O Estado de S. Paulo
A extrema direita não mostrou tanta força e se dividiu; a esquerda não conseguiu se projetar. Ambas não captaram a cabeça do eleitorado, que carrega novas pautas e hábitos
As eleições municipais de 2024 puseram em
xeque uma polarização que já não corresponde à realidade nacional. Lula da
Silva e Jair Bolsonaro não se confrontaram. Dobraram-se a uma clara inclinação
eleitoral ao centro, que se derramou pelo País todo. Houve mais moderação do
que radicalização. Mais cálculo. O eleitorado parece ter se “acomodado”, fez
escolhas conservadoras e cautelosas, referendando a maior parte dos prefeitos
que se lançaram à reeleição. O eleitor se manifestou com clareza, e é pueril
tratá-lo como se fosse um alienado que ignora os perigos do reacionarismo ou
uma vítima indefesa das redes.
Em São Paulo, esquerda e direita ficaram nos bastidores, esmagadas pela baixaria que dominou o primeiro turno e se estendeu ao segundo.
Guilherme Boulos, à esquerda, fez uma
campanha sem qualquer mensagem que fizesse jus a um ideário socialista. Nem
sequer seu partido, o PSOL, apareceu. Buscou uma imagem moderada, para reduzir
suas altas taxas de rejeição. No segundo turno, ensaiou maior combatividade,
mas escorregou no oportunismo ao tentar atrair o eleitorado de Pablo Marçal e
Tabata Amaral e a se apresentar como integrante de uma “frente ampla” que não
foi proposta nem chegou a se constituir.
Boulos não reciclou o discurso de esquerda.
Remeteu-se aos trabalhadores, às periferias, aos excluídos sem elaborar um
discurso harmonioso e convincente. Permaneceu agarrado a um estilo cansado de
guerra, a uma narrativa de “indignação” e a uma coreografia “radicalizada”,
pouco falando de gestão urbana e de temas que poderiam sensibilizar o
eleitorado jovem (empreendedorismo, aplicativos, trabalho domiciliar). O quanto
isso o afetou só as urnas dirão.
Por sua vez, Ricardo Nunes abraçou o
pragmatismo do começo ao fim, fiel ao modelo de candidato-prefeito. Insistiu
nas virtuais realizações de sua gestão, sem se engajar em polêmicas e sem
responder às críticas. Escudou-se no governador Tarcísio de Freitas e seguiu em
frente indiferente a suspeitas e acusações.
Nunes nunca foi “bolsonarista”. Se for
preciso etiquetá-lo, é um centrista que joga o jogo puxando a brasa para sua
sardinha. Político tradicional, enraizado em parte das periferias paulistanas,
emedebista desde sempre, lançou-se à reeleição com uma vasta coligação
partidária, na qual Bolsonaro foi personagem opaco. Amealhou, por certo, votos
bolsonaristas, receosos de entregar o espólio ao provocador Pablo Marçal e de
possibilitar a volta do PT à Prefeitura. Se há antibolsonarismo na capital,
também há antipetismo.
A coligação de Nunes copiou a coligação que
sustenta o governo federal. Ficaram com ele o MDB, o PSD, o União Brasil, o
Republicanos, o Solidariedade, partidos que integram o Ministério de Lula e lhe
impõem uma pauta no Congresso. O estigma de que estaria ligado ao bolsonarismo,
imagem que seduziu muitos eleitores de Boulos, não foi procedente e teve pouco
efeito.
O fato é que a cidade de São Paulo ficou fora
do foco das campanhas de ambos os candidatos que chegaram ao segundo turno. Nem
sequer se destacou a complexidade da cidade como núcleo urbano, algo que requer
muito mais do que promessas de mudança, propostas genéricas ou lista de obras
executadas. De concreto, o que se teve foi mais do mesmo.
Vistas em âmbito nacional, as eleições
desenharam um país diferente do que se pensava. A extrema direita não mostrou
tanta força e se dividiu; a esquerda não conseguiu se projetar. Ambas não
captaram a cabeça do eleitorado, que carrega novas pautas e novos hábitos. O
eleitor explicitou opiniões impostas pela vida hipermoderna, na qual tudo gira
em alta velocidade e sem parâmetros claros, em que o trabalho, as classes e as
organizações se fragmentam e perdem empuxo.
Isso pode significar que a população se
tornou conservadora, mais hostil à política democrática e mais refratária a
mudanças no plano dos valores? É provável, mas tal inclinação não surgiu agora,
vem de longe. O brasileiro sempre foi conservador em termos de valores. Quem
ganha com isso é um centro ampliado, integrado por correntes fisiológicas,
moderadas, democráticas e liberal-conservadoras, que lutam entre si sem que se
saiba quem prevalecerá. Pelas urnas de 2024, não dá para dizer que a extrema
direita adquiriu maior musculatura.
Para os progressistas, fica um lote de
dilemas e desafios. Continuará a esquerda a falar a mesma língua de antes,
baseada em luta de classes, mundos do trabalho hoje estilhaçados, trabalhadores
solidamente organizados? A defender a presença de um Estado ativo e forte sem
considerar o custo tributário e os problemas fiscais? A esquerda tem partidos
que se aglutinam em períodos eleitorais, mas que não ganham organicidade,
articulação e programas unitários. Agita bandeiras identitárias sem levar em
conta o que move as pessoas. Trata os pobres como vítimas sem projetos e
vontades. Carece de totalizações dialéticas.
A esquerda derrapará se repetir narrativas
que não interagem com a realidade dura da hipermodernidade e não valorizam a
democracia política, que é hoje o que mais importa.
*É professor titular de Teoria Política da Unesp
Servidor denuncia rachadinha de Nunes e relata esquema com ex-cunhado de Marcola | Revista Fórum - https://revistaforum.com.br/brasil/2024/10/24/servidor-denuncia-rachadinha-de-nunes-relata-esquema-com-ex-cunhado-de-marcola-167975.html
ResponderExcluirRachadinha do Nunes? Achei que o Bolsonaro dominasse estes esquemas, parece que os cúmplices do miliciano também aprenderam com o grande capitão.
ResponderExcluirMuito bom!
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