Valor Econômico
Se for para mudar o modelo que aí está não adianta cassar a empresa
O nome pomposo, Eduardo de Vasconcellos
Correia Annunciato, virou Chicão ainda no Senai, onde entrou aos 14 anos para
fazer o curso técnico de elétrica/eletrônica. A culpa é do corpulento 1,88m que
colide com o jeito manso com que abre o celular para mostrar o vídeo recebido
dias atrás. A imagem traz o vapor saindo de um poço com esgoto onde um
termômetro marcava 71,7 graus centígrados. É nesse poço que um técnico de
manutenção de uma empresa terceirizada teria que entrar para consertar um
cabeamento subterrâneo.
Ao longo de uma hora e meia em que Chicão discorre sobre a manutenção da rede elétrica da cidade, a cena se repete. Anseios como o enterramento dos fios não guardam nenhuma relação com a rede como ela é. O jogo de empurra entre governantes, empresa e agências reguladoras ganha concretude no relato do presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo.
Aos 51 anos, trabalhou por 13 anos na
manutenção da rede, antes de se tornar dirigente sindical, na Eletropaulo na
AES, concessionária estreante da privatização, e na Enel. A corda e o capacete
que usava estão pendurados na parede do sindicato no centro de São Paulo.
O problema não era diferente quando o serviço
estava a cargo da Eletropaulo, mas como havia mais técnicos, os trabalhadores
podiam se revezar em turnos. Agora, como a parada térmica foi abolida, é
obrigado a acionar a Justiça para garantir horas extras que permitam jornadas
com pausas. Ainda que esvaziados e resfriados, esses túneis têm temperaturas
que ultrapassam 40 graus pela amperagem dos fios que lá correm.
O piso salarial dos eletricitários é de R$
2.450, com 30% de periculosidade para aqueles da manutenção. O adicional, em
função dos riscos a que estão submetidos, não permite que acumulem a
insalubridade decorrente de ambientes como túneis de fiação.
Os números estão na ponta da língua. Dos
10.800 funcionários da Eletropaulo, 1.084 foram demitidos logo no primeiro ano
da privatização, em 1998. A AES era mais dura na negociação do que a Enel, mas
acabou se dando conta de que precisava recontratar quando, cinco anos depois,
um apagão expôs a situação de um serviço que havia reduzido em 60% os
contratados. Quando a Enel comprou a empresa, em 2018, eram 8.050 funcionários.
No apagão de 2023, restavam 3,9 mil.
A terceirização de metade da mão de obra não
fere a lei mas afeta a memória e a sinergia, como acabou se provando. Depois
daquele apagão, a Enel comprometeu-se a repor 1,2 mil e não 2,5 mil como tem
sido dito. E o fez, diz Chicão. O que não significa que deem conta.
Das 390 empresas cobertas pelo sindicato, há
outras três distribuidoras além da Enel: EDP, Eletro e State Grid. Nenhuma,
diz, terceiriza tanto. Depois da aprovação da lei da terceirização em 2017, até
os serviços de emergência entraram na roda.
O sindicato perdeu uma ação de cumprimento da
convenção coletiva de uma empresa terceirizada que tinha se valido de três
CNPJs, um para a concessionária, outro para os funcionários e um terceiro para
o sindicato. E assim, alegou desconhecer o objeto da ação.
Ao longo dos seis anos em que convive com a
Enel pôde concluir que determinações, como a da terceirização, vêm da matriz na
Itália. Impedidos por lei de estender a dívida com o fundo de pensão dos
funcionários para dez anos além da vigência da concessão, quiseram tirar o
patrocínio. Um dirigente da Itália chegou a vir ao Brasil para bater
(vigorosamente) à porta do ministro da Previdência, Carlos Lupi, sem sucesso.
Nem por isso, Chicão é favorável à cassação
da concessão. “Se mantiver o modelo de gestão, não adianta mudar a empresa”,
disse ao ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira. Por modelo, chama,
por exemplo, os religadores automáticos que garantem indicadores de frequência
e duração das interrupções aceitos pela Aneel. Esses religadores caem na conta
do consumidor e não na da empresa que, por conta do mecanismo, acaba adiando
serviços de manutenção necessários à saúde da rede.
Não vê como a coisa possa melhorar sem uma
mudança nas agências, a Aneel e a estadual, Arsesp. Diz que a fiscalização é
feita a partir dos dados fornecidos pelas empresas. Tampouco exime o prefeito.
Conta que depois do apagão de 2023, recebeu mensagem de Ricardo Nunes no
celular, convidando-o para um encontro. Achou que fosse trote, mas, em seguida,
o próprio ligou e reiterou o convite.
Filiado ao PCdoB desde a juventude, migrou
para o Solidariedade para disputar a Câmara dos Deputados em 2022. Recebeu 8,8
mil votos. Apesar de seu partido apoiar Nunes, é eleitor de Guilherme Boulos
(Psol), o que não o impediu de ter tido uma boa impressão do prefeito: “Ele se
mostrou humilde, disse que desconhecia o setor e pediu ajuda. Se fosse má
pessoa não se exporia assim.”
Entregou-lhe um mapeamento georreferenciado.
Mostrou que, a cada 800 metros, havia problemas graves e, cada 1 km, risco de
morte. Disse que a categoria tinha 16 mil aposentados aptos para podas
emergenciais. Os meses para os eletricitários dividem-se entre aqueles que não
têm “R” e aqueles que têm. É naqueles desprovidos da letra (maio a agosto) que
a poda deve ser feita. Nunes ignorou o alfabeto. Às vésperas do apagão de 2023,
a fila da poda tinha 3 mil árvores. Este ano, o número se repetiu.
Faz um único pedido antes de a conversa
acabar. Que as pessoas não joguem pedra nos eletricitários da manutenção. Como
muitos atendem em áreas dominadas pelo crime organizado, nem boletim de
ocorrência podem fazer.
Ótima coluna !
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirÉ uma visão a ser respeitada. Mas muitas podas feitas pelos eletricitários são criminosas, deformam ou destroem as árvores, com mínimo cuidado e sem tentar reduzir os impactos negativos nas plantas.
ResponderExcluir👍🏻
ExcluirPensei que quem fizesse a poda de árvores seriam os podadores.
ResponderExcluirAlgumas empresas de energia têm equipes direcionadas só para podas, mas mesmo nestas os funcionários são mal treinados e muitas vezes descaracterizam ou deformam as árvores.
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