quarta-feira, 2 de outubro de 2024

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Valor Econômico

Taxas de juros reais? Quem se importa? A inflação galopante pode ser outra história

Estamos vendo o início de um ciclo de flexibilização da política monetária. Muitos agora perguntam até onde as taxas de juros poderão cair e o que essas quedas poderão significar para as nossas economias. No entanto, para mim, as questões mais interessantes são de longo prazo. Para ser preciso, há três. A primeira é: será que as taxas de juros reais deram finalmente um salto ascendente duradouro, após seu declínio secular para níveis extraordinariamente baixos? A segunda: a valorização dos mercados de ações deixou de ser reversível à média, mesmo nos EUA, onde parecia ser a norma há muito tempo? A terceira: a resposta à primeira pergunta pode ter alguma influência na resposta à segunda?

Ao responder à primeira, temos uma informação inestimável - uma estimativa direta das taxas de juros reais para o Reino Unido fornecida por títulos públicos (gilts) indexados à inflação de 10 anos, com dados de quase 40 anos. Os títulos do Tesouro dos EUA protegidos contra a inflação fornecem informações comparáveis para os EUA, mas apenas desde 2003. Esses dados se alinham bem entre 2002 e 2013. Desde então, os juros reais caíram notavelmente mais no Reino Unido do que nos EUA. A explicação deve estar na regulamentação dos planos de pensão de benefícios definido do Reino Unido, que os forçou a financiar o governo a taxas de juros reais absurdamente baixas, com grande custo para a economia.

Entre seu pico em setembro de 1992 e seu ponto mais baixo em dezembro de 2021, os juros reais no Reino Unido caíram mais de oito pontos porcentuais. Nos EUA, eles caíram mais de quatro pontos porcentuais entre seu pico em novembro de 2008, no começo da crise financeira, e dezembro de 2021, após a pandemia.

Se os investidores estiverem certos, as altas dos juros reais são irrelevantes. Eles apostam que “desta vez é diferente”. Acho difícil aceitar isso. Mas talvez os efeitos de rede e os custos marginais zero tenham transformado a lucratividade em um “maná do céu”

Duas coisas aconteceram: um declínio de longo prazo nas taxas de juros reais e então uma queda acentuada desencadeada pela crise financeira global e a pandemia. O declínio de longo prazo deve, em grande parte, refletir o impacto da globalização, notavelmente o enorme excesso de poupança da China.

No entanto, o aumento recente dos juros reais não levou as taxas de juros reais de volta aos níveis pré-crise financeira: hoje, elas são de 1,5% nos EUA. São taxas modestas. Estimativas do Fed de St. Louis (usando uma metodologia diferente) dão taxas de juros reais acima de 2% nos anos 1990 nos EUA.

Temos alguns motivos para esperar que os juros reais subam ainda mais. Afinal, eles ainda não estão tão altos. As posições fiscais estão pressionadas, especialmente nos EUA. Também há as necessidades de investimentos na transição energética a serem financiadas. Além disso, passamos de sociedades em processo de envelhecimento para sociedades envelhecidas. Isso tenderá a reduzir a poupança e aumentar as pressões fiscais sobre os países de renda alta e a China. As turbulências globais também aumentarão os gastos com defesa. Isso sugere que mais aumentos nas taxas reais de juros são plausíveis.

Ao mesmo tempo, sociedades envelhecidas tendem a gastar menos com bens duráveis e moradia. Isso enfraqueceria a demanda por investimentos. Além disso, como observa o relatório provisório de Perspectivas Econômicas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o crescimento econômico global não deverá se recuperar de forma significativa.

Em resumo, é difícil ter uma opinião definitiva sobre as taxas de juros reais futuras, em qualquer direção. Mesmo assim, ainda se pode acreditar que a inflação está prestes a voltar, talvez como resultado do aumento dos déficits e dívidas fiscais. Isso se refletiria em taxas de juros nominais mais altas se (ou quando) a confiança na capacidade nos bancos centrais de atingir suas metas de inflação começasse a se deteriorar. Eles conseguiram conter o recente aumento dos preços. Mas as pressões inflacionárias poderiam retornar muito facilmente.

Agora considere os preços das ações. O que as atuais taxas de juros reais mais altas significaram para eles? Até agora, a resposta é: muito pouco. Se olharmos para os índices preço/lucro ajustados ciclicamente (Cape), desenvolvidos pelo vencedor do Nobel Robert Shiller, constatamos que nos EUA os dois índices que ele usa atualmente estão próximos de máximas históricas. O rendimento ajustado ciclicamente implícito no S&P 500 é de apenas 2,8%. Isso é apenas um ponto porcentual acima da taxa dos Títulos do Tesouro dos EUA protegidos contra a inflação (Tips). Também é muito mais baixo do que em qualquer outro mercado de ações significativo.

O grito parece ser “venda”. Desnecessário dizer que isso não tem acontecido. Então, por que não? O rendimento dos lucros no momento está, afinal, quase 60% abaixo de sua média histórica. Uma resposta, proposta com lucidez por Aswath Damodaran da Stern School of Business, é que o passado não é relevante. Certamente, ele está certo ao afirmar que os índices de avaliação retrospectiva têm sido um guia pobre para os retornos futuros, pelo menos desde a crise financeira. Não temos como saber se isso continuará sendo verdade. No entanto, não é difícil entender por que ele abandonou o passado em favor das previsões dos lucros futuros. Mas o futuro também é altamente incerto. Não é difícil imaginar os mercados sendo perturbados por choques muito piores do que os recentes.

O que sabemos é que a margem entre a taxa de juro real e o rendimento ciclicamente ajustado dos lucros é muito pequena. Parece seguro argumentar que os retornos futuros de possuir ações dos EUA provavelmente não virão em grande medida (se é que virão) de reavaliações, dado o quão valorizadas elas já estão. Até mesmo as avaliações correntes devem depender de uma crença na capacidade de os lucros crescerem a taxas extremamente altas no futuro, talvez porque os monopolistas existentes (ou potenciais) permanecerão tão lucrativos quanto as gigantes tecnológicas de hoje (agora incluindo a Nvidia) têm sido.

Esta é essencialmente uma aposta na capacidade do capitalismo americano de hoje de gerar lucros extraordinários para sempre. A fraqueza de outros mercados é uma aposta no resultado oposto. Se os investidores estiverem certos, as altas recentes dos juros reais são irrelevantes. Em resumo, estão apostando na ideia de que “desta vez é realmente diferente”. Pessoalmente, acho difícil aceitar isso. Mas talvez os efeitos de rede e os custos marginais zero tenham transformado a lucratividade em um “maná do céu”. Aqueles que conseguirem coletá-lo, desfrutarão de seu banquete de lucros para sempre.

Taxas de juros reais? Quem se importa? A inflação galopante pode ser outra história. (Tradução de Mário Zamarian)

 

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