sábado, 19 de outubro de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - Do mercado ao senhor presidente

O Globo

‘Achamos, senhor presidente, que não será possível equilibrar as contas com o aumento da receita que seu governo tem aplicado’

Eis o recado que o mercado tem enviado a Lula em encontros formais (como a reunião do presidente com os principais banqueiros), conversas informais com ministros, sobretudo com Fernando Haddad, e nos documentos preparados pelos departamentos econômicos das instituições financeiras. Com a devida licença, lá vai:

“Senhor presidente, nós também não estamos gostando dos elevadíssimos juros do momento. Entre outras coisas, porque muitos de nossos investidores caíram no vermelho. Carregam papéis com juros de 10%, que pareciam muito bons quando adquiridos, mas agora estão no negativo porque os novos títulos do governo pagam 13% e pouco.

Admitimos que há aqui um motivo particular, mas é preciso notar que esses investimentos financiam negócios da economia real. Investimentos menos rentáveis levam a menos negócios. Além disso, senhor presidente, juros elevados aumentam o risco de crédito. E isso reduz o número de pessoas e empresas dispostas a tomar crédito. É preciso ter um negócio excepcional, coisa rara hoje em dia, para arcar com juros tão elevados.

Isso vai ao contrário do que o senhor deseja presidente, que seria um aumento do crédito. Nisso concordamos. Nós, do mercado bancário, gostaríamos de poder dar mais empréstimo, mas isso fica muito arriscado, para as duas partes, quando a taxa de juros sobe demais. Em resumo, senhor presidente, esses juros de hoje são ruins para os negócios, travam o crescimento econômico, não interessam ao governo. E nem ao mercado.

A questão, portanto, é saber por que os juros são altos no Brasil, estruturalmente, e por que subiram ainda mais nas últimas semanas. E aqui, senhor presidente, com o perdão da palavra, a culpa é do governo. Mais exatamente, da alta constante do gasto federal e, pois, da dívida pública.

Portanto, ao contrário do que o senhor disse algumas vezes, não achamos que a culpa dos juros altos seja do Banco Central. Os movimentos do BC reagem à conjuntura econômica e aos tais ruídos — situações em que autoridades atacam e agem contra a economia privada. Quem vai investir num ambiente hostil?

Também achamos, senhor presidente, que não será possível equilibrar as contas com o aumento da receita que seu governo tem aplicado. Primeiro, porque a carga tributária já é elevada. Segundo, porque aumentar ainda mais essa carga inibe investimentos nacionais e estrangeiros.

Todos concordamos que é preciso cobrar mais impostos dos ricos. No nosso meio, muitos consideram interessante e simples essa proposta de cobrar um imposto mínimo de quem ganha mais de R$ 1 milhão por ano. Mas é preciso tomar cuidado para não duplicar impostos. Tome-se o exemplo dos dividendos recebidos pelos acionistas, isentos do Imposto de Renda. Na verdade, os acionistas pagam, indiretamente. Isso porque, no governo FH, a Receita decidiu cobrar o IR na pessoa jurídica. É por isso que a tributação dos lucros das empresas — IR e CSLL — é de 34%, uma das mais altas do mundo.

Era mais fácil cobrar uma só vez, na empresa, que de cada acionista. Hoje, é fácil cobrar dos acionistas. E seria até mais justo, pois permitiria cobrar progressivamente, aumentando a alíquota quanto maior o dividendo. Mas é preciso combinar isso com a redução do IR das empresas.

Estamos esperançosos, senhor presidente, com as declarações de seu ministro da Fazenda segundo as quais ele prepara um plano de corte de gastos nas despesas obrigatórias. Sabemos quanto é difícil mexer nos gastos, perdão, nos investimentos sociais e nas transferências de renda às famílias. Mas acredite, senhor presidente, se seu governo apresentar um plano viável de corte de gastos, e começar a praticá-lo, os juros cairão, o dólar cairá, a Bolsa subirá, o crédito aumentará e, pois, crescerão os investimentos.

Pode apostar nisso. Opa! Perdão de novo. Apostar, não, que isso é coisa de especulador indesejável. Pode confiar.

Atenciosamente.”

Um comentário:

  1. Pô, Carlinhos! Os banqueiros cobram juros de 400% e reclamam da taxa de juros do governo?

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