domingo, 6 de outubro de 2024

Míriam Leitão - Brasileiros vão às urnas

O Globo

O crime premeditado contra Guilherme Boulos mostrou a fragilidade da Justiça para proteger o processo eleitoral

Hoje 155,9 milhões de pessoas aptas a votar poderão sair de casa para escolher seus prefeitos e vereadores em 5.569 municípios. “É uma operação de guerra”, diz a presidente do TSE, Cármen Lúcia, ao mirar na dimensão do trabalho logístico nesse continente Brasil. A campanha foi curta, intensa, derrotou previsões, trouxe um novo fantasma que, na reta final, atirou contra a própria democracia. Não foi uma eleição marcada pela polarização de 2018 e 2022. Foi bem mais complicado do que isso. Partidos do centrão, do centro e da direita tradicional poderão ser os vencedores. O PT adotou uma estratégia diferente porque tentou fortalecer o campo progressista, desistindo de competir em várias cidades. A direita bolsonarista terá vitórias, mas o ex-presidente viu explodir uma disputa ruidosa no campo dele e amarga derrota em seu reduto.

Há ameaças que se tornaram maiores. O crime organizado busca os cargos políticos diretamente, usando armas, dinheiro e a capacidade de constranger eleitores. A mentira escalou a um nível mais alto com Pablo Marçal. O que ele fez na sexta-feira com o laudo falso sobre Guilherme Boulos foi crime premeditado para pegar a democracia desprotegida. A fraude de Marçal foi construída com uma soma de inverdades sobre Boulos e foi lançada quando o processo eleitoral já havia coberto os candidatos com o escudo protetor. Ele usou as regras da democracia contra ela própria. Por isso, foi tão grave seu crime.

Na maior cidade do país, o debate sobre programas foi tragado pelo pior da política vindo da extrema direita com truques de murros ensaiados, gesso falso na mão, velhas ofensas e mentiras sucessivas. A Justiça Eleitoral, no sábado de manhã, mandou as redes retirarem o conteúdo de Marçal, mas o que ele maquinou foi atirar contra o processo eleitoral quando já não houvesse tempo para o antídoto.

A direita, sem dúvida, terá o que comemorar nessas eleições. Mas qual direita? O que analistas me disseram é que será o centrão, partidos de centro e até de direita, mas não necessariamente ligados ao ex-presidente. “Nem mesmo no PL são todos bolsonaristas.” O avanço desses partidos foi impulsionado pelo cansaço da polarização, pela dinâmica das disputas municipais e também pelas emendas parlamentares. No caso de São Paulo, um desconcertado Jair Bolsonaro apareceu numa live na sexta-feira alertando seus seguidores para tomarem cuidado “com os novos amores”. Tentou reviver a polarização com Lula, e fez mais um patético ataque à vacina.

O PT não se vê como derrotado, mesmo sem estar na frente em nenhuma capital. O que se diz no partido é que “não será tão bom quanto se desejaria, mas já foi pior”. Em 2016 e 2020, o partido enfrentou todos os ventos contrários. Desta vez, diz outra fonte, “achamos que os resultados serão um pouco melhores. Não vai ser nenhuma Brastemp, mas a gente tem o pé no chão e sabe como disputar o chão”. Em Belo Horizonte, ficou em situação bem fraca e ainda corre o risco de ver uma disputa bolsonarista puro-sangue no segundo turno, se der Mauro Tramonte ( Republicanos) e Bruno Engler (PL), deslocando o prefeito Fuad Noman (PSD). Na quinta-feira, a pesquisa mostrava um empate triplo numérico e um terço do eleitorado ainda não havia definido o voto. Com o seu candidato Rogério Correia (PT) com menos de 10% de intenção de votos, o partido poderia ter evitado o risco que corre na capital mineira se aliando ao PSD.

No Rio, o desempenho que leva o atual prefeito a estar a um passo da reeleição se deve menos a Lula do que ao próprio Eduardo Paes, ainda que tenha sido uma das cidades nas quais o PT fez acordo. “Nossa intenção era consolidar nosso campo político com quem esteve com a gente na eleição de Lula em 2022. Mesmo nos municípios onde a gente não ganhar, consolida-se um processo para 2026”, diz uma fonte do partido. O PT lançou candidatos em apenas 13 capitais e em quatro tem esperança de ir ao segundo turno: Teresina, Natal, Goiânia e Porto Alegre. Sobre o Rio, o que eu ouvi foi a defesa do voto útil, “porque não podemos correr risco algum”.

A democracia sempre apresentará novos desafios e sempre pedirá dos democratas mais persistência. Mas hoje quase 156 milhões de pessoas terão o direito de ir votar, mesmo que uns não queiram. Esse direito assim amplo sempre parecerá mágico, para quem viveu o tempo do voto restrito ou, até mesmo, proibido.

 

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