domingo, 27 de outubro de 2024

Boulos violou cordão sanitário anti-Marçal – Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Não foi uma violação como as de Nunes ou Tarcísio, que ainda apoiam Bolsonaro após o 8 de janeiro, mas foi feio

Quando parecia que nada mais surpreenderia o eleitor paulistano em 2024, Guilherme Boulos aceitou o convite para ser sabatinado por Pablo Marçal.

O ex-coach, cujo mindset mostrou-se insuficientemente energizado para conduzi-lo ao segundo turno, havia convidado tanto Boulos quanto seu adversário, Ricardo Nunes, para uma sabatina. Durante a live com Boulos, Marçal admitiu que não esperava que nenhum dos dois aceitasse o convite. Boulos foi.

Se você esteve em coma ao longo da última campanha eleitoral e acordou assistindo a sabatina com Boulos e Marçal, deve ter achado a coisa toda uma demonstração de civilidade. As perguntas de Marçal, um candidato de direita derrotado, eram sobre temas razoáveis —empreendedorismo, impostos, educação financeira. As respostas de Boulos, um candidato de esquerda buscando votos no centro, foram igualmente ponderadas, aceitando que o governo deve oferecer educação, crédito e apoio aos trabalhadores que desejam se tornar empreendedores.

Para quem não estava em coma nos últimos meses, entretanto, o espetáculo teve um tom desconfortável, e a própria civilidade entre os debatedores parecia uma encenação de teatro do absurdo.

No primeiro turno, Marçal conduziu a campanha mais suja da história de São Paulo. Dois dias antes da eleição, divulgou uma certidão médica falsificada mentindo que Boulos, na pandemia, havia sido internado com overdose de cocaína.

Por isso, quando a live foi anunciada, a resposta mais comum entre os analistas políticos foi: "Por que, Boulos?".

Não é difícil entender. A principal dificuldade de Boulos, e das últimas campanhas de esquerda, foi falar ao eleitorado que Marçal capturou: os pobres que buscam se salvar da precarização pelo empreendedorismo. O próprio Boulos havia publicado, dias antes, uma "Carta ao Povo de São Paulo" reconhecendo que a esquerda não havia prestado atenção suficiente nesse pessoal. Uma chance de conversar diretamente com os eleitores de Marçal —responsáveis pela vantagem de Nunes nas pesquisas– era difícil de recusar.

Por outro lado, ao conversar civilizadamente com Marçal, Boulos aceitou correr o risco de normalizá-lo. O que Marçal fez no primeiro turno de São Paulo foi vil a ponto de atrair a simpatia de gente vil como Jair Bolsonaro e Ricardo Salles. Marçal só não foi o candidato do coração de Bolsonaro porque Jair não tem coração. O ideal seria, de agora em diante, estabelecer um cordão sanitário em volta de Marçal, isolando-o de todos os lados da política democrática.

Ao aceitar a sabatina, Boulos não apoiou Marçal –os dois deixaram claros que continuam adversários– mas, de certa forma, rompeu o cordão sanitário. Não foi uma violação de cordão sanitário como as de Ricardo Nunes ou Tarcísio de Freitas, que ainda apoiam Bolsonaro depois do 8 de janeiro. Mas foi feio.

Valeu a pena? É cedo para dizer.

Se Boulos conseguir estabelecer pontes com o eleitorado de Marçal este domingo, ou nos próximos anos, talvez sua participação na sabatina seja vista como um marco na reaproximação da esquerda com um eleitorado que havia perdido. Mas se Marçal voltar a ser uma ameaça, Boulos pode passar a vida ouvindo que foi um dos responsáveis por ter normalizado o bolsonarismo 2.0.

 

3 comentários:

  1. " Marçal só não foi o candidato do coração de Bolsonaro porque Jair não tem coração. "

    Gostei disso.

    😏😏😏

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  2. Até acho que ele tem coração, mas só bate pelos familiares e pelos torturadores.

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