Valor Econômico
Senador rebate a provocação de que o Executivo precisaria de um “milagreiro” no parlamento
Fã de Raul Seixas, também baiano, e com a
autoridade de quem conviveu de perto com Irmã Dulce (1914-1992), a Santa Dulce
dos Pobres, o líder interino do governo, senador Otto Alencar (PSD-BA), disse à
coluna que o governo não precisa de milagres no Congresso.
“O governo sempre aprovou tudo o que quis na
Câmara e no Senado, com dificuldades, mas aprovou”. Mas, parafraseando Raul,
ele “não tem pressa, tem muita paciência” para votar a regulamentação da
reforma tributária, e reforçou que muita gente no governo pensa como ele.
“Qual a urgência? O país está com aumento de arrecadação. É pressa para ter a grife da reforma tributária?”, desafiou, atribuindo, exclusivamente, ao mercado financeiro o interesse em ver o texto chancelado nas duas Casas até o fim do ano. O governo retirou o regime de urgência, carimbo com o qual a matéria havia chegado ao Senado.
Com o peso da nova missão, que lhe foi
confiada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na quinta-feira (17)
passada, ele chegou entre 7h e 8h no gabinete todos os dias desta semana, com
um dos versos de Raul Seixas retumbando em sua cabeça: “Pare o mundo que eu
quero descer”.
Alencar afirmou que sua percepção de que a
regulamentação da reforma não pode ser votada com açodamento é compartilhada
por muitos senadores, porque o relator, senador Eduardo Braga (MDB-AM), terá de
mexer muito no texto, a começar pelo setor de serviços.
O líder interino do governo salientou que a
redação aprovada pelos deputados implica uma elevação substancial da carga
tributária do setor de serviços. Afirmou que o percentual atual em vigor, que
varia de 11% a 17%, atingirá 28%, deixando alarmados micro e pequenos
empresários. “Tem que equalizar a questão do serviço, esse setor representa
49,6% do PIB da Bahia”, argumentou. Para ele, não sobrevive a alegação do
governo de que a população pobre não sentirá os efeitos das mudanças. “A
população mais pobre contrata serviços, as baianas vão aumentar o preço do
acarajé e do abará”, alertou.
O líder argumenta que, antes, a prioridade
deve recair sobre a votação do projeto de lei complementar (PLP) com as novas
regras das emendas parlamentares, porque, sem isso, nenhuma outra matéria
avançará no Congresso. Na sequência, ele se dedicará às votações da Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) e da lei orçamentária de 2025.
Ele ressalva, todavia, que deseja que a
reforma seja aprovada até o fim do ano, mas desde que as mudanças encaminhadas
pelos senadores sejam feitas em tratativas diretas com os deputados para que se
tente buscar um consenso.
Ele também defende que seja retomada na Casa
a discussão do pagamento de imposto de renda sobre lucros e dividendos das
empresas. “Não é aceitável que a pessoa coloque dinheiro na empresa, receba o
dividendo e não pague um real sobre isso”. A matéria aguarda relatório do
senador Angelo Coronel (PSD-BA) na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do
Senado há cerca de três anos.
Otto, como é chamado entre seus pares,
substituirá Jaques Wagner (PT-BA) no cargo, enquanto o petista se recupera de
uma cirurgia. Em tom de chiste, Lula explicou que a substituição era necessária
porque Wagner faria uma cirurgia no pé, porque “quer voltar a jogar futebol no
[time do] Bahia”.
Na verdade, é Alencar quem chuta a bola como
o “camisa 10 do carlismo”, mas no time de Lula. Mais do que um aliado, Otto tem
notória relação de amizade com Lula e Wagner. O vínculo sedimentou-se a partir
de 2010, quando ele se elegeu vice-governador da Bahia na chapa encabeçada por
Wagner.
Alencar ganhou de Wagner o apelido que o
associa ao adversário histórico do PT na Bahia, em alusão à aliança que manteve
no passado com Antonio Carlos Magalhães, morto em 2007. Alencar declara-se
amigo de Lula, bem como de Antonio Carlos. Em 2002, então no cargo de
governador, convenceu ACM a apoiar Lula no segundo turno contra José Serra
(PSDB), levando os adversários históricos para o mesmo palanque na Bahia. “ACM
pediu votos para Lula”, relembrou.
