O Globo
Eleição de 2024 estampa a desindustrialização
total paulistana e sua transformação em metrópole de serviços
As eleições paulistanas roubaram a cena do
restante do Brasil pela obsolescência anunciada de Lula e
Bolsonaro e por três episódios sísmicos, capazes de sintetizar o pleito:
1) O carro do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), responsável por averiguar a escola onde Lula votaria, foi
roubado à luz do dia em São Bernardo do Campo, onde nasceu o PT,
com seus ocupantes rendidos sob a mira de revólveres;
2) O manifesto ou cartinha ao Papai Noel de pedido de voto útil em Guilherme Boulos —em detrimento de Tabata Amaral — expôs a tática da velha esquerda petista e a decepção de ilustres personagens com o engodo da frente ampla que elegeu Lula em 2022. A conexão Vila Madalena-USP, como o partido, trouxe os rostos de sempre — olho vivo em 2026;
3) O marketing político da escola baiana de
Duda Mendonça, que elegeu Maluf e Lula, vive seus estertores. Apenas o blazer
azul, sem a clássica gravata vermelha, continuou no guarda-roupa de Ricardo Nunes e
na sua estratégia, copiada por Pablo Marçal,
de jamais responder a uma pergunta. No caso, não sabiam o que dizer de fato. Os
marqueteiros já fizeram Geraldo Alckmin, o amigo iraniano, falar contra o
celular pré-pago e José Serra,
como político de opinião, não ter posição sobre o aborto. E a notória Marta
Suplicy, do PT, levantar aleivosias sobre a sexualidade de Gilberto
Kassab. Anote: os três perderam.
Suzana Flag teria bons personagens para a sua
coluna “Meu destino é pecar”, caso acompanhasse o primeiro turno paulistano.
Acostumada a narrar adultérios, ciúmes doentios, obsessões e possessões
traumáticas, traria agora a seu repertório variações de espancamentos, da
masculinidade sob escrutínio, de sabatinas de catecismo e da solidão
corporativa do Partido Novo.
Sem nenhum estremecimento de angústia, os
candidatos forneceriam ao alter ego de Nelson Rodrigues o retrato da
política rendida pelas táticas das redes sociais e pela definitiva assunção da
tolerância à mentira e ao descaramento. Da direita à esquerda, de Ricardo Nunes
e Pablo Marçal a Guilherme Boulos, ofereceu-se à população a maquiagem de
biografias e cenários físicos e a reescrita da história vivida sofregamente
para quem enxerga nas ruas um crescimento de “cracudos”, moradores de rua,
ladrões de diferentes cepas e obras feitas à beira da eleição.
Esquerda e direita não podem culpar a
ingratidão do povo. O envelhecimento do brasileiro aumenta o traço habitual de
conservadorismo e religiosidade etérea. Não é de hoje, apenas se alimenta com o
tempo. Em 1985, na primeira eleição a prefeito pós-ditadura, Fernando
Henrique Cardoso teve de escandir seu ateísmo transparente e
seu experimento com maconha (vociferados por Jânio Quadros como o diabo em
pessoa na periferia paulistana). FH foi derrotado, mas se tornou depois o
presidente que liquidou com a inflação disparada pelos governantes de direita,
e a primeira dama Ruth Cardoso criou programas sociais como Bolsa-Escola e
Vale-Gás (pode me chamar de “Bolse Famílie”).
Marcada pelas redes sociais e por suas
táticas dispersivas, a eleição de 2024 estampa a desindustrialização total
paulistana e sua transformação em metrópole de serviços. Sai o emprego formal e
entra o personagem autônomo, de múltiplas ocupações. O operário-padrão tinha
formação técnica, tendo de saber manejar equipamentos e rotinas por vezes
complexas. A robotização liquidou com essa mão de obra. Daí também a evasão
escolar num cenário de mitificação do ensino universitário sob um currículo
desconectado com o mundo digital.
São Paulo é palco dos trabalhadores das
plataformas desde a pandemia, todos indiferentes ao discurso petista (e
psolista) da carteira assinada, da sindicalização ou do bom patrão. O povo dos
aplicativos não aspira pela CLT porque se oferece simultaneamente a dois ou
três diferentes empregadores. Ficam com quem paga mais a cada instante. Os
autônomos dos apps vendem seus produtos nos marketplaces, perfis de Instagram
ou TikTok,
surgem formatados para ser independentes no mercado inaugurado pelas novas
tecnologias.
Aí as dissonâncias de Nunes e Boulos diante
do novo perfil do eleitor paulistano. O discurso assistencialista do velho PT
ou o populismo da direita são truques conhecidos no jogo. Ainda sobrevivem
porque se apoiam ora no manjado e servil voto útil, ora no uso escancarado da
máquina estatal (os papéis se alternam conforme as conveniências de turno). Os
votos de Marçal colocaram outros desejos na partida. Vale notar que parte do PT
fez corpo mole a favor de Nunes.
A uberização da mão de obra não é escolha do trabalhador que sonha "empreender'. É fruto da precarização plantada para aumentar os lucros sobre o sofrimento alheio - o individualismo e a indiferença ao próximo foi o inesperado(?) efeito colateral que alimenta a popularização
ResponderExcluir... da direita radical.
ResponderExcluir