Valor Econômico
Em São Paulo, estará em jogo se o Brasil será
por longo tempo um país autoritário ou um país democrático
Dentro de dois dias realizam-se as eleições
municipais no Brasil inteiro. Em 5.569 municípios serão eleitos prefeitos e
vereadores. Embora essas eleições pareçam de importância menor em relação às
forças políticas nelas envolvidas, na verdade estará em jogo, no dia 6, o
destino político da República, não só o das comunas locais. Em São Paulo,
estará em jogo se o Brasil será por longo tempo um país autoritário ou um país
democrático.
A esdrúxula propaganda eleitoral de um
candidato alude à importância de uma vitória bolsonarista para que Bolsonaro
volte ao poder. Uma pessoa envolvida tão claramente nas sucessivas tentativas
de golpe de Estado é estandarte da continuidade do golpe violador da
Constituição e das leis da ordem política.
Até um bispo e um padre católicos apelaram pelo voto contra o PT para barrar o avanço político do “materialismo histórico e ateu”. Sob o abrigo da liberdade de opinião suspeitam da suposta, descabida e inverídica ameaça de Lula e do PT à religião.
O PT aqui e outros partidos de esquerda, em
diferentes países, não são partidos filiados à tradição arcaica do
“materialismo histórico”. Mero materialismo filosófico, de fundo econômico, não
é socialmente ateu. Em todos os cantos, há mais ateísmo em igrejas do que nas
doutrinas políticas não religiosas. Caso daquelas em que o dinheiro e a
prosperidade fazem de Deus um pretexto nada religioso.
Defensores de projetos políticos, de esquerda
porque em favor dos direitos sociais, como os que foram defendidos pelo papa
Leão XIII, em sua encíclica “Rerum Novarum” (1891), são católicos e mesmo
protestantes de filiação autêntica e genebrina.
O PT nasceu na região industrial do ABC
paulista, cujo primeiro bispo, Dom Jorge Marcos de Oliveira, desenvolveu sua
pastoral social com o intuito de munir os operários católicos de referências
cristãs para enfrentar e superar a alienação da injustiça do desenvolvimento
econômico sem desenvolvimento social.
Pela mesma época, a Confederação Evangélica
do Brasil lançou um documento sobre “A Responsabilidade Social das Igrejas”, na
linha do protestante Concílio Mundial de Igrejas, de Genebra, em concepção
diversa do protestantismo americano.
Tanto o interesse católico quanto o interesse
protestante pela chamada questão social atendia a uma compreensão moderna,
atualizada, de convocação dos cristãos à atitude responsável e participativa em
seu destino.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, na
região do ABC, profundamente católica, foi com a extensa participação dos
católicos que os comunistas, através de um partido de aluguel, o PST, elegeram
o prefeito do município de Santo André, em 1947, que abrangia 6 dos 7 atuais
municípios da região. Como elegeram, também, a maioria dos vereadores da Câmara
Municipal.
Armando Mazzo era um marceneiro que fora
eleito no mesmo ano de 1947 pelo Partido Comunista para a Assembleia
Constituinte de São Paulo e perdera o mandato quando o partido foi cassado por
uma decisão de 3 votos a 2 do TSE.
A criação da diocese da região operária e a
nomeação de Dom Jorge como bispo, pelo papa Pio XII, tinha o propósito de não
separar o operário católico de sua classe social.
Ele pensou em estimular o surgimento de uma
liderança operária católica. Criava as condições para viabilizar a figura que
viria a ser o operário Lula. E por meio dele o PT. Nem Dom Jorge sabia disso e
nem o sabia Lula.
Dom Jorge inspirava-se no chamado
personalismo do pensador católico Emanuel Mounier, editor da revista católica
“Esprit”, que reunia não só católicos, mas pensadores de diferentes orientações
interpretativas.
Conversei com Dom Jorge várias vezes. Eu era
aluno do curso de formação de professores primários do Instituto de Educação
Américo Brasiliense, de Santo André, quando fui a ele propor que realizássemos
na escola um ciclo ecumênico de conferências por oradores de diferentes
orientações religiosas sobre a encíclica de Leão XIII.
Ele me estimulou a ler Mounier, que centra
sua visão de mundo na pessoa e não no indivíduo, que é a referência do
protestantismo americanizado e materialista da prosperidade como motivo de fé e
instrumento de alienação.
O primado da pessoa tem estado nas
referências sociais de encíclicas e documentos pontifícios desde o papa João
XXIII. A pessoa é o instrumento da fé contra a alienação que põe o indivíduo
fragmentário em antagonismo mistificador contra sua pessoa. Ratzinger, o futuro
Bento XVI, em seu livro sobre Jesus, faz referência ao famoso e decisivo estudo
de Karl Marx, judeu batizado na Igreja Luterana, sobre alienação. Agrega outras
e suas próprias ponderações críticas sobre essa característica da modernidade materialista.
" Em todos os cantos, há mais ateísmo em igrejas do que nas doutrinas políticas não religiosas. Caso daquelas em que o dinheiro e a prosperidade fazem de Deus um pretexto nada religioso. "
ResponderExcluirPerfeito !
Sugiro a leitura da excelente coluna de Michael França " Marçal expressa miséria de parte dos ricos ", publicada ontem na Folha.
ResponderExcluir😊
O problema é acreditar que o PT defenda os pobres e não os extremamente ricos como os Marcelinos Odebrecht, os Joesleys e Wesleys e todos os seus cúmplices em esquemas absurdos de corrupção. A repulsa ao partido vêm disto. O partido nos deve explicações. Repetir a tese propagada pelo filme feito pela herdeira da OAS só aumenta está rejeição.
ResponderExcluirA partir de seu livro "Do PT das lutas sociais ao PT do poder" (José de Souza Martins, Editora Contexto 2016), pode-se entender claramente o início do partido com "boas intenções" de alguns e o que acabou sendo a realidade, desde o primeiro governo. Gostei muito.
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