O senador enumerou os projetos sensíveis que
o governo aprovou nos últimos meses no Congresso, como a matéria relatada por
ele, que restabeleceu o voto de desempate em favor do governo nas deliberações
do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a taxação das compras de
até US$ 50, os impostos sobre fundos exclusivos e offshores. Por isso, rebateu
a provocação da coluna de que o Executivo precisaria de um “milagreiro” no
parlamento. “Nenhum governo entra aqui com maioria feita pelos seus partidos,
todos têm que chegar para conversar, esse é o presidencialismo de coalizão”,
argumentou.
Mas emocionou-se quando indagado sobre as
melhores lembranças com Santa Dulce, primeira santa genuinamente brasileira,
porque Santa Paulina nasceu na Itália. A relação de ambos começou nos anos 70,
quando ele fazia cirurgias “pro bono” no Hospital Santo Antônio, mantido por
ela, onde ele operou crianças com tuberculose óssea em virtude da subnutrição.
Nos anos 90, como secretário de Saúde da gestão ACM, estabeleceu convênio
estadual com a instituição. No leito de morte, foi uma das pessoas de quem ela
se despediu, poucos dias antes de falecer. “Ela pegou minha mão e me
agradeceu.”
Como sempre, o mercado financeiro definindo nossas agendas ou tentando defini-las! Colunistas que defendem seus (do mercado) interesses abundam na mídia tradicional, como podemos ler inclusive aqui neste democrático blog.
ResponderExcluirSalvador: " Acima de nós, concreto: Salvador ganha 16 novos viadutos e não soluciona congestionamentos
ResponderExcluirCom política de viadutos, a capital baiana quase dobrou o número de equipamentos nos últimos 12 anos
Por: Daniela Gonzalez
Matéria publicada originalmente no Jornal Metropole em 21 de março de 2024.
Uma rápida volta pelas principais avenidas de Salvador já permite perceber: a primeira capital do país se tornou a cidade dos viadutos.
Em 2012, eram 29 equipamentos, segundo a Superintendência de Obras Públicas (Sucop). Doze anos depois, o número quase dobrou. Atualmente são 54 estruturas distribuídas no território soteropolitano.
Só nos últimos 10 anos, o governo estadual realizou 11 construções, enquanto a gestão municipal entregou 5, e outras 4 ainda estão em andamento como parte do BRT. Se antes as ruas de Salvador eram marcadas por sua cultura e história, hoje é o cinza do concreto que chama atenção.
A construção de viadutos ocorre em uma aparente busca por melhorias na mobilidade urbana, porém suscita preocupações relacionadas aos impactos ambientais, sociais e aos massivos investimentos. Tudo isso enquanto outras cidades no Brasil e no mundo caminham no sentido contrário aos viadutos.
Em 2010, foi inaugurado a “Nova Marginal do Tietê”, em São Paulo. Com um investimento de R$1,3 bilhão, ampliou-se a rodovia adicionando quatro pontes e três viadutos. O objetivo era reduzir os congestionamentos e diminuir em 15% o tempo de deslocamento da população. Porém, cinco anos depois, os índices de lentidão já haviam subido em 80%. A reincidência do congestionamento pode ser explicada pelo efeito da oferta e demanda. Ao notarem que vias anteriormente engarrafadas foram expandidas, mais motoristas optam por utilizar esses caminhos para encurtar seus tempos de deslocamento.
Mas além de não significar necessariamente uma solução aos congestionamentos, a sede por viadutos é reflexo de um pensamento que abre mão de pessoas em detrimentos de veículos.
Mas além de não significar necessariamente uma solução aos congestionamentos, a sede por viadutos é reflexo de um pensamento que abre mão de pessoas em detrimentos de veículos.
Cidade para quem?
A baiana Lívia Magnavita, arquiteta mestre em Planejamento Urbano e Territorial, lembra que as cidades são e devem ser pensadas para as pessoas, afinal, antes de serem motoristas ou utilizarem carros e transporte público, os cidadãos são pedestres.
“A cidade deve considerar todas as formas de deslocamento, e existe uma grande distorção nisso. O que percebo é que muitas das soluções de mobilidade utilizadas em Salvador são voltadas para o carro, principalmente para o privado”, destaca ao Jornal Metropole. Lívia pontua ainda que, além de não priorizar, a política do viaduto afasta as pessoas. Isso porque os pedestres se sentem inseguros em caminhar nessas áreas, tornando o espaço pouco acessível.
“Além disso, algumas dessas obras em Salvador desmataram muitas árvores centenárias e obstruíram o fluxo dos rios”, destaca a arquiteta.
Na contramão
É por isso que o mundo está seguindo outro caminhos. Cidades têm optado por demolir viadutos, transformando-os em áreas urbanas e parques para recuperar espaços ambientais e estabelecer conexões com áreas verdes...!