O Globo
Considero Eduardo Paes agregador, amigo dos
sambistas, enfim, alguém cujas características podem vencer o rancor
Uma mensagem da vizinha:
— Você foi um pouco injusto.
Como assim? Era uma linda manhã de
segunda-feira. Bem cedo, o sol inundara a casa com um brilho escandaloso, a
temperatura da água estava perfeita, assim como a intensidade da brisa.
Qualquer injustiça, ainda que pequena, contaminaria a beleza do dia.
Ela acha que atribuí ao tom alegre e enérgico
da campanha de Kamala Harris algo
que estava bem diante de mim na vitória de Eduardo Paes. Devo uma explicação.
Considero Eduardo Paes agregador, alegre com seu chapéu-panamá, amigo dos
sambistas, enfim, alguém cujas características podem vencer o rancor das
correntes extremas.
No entanto não me referia apenas à personalidade do candidato, mas à atmosfera da campanha, ao clima coletivo posto em m archa sob a inspiração de um nome. Sem negar as qualidades de Paes, a razão de seu êxito, para mim, não está principalmente no humor, mas sim nas realizações.
Claro que sempre posso me enganar, mas minha
bússola são as ruas. Cito o caso de um homem com quem conversei, perguntando
sobre seu voto. Paes, disse ele. E acrescentou:
— Pobre sempre agradece o que recebe, ainda
que não seja muito. Nossa cachorra de 16 anos estava morrendo, e as pessoas da
clínica diziam que o tratamento, além de caro, não tinha futuro. Descobrimos a
clínica de animais ali na Mangueira.
Era pública e muito boa.
O homem estava agradecido porque a clínica
municipal de animais atendia com senhas, tinha ar-condicionado, veterinários
competentes e ainda proporcionou mais três meses de vida para sua Belinha. Esse
era o nome da cachorra, por sinal, um encanto, a julgar pelas fotos. Pensei
muito nesse exemplo. Quantos não são agradecidos pelos parques, pelos ginásios
técnicos, enfim, por todo o conjunto da obra que Eduardo Paes pôde oferecer,
depois de 12 anos de mandato?
Apenas nas capitais, dez prefeitos venceram
no primeiro turno, alguns com mais de 80% dos votos. Para mim, é uma
demonstração clara de que as pessoas, de modo geral, recompensam as boas
administrações. Minha coluna que menciona o bom humor e a energia da campanha
de Harris, como antídoto às correntes mais ressentidas da política, pode ser
completada agora com um fator que realmente é superior a eles: o conjunto de
realizações. As forças disruptivas — como Pablo Marçal ou
mesmo um Milei argentino — não podem ser vencidas apenas com campanha em
alto-astral. É preciso um trabalho competente.
Embora existam muitas interpretações sobre as
revoltas de 2013, sempre concordei com a ideia de que iam além dos 20 centavos
de aumento no transporte público. Eram um grito de pagadores de impostos
indignados com o fato de o Estado não devolver com serviços públicos eficazes
os milhões que arrecada.
A ausência dessa resposta do Estado abre
caminho a soluções que o rejeitam totalmente, como o anarquismo liberal de
Milei ou do próprio Marçal. Fortalece a ideia legítima da busca da prosperidade
individual, mas a torna um valor absoluto. Quem embarca nessa canoa acha que os
políticos também estão envolvidos na busca da prosperidade individual, com a
diferença de usar dinheiro público e de mascarar seu desejo com um discurso do
bem coletivo.
As administrações reconhecidas pelo povo
afastaram um pouco aquela ideia de polarização estritamente ideológica não só
pela sua eficácia somada ao bom humor. Foram capazes de, em alguns lugares,
como o Rio, unir um amplo espectro político, mostrando que, mesmo com
diferenças, é possível conviver num mesmo projeto de governo.
Claro que as forças mais profundas da
economia e das imperfeições sociais continuam produzindo descontentes com a
democracia, sempre prontos para uma solução autoritária. Mas a leitura das
eleições municipais mostra que há formas de resistir que vão muito além da
simples retórica democrática.
Perfeito.
ResponderExcluirRio de Janeiro serve de exemplo para o País.
ResponderExcluir