entre Nunes e Marçal ficou em torno de 80 mil votos. De tanta esperteza, Marçal morreu pela sua burrice.
A tarefa de Boulos no segundo turno não será fácil. Não basta atrair os votos de Tábata. Terá que ganhar votos de Marçal e/ou tirar votos de Nunes. A campanha de Boulos cometeu alguns erros significativos no primeiro turno. Construiu-se um candidato ambíguo, com propostas genéricas. A falta de uma identidade de perfil e de programa gerou uma adesão pouco empolgante.
Uma campanha eleitoral tem três grandes
elementos: defesa, ataque e projeção de reputação. No início, Boulos ficou
numa posição defensiva, que quase nunca é confortável. Depois passou para o
ataque. O elemento importante para construir o segundo turno – projeção de
reputação – ficou negligenciado. Essa projeção se compõe de dois elementos: 1)
ênfase nos valores e virtudes do candidato e, 2) ênfase em propostas
persuasivas e resolutivas das demandas dos eleitores.
Ao longo dos anos, as esquerdas deram mais importância ao
marketing e menos às estratégias. Isto tem produzido campanhas insossas e
resultados ruins. Se quiser mudar este quadro, Boulos terá que fazer
uma campanha mais incisiva, mais combativa, mais confrontatória e mais
mobilizadora.
No quadro geral do país, os grandes
vencedores foram os partidos de centro-direita. O PSD conquistou 867
prefeituras, contra 656 em 2020. O MDB aparece com 832, contra 793 há
quatro anos. Em terceiro surge o PP com 734 prefeitos eleitos no
primeiro turno. Em 2020 tinha eleito 682. O partido Republicanos foi
de 213 prefeituras para 419. O PL cresceu, elegendo cerca de 500
prefeitos, mas ficou longe da meta de 1500 prefeituras. Já o PT passou
de 182 prefeituras conquistadas em 2020 para 238 no primeiro turno.
Nas capitais, 11 prefeitos foram eleitos no
primeiro turno, sendo 10 reeleitos. Desses, somente João Campos (PSB)
é do campo progressista. O segundo turno será disputado em 15 capitais, sendo
que em nove delas terão candidatos do PL. O PT estará presente
em quatro.
Das 103 cidades que poderiam ter segundo
turno, 50 já elegeram os prefeitos no primeiro turno. O PT conseguiu
conquistar duas prefeituras, com duas candidatas, – em Contagem e
em Juiz de Fora. No ABC conseguiu passar para o segundo turno
também em apenas duas cidades: Diadema e Mauá. Em Osasco,
mesmo com a candidatura do ex-prefeito Emidio de Souza, o partido foi
derrotado no primeiro turno por Gerson Pessoa (Podemos). Em Guarulhos,
depois de fechar as portas para o petista histórico, Elói Pietá, o PT amargou
um quarto lugar com Alencar Almeida. Já Pietá, agora no Solidariedade,
está no segundo turno. Quer dizer: o cinturão vermelho das origens do petismo não se refez.
Em Belém, o prefeito Edmilson Rodrigues (PSOL), que buscava a reeleição,
sequer foi para o segundo turno. O partido estará no segundo turno em São
Paulo e em Petrópolis. A Rede elegeu quatro prefeitos e
o PSOL nenhum no primeiro turno. Somente uma vitória de Boulos poderá
tirar o PSOL de um desempenho desastroso.
Todo esse quadro revela uma dolorosa e
medíocre situação das esquerdas no Brasil. As esquerdas estão
sem estratégia. Apresentam propostas quase sempre como receituários
formalísticos e vazios de conteúdo. Já não são detentoras da paternidade dos
programas sociais compensatórios. Qualquer partido os adota e os implementa em
suas administrações.
As esquerdas não têm alternativas
programáticas para a teologia da prosperidade dos evangélicos e para o discurso
do empreendedorismo nas periferias a la Marçal. Perderam o voto
cativo dos pobres.
As esquerdas não perceberam os impactos das
mudanças tecnológicas sobre o mundo do trabalho. Eles produziram novas
subjetividades e novas demandas nos trabalhadores uberizados, que não são atendidas pelos
discursos receituários dos candidatos de esquerda.
As esquerdas também não captaram as
potencialidades que as tecnologias digitais podem proporcionar em
termos de inovações de serviços públicos, de articulação de economias
locais nos bairros e periferias, na articulação de uma economia
colaborativa e de bem comum, na estruturação de novos serviços de saúde
descentralizados, na nova abordagem da saúde pública articulando a
vida urbana com ecologia, na viabilização de espaços comuns destinados a
múltiplas atividades e de conexões na oferta de produtos e serviços locais, na
oferta de espaços culturais destinados a atividades criativas, na necessidade
de políticas públicas de letramentos digitais visando impedir a exclusão das
populações periféricas.
Enfim, a necessidade de fazer convergir as
transições ecológica e digital suscita uma série de possibilidades inovadoras e
transformadoras que são ignoradas pelas esquerdas. Antigamente, o PT se
preocupava com a inovação da gestão municipal com o chamado “Modo Petista de
Governar”. Hoje em dia, o partido parece tomado pelo espírito da burocracia.
As esquerdas passam ao largo também
da noção de tecnopolítica, entendida como um conjunto de atividades que
projetam novas formas de fazer política através das tecnologias digitais,
envolvendo estratégias persuasivas com a utilização da psicologia política e da
neurociência, de novas formas e linguagens discursivas visando otimizar a
persuasão e a construção de narrativas que considerem os impactos da política dos afetos.
A tecnopolítica permite projetar
novas lideranças e novos atores políticos e sociais pelos meios digitais. Não é
mais apenas no território ou no movimento social ou sindical específico que se
projetam liderança e poder. A direita percebeu os potenciais de
projeção das tecnologias digitais há tempo.
As esquerdas perderam também a capacidade de
produzir novas lideranças coadunadas com o nosso tempo. Da mesma forma que
ignoram os impactos da transição digital, foram poucas as candidaturas que
conferiram centralidade à crise climática e à transição ecológica, temas
que afetam a universalidade das pessoas.
É certo que não existe uma relação direta entre os resultados das eleições municipais e a questão das eleições gerais e da sucessão presidencial de 2026. Mas é preocupante a perda de substância programática e de narrativa das esquerdas. É preocupante a incapacidade de se comunicar. O governo federal sequer consegue tirar proveito do bom momento econômico que o país vive. O governo Lula não tem um projeto de futuro para o país. Há uma dissonância entre o que o governo e as esquerdas pensam e como agem com o espírito do nosso tempo.
Interessante... Meio lacrimoso, mas verdadeiro. Sobre "o chamado Modo Petista de Governar" - kkkkkkkkkkk!
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