Valor Econômico
Num país partidarizado, mas não politizado,
como o nosso, não dá para fazer interpretação de resultados eleitorais com base
no pressuposto de que se trata de embate entre esquerda e direita
A eleição de 6 de outubro na cidade de São
Paulo não foi uma eleição municipal. Foi anomalamente o primeiro turno da
eleição presidencial de 2026.
Um forasteiro, motivado pela ambição de tomar
a presidência, veio dos ermos do Brasil central para testar a vulnerabilidade
do sistema político brasileiro aos recursos extralegais de manipulação da
vontade política do povo. Perdeu, mas confirmou sua hipótese: por apenas menos
de 1% dos votos válidos não foi para o segundo turno da eleição local, que lhe
abriria o caminho para dominar a nação.
Confiante no seu afã de poder, nas vésperas
da eleição, divulgou um atestado médico falso, assinado por médico falso, em
nome de médico falecido, em que acusa outro candidato, de esquerda, um pai de
família, de ser usuário de droga, coisa que não é.
O teste da aventura golpista ainda não terminou. Se a justiça brasileira não lhe aplicar a lei com rigor e não puni-lo com severidade, terá confirmado que a conspiração golpista que invadiu o poder em 2019 está dando certo.
Assim, São Paulo só terá o primeiro turno de
sua eleição municipal no dia 27 de outubro.
Para compreensão do que está ocorrendo,
convém ter em conta que, em eleição municipal, num país partidarizado, mas não
politizado, como o nosso, não dá para fazer interpretação de resultados
eleitorais com base no pressuposto de que se trata de embate entre esquerda e
direita. Aqui a direita é funcional, mistura tudo do imaginário popular, até a
religião, pelo poder de criação de medo que ela tem.
A referência à polarização ideológica é
possível de maneira muito abstrata e abrangente, apenas para situar a eleição
no quadro de referência de uma compreensão propriamente política da
manifestação eleitoral.
Os resultados indicam a vitória do que nessa
classificação pode ser definido como a das facções da direita brasileira, mesmo
as disfarçadas de coisa nenhuma. Mas uma direita dividida e esquálida, sem
ideário político, mera fúria ideológica contra o que ela define como esquerda.
A tosca e perigosa direita brasileira carece
de um programa de superação de problemas locais e nacionais com base no primado
de valores do pensamento conservador. A direita brasileira improvisa, chuta,
xinga, mente, calunia, difama. Uma técnica que pode resultar em efeito
bumerangue como o do falso atestado médico que vitimou o forasteiro.
A esquerda saiu supostamente enfraquecida
apenas em relação a uma história de êxitos políticos decorrentes da fragilidade
do nosso republicanismo antipolítico e antirrepublicano, clientelista e
oligárquico, e do nosso capitalismo atrasado. O vitorioso no retrocesso desta
eleição de agora. No poder ela tem cumprido também a função de um partido que
supre as carências desse atraso, limitado na possibilidade de sua superação.
A revelação sociologicamente relevante da
eleição é a de que a esquerda tem dificuldade para atualizar sua compreensão
dialética do que é o processo político no Brasil e do que é a relação entre
práxis e realidade social, isto é, entre as mudanças e transformações sociais e
a consciência política que delas é necessário ter. Seu desafio é sair da
mentalidade de 1960.
A eleição mostrou o crescimento da direita
funcional e assinala o declínio de uma esquerda desatualizada quanto às
demandas sociais e políticas de uma população vulnerável à alienação e à
manipulação. Mostra apenas que o Brasil continua, disfarçadamente, o mesmo que
sempre foi.
Referido ao mundo das relações face a face, o
voto municipal é mais o da repetição, o das atualizações superficiais e
raramente o da renovação.
Mudou a forma da expressão partidária e de
seus resultados políticos. Mas o querer político da população continua confuso
e incerto. Suas demandas não são propriamente políticas, mas apenas vivenciais.
O município não é diretamente o lugar do
embate entre direita e esquerda, senão na mera classificação dos confrontos. É
o lugar das carências e necessidades cotidianas do eleitor, pobre ou rico,
sobretudo da luta pela superação dos bloqueios que lhe dificultam ou impedem a
ascensão social.
O voto do brasileiro ainda é o voto de quem
tem horror à política porque nessa perspectiva os eleitos são parasitas dos
eleitores em nome do poder. Esse é o mundo político local. Não o da doutrina,
mas o da motivação pessoal. A importância que tem o apelido, o nome de urna,
nos fala do que é entre nós um intimismo político que é o da dominação
patriarcal. O uso do voto para restaurar e reafirmar a estrutura repressiva e
tradicional da senzala, do tronco e do capitão-do-mato, que é o verdadeiro
sentido da aspiração por uma ditadura militar, como se viu na intentona de 8 de
janeiro de 2023.
Perfeito.
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