O Globo
Comendo poeira atrás de Ricardo Nunes (MDB)
nas pesquisas para a Prefeitura de São Paulo, Guilherme
Boulos (PSOL)
partiu para o tudo ou nada. Saiu de mochilão para dormir nas casas dos
eleitores da periferia, divulgou denúncias contra o prefeito no caso da máfia
das creches e até aceitou participar de uma sabatina com Pablo Marçal (PRTB).
Mas a iniciativa mais simbólica do candidato do PSOL foi a “Carta de São
Paulo”, versão atualizada da Carta aos Brasileiros de Lula de
2002, com o mesmo objetivo de tentar reduzir sua rejeição.
Na carta, além de repisar o que já disse muitas vezes sobre ser um político do diálogo e não um radical invasor de propriedades, Boulos deu um passo adiante, reconhecendo a dificuldade da esquerda de se conectar com um eleitorado decisivo.
“Pelo nosso propósito de olhar sempre para os
invisíveis, muitas vezes nós da esquerda deixamos de falar com tanta gente que
também batalha, sofre o dia a dia das periferias e que buscou encontrar sua
própria forma de ganhar a vida. A periferia mudou. Você, mulher que foi abrir
seu salão, vender salgados na garagem de casa ou na porta do metrô, sabe disso.
Você, jovem, que financiou uma moto e foi trabalhar sem parar e sem nenhuma
proteção, sabe disso. Você que pega um carro e dirige a cidade toda como motorista
de aplicativo sabe disso. Muitas vezes nós deixamos de falar com vocês”.
Boulos não está dizendo nenhuma novidade para
quem assistiu ao eleitor periférico migrar para a órbita da direita ao longo da
última década. Mas foi preciso chegarmos a uma eleição sem um postulante
do PT e
atravessar o fenômeno Pablo Marçal para um candidato na maior cidade do país
admitir sem eufemismos o que talvez seja o maior desafio da esquerda no Brasil.
Segundo dados do Instituto Locomotiva, o país
tem hoje 11,4 milhões de pessoas cuja renda depende exclusivamente de um
aplicativo. E não são só os motoristas ou motoboys, como o próprio Boulos
reconhece. O mesmo levantamento mostra que o número de pessoas que usam algum
aplicativo como ferramenta de trabalho chega a 32,4 milhões — contingente
próximo dos 46 milhões com carteira assinada no país.
“Boa parte desses empreendedores são mulheres
negras que chacoalhavam por horas em ônibus lotados para ralar em um emprego de
salário mínimo, eram humilhadas e sofriam racismo. Hoje elas fazem seus
horários, ganham mais e ficam mais perto dos filhos”, diz Renato Meirelles,
presidente do Locomotiva.
Isso não quer dizer que estejam satisfeitas.
Mas elas aprenderam a se virar apesar do Estado e da política, pagam mais
impostos em suas atividades do que uma bet e não aceitam que alguém do sistema
venha inventar novas regras para dificultar sua vida.
Aí está o grande paradoxo da carta de Boulos.
Ainda que tardiamente, o candidato demonstra ter compreendido a mensagem do
eleitorado. Mas o governo de que ele faz parte, ainda não.
Para uma ala relevante da esquerda, em
especial a que está alojada no Ministério do Trabalho, a única forma digna de
ter renda é a CLT, todo o resto é subemprego, e só quem sabe do que o
trabalhador precisa é o governo. Tal lógica ficou explícita no debate sobre a
regulamentação dos aplicativos.
“Os novos empreendedores querem ter uma
aposentadoria e um seguro, mas não querem chefe ou horários fixos. Eles querem
ter uma rede de proteção contra abusos das plataformas, mas com flexibilidade.
A relação das pessoas com o trabalho mudou", diz Meirelles, do Locomotiva.
Em março, depois de uma negociação difícil, o
governo Lula conseguiu chegar a um projeto de lei aprovado pelos motoristas,
que não exige vínculo formal de trabalho, mas prevê remuneração mínima e
contribuição ao INSS. Mas não houve acordo com os entregadores, e o texto está
parado até hoje no Congresso.
Outra proposta que fez sucesso no Palácio do
Planalto foi acabar com o saque-aniversário — que permite ao trabalhador
retirar uma parcela do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço no mês do
aniversário.
Quem opta por esse mecanismo abre mão, por
dois anos, do direito de retirar todo o FGTS em
caso de demissão sem justa causa. Mesmo assim, há quem ache um absurdo o
trabalhador poder sacar o seu próprio dinheiro para “gastar como quiser”.
A poupança é do trabalhador, mas quem decide
como ela será usada é o burocrata de Brasília — que, aliás, quer tudo para
obras de infraestrutura que, num passado não muito distante alvos de desvios e
escândalos. Como alternativa, serão oferecidas linhas de crédito consignado. Na
prática, se obriga o cidadão a manter toda a sua poupança no fundo com o menor
rendimento do mercado para pegar empréstimo a juros bem mais altos nos bancos.
Não satisfeito em desagradar ao “sem
carteira”, o governo resolveu mexer com o CLT também — e sempre partindo do
princípio de que o trabalhador não tem discernimento para saber o que é melhor
para ele.
A coisa fica ainda mais incompreensível
quando se constata que o programa social mais bem-sucedido da esquerda no
Brasil, o Bolsa Família,
é baseado justamente na ideia de dar dinheiro em vez de cesta básica, porque
ninguém melhor do que uma mãe para saber se a sua família precisa mais de
remédio, de comida ou de roupa.
Na semana passada, depois de anos de
letargia, o governo Lula lançou o Acredita, um programa de financiamento de
pequenos negócios visando justamente ao público que Boulos tenta conquistar. É
um primeiro passo, mas tardio e ainda isolado num oceano de ideias ruins.
Sem uma “carta de Brasília”, será difícil
Boulos e companhia convencerem o eleitor de que a esquerda aprendeu a lição e
está realmente disposta a dialogar com o novo trabalhador brasileiro.
Paternalismo na veia.
ResponderExcluir😏😏😏
Por mais que ele tente se pintar de moderado e democrata o paulista já conhece o Guilherme bolos de longa data , invasor de propriedade privada e prédios públicos
ResponderExcluirChegou a invadir e incendiar a sede da Fiesp em São Paulo E por esses crimes foi preso três vezes
Tudo falsidade, continua o mesmo mas se cobrindo com a pele de cordeiro
O povo vai dar resposta na urna
Essa visão individualista é simplória. É apenas um artifício retórico daqueles não querem pagar imposto. Quem não quer pagar imposto que vá morar na floresta (caso ainda encontre alguma de pé).
ResponderExcluirApertem o cinto que o Lula sumiu!!
ResponderExcluirColunista desinformada, a PL 12/2024 não passou porque 90% dos motoristas a rejeitam (sempre tem os 10% que votam no Molusco), pois ela foi feita pela própria Uber sob medida pra ela explorar mais o trabalhador e o governo arrecadar mais (afinal ele cobra pouco imposto, né????).....
ResponderExcluirSei.
ResponderExcluirEsse tema acolhe discussão longa e complexa. O trabalhador nem sempre sabe o que é melhor para si ("vamos extinguir direitos para aumentar empregos...") e o governo está geralmente mais interessado em aumentar a tunga (arrecadação) do que defender o trabalhador.
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