Carta Capital
A direita cresce, mas está longe de se
posicionar como a principal força política
As eleições municipais de 2024 tiveram um conjunto de características contraditórias, que não permitem fazer afirmações unidirecionais em relação aos ganhadores. De um lado, é verdade que as forças de direita ou de extrema-direita se fortaleceram, tal como é possível ver no gráfico a respeito do número de prefeituras por partido, que mostra o crescimento significativo tanto do PL, que ultrapassou a marca de 500 cidades, e do União Brasil, que chegou a 578 municípios. Ambas as siglas venceram as eleições em cidades importantes, como Palmas e Aracaju. Por outro lado, essas forças estão muito longe de se tornar hegemônicas na política brasileira, se pensarmos nos resultados tanto das forças de centro como da esquerda, tal como mostra o gráfico que classifica os resultados de acordo com a ideologia do partido e que mostra uma predominância das forças de centro no controle do maior número de cidades.
Quando pensamos nas forças de centro, o
principal fenômeno a ser observado é a substituição do MDB pelo PSD como
principal partido em termos de número de prefeituras no Brasil. O primeiro
conquistou 846 municípios, enquanto o segundo venceu em 877, segundo dados do
Tribunal Superior Eleitoral divulgados na manhã do dia seguinte à eleição.
Ainda assim, uma análise numérica não seria capaz de mostrar as principais
características desse fenômeno, pelo fato de o MDB sempre ter sido um partido
heterogêneo, que abrigou em suas fileiras muitos políticos conservadores ou de
direita, assim como o PSD agora o faz. Mesmo hoje, quando pensamos em alguns
dos candidatos do MDB que se destacaram nesta eleição, como é o caso tanto de
Ricardo Nunes em São Paulo quanto de Sebastião Nunes em Porto Alegre,
percebemos que nenhum dos dois expressa, de fato, aquilo que seria, digamos, a
origem e a vocação centrista do próprio MDB.
No que diz respeito às forças de esquerda,
parece não ter se confirmado uma certa debacle, muito discutida ao longo do
processo eleitoral, à medida que candidatos conservadores cresciam nas regiões
Norte e Nordeste. De um lado, é possível afirmar uma mudança estrutural em
curso no Norte, região que, historicamente, alguns estados votavam à esquerda e
que teve estados governados pelo PT ou por outros partidos de esquerda, como é
o caso do Acre. Neste momento, ela parece situar-se homogeneamente à direita, com
exceção do Pará, o maior da região.
A esquerda, em especial o PT, recuperou certa
competitividade
A reação da esquerda e, principalmente, do
Partido dos Trabalhadores nas últimas semanas deu-se em três campos. Em
primeiro lugar, nas últimas semanas vimos a ascensão importante de candidatos a
prefeito em algumas das principais cidades do Nordeste, em particular
Fortaleza, onde o candidato do PT, Evandro Leitão, terminou o primeiro turno em
segundo lugar e ainda tem chances reais de vitória. Além de Fortaleza, vale
destacar o desempenho do partido em Natal, onde a candidata Natália Bonavides
tem condições de alcançar um bom resultado no segundo turno. Nos dois estados,
o Partido dos Trabalhadores ocupa o governo. Apesar de não ter vencido em
nenhuma capital no primeiro turno, o PT disputará o segundo turno em 13
cidades, quatro delas capitais (Fortaleza, Natal, Cuiabá e Porto Alegre).
Dessas 13, cinco estão no Nordeste, três no Sudeste, outras três no Sul e duas
no Centro-Oeste.
O segundo resultado positivo do PT envolveu
uma recuperação em lugares considerados bases históricas. Neste caso, vale a
pena analisar o resultado das eleições municipais nos estados de São Paulo,
Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, três unidades que, conjuntamente,
concentravam o maior número de prefeituras do PT no início deste século.
Em São Paulo, que teve a prefeitura mais
disputada do Brasil, no qual a esquerda passou para o segundo turno com a
candidatura de Guilherme Boulos, fruto de uma aliança entre o PSOL e o PT, a
competitividade é expressa por uma recuperação relativa do campo progressista,
que vai disputar dois segundos turnos na região do ABC, o primeiro na cidade de
Diadema, o segundo em Mauá. O segundo turno em Guarulhos, segunda maior cidade
do estado, na qual um petista histórico disputa a prefeitura pelo Solidariedade,
também expressa a volta de uma certa capacidade competitiva.
Em Minas Gerais, a reeleição ainda no
primeiro turno de duas prefeitas eleitas pelo partido em 2020, Marília Campos,
em Contagem, e Margarida Salomão, em Juiz de Fora, mostra uma consolidação do
PT em cidades de médio porte, lembrando que as duas prefeituras haviam sido
conquistadas no segundo turno em 2020.
Por último, vale a pena mencionar o
desempenho do PT no Rio Grande do Sul, um dos estados em que o partido ganhou
uma de suas primeiras prefeituras, mas também onde deixou de ter qualquer
prefeitura relevante a partir de 2016. A legenda disputa agora o segundo turno
em três cidades de destaque: Porto Alegre, Pelotas e Santa Maria.
Quando olhamos o conjunto dos resultados, podemos perceber que a movimentação municipal no Brasil nesta eleição foi muito mais complexa do que aquilo que apontam apressadamente alguns analistas políticos. A direita cresceu, mas está longe de posicionar-se como a principal força política do País, força essa que continua centrada no PSD e no PMDB. A esquerda recuperou-se parcialmente e volta a ter competitividade em um conjunto de cidades em que há oito anos parecia não ter mais capacidade de vencer, além de transformar sua influência na Região Nordeste em resultados eleitorais. Assim, o Brasil sai do primeiro turno destas eleições com um mapa muito mais intrincado do que os apontamentos apressados sobre vitórias ou derrotas fáceis fazem parecer.
Publicado na edição n° 1332 de CartaCapital, em 16 de outubro de 2024.
"Sebastião Nunes em Porto Alegre" deve ser Sebastião Melo, talvez parente do comandante deste blog.
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