O Globo
O ataque do Congresso contra o STF era uma
tentativa de intimidar o Supremo e manter as bases do orçamento secreto
A revolta explodiu na quarta-feira na CCJ da Câmara. Parecia o embate final das instituições. Congresso versus STF. Os eleitos do povo contra “os onze ditadores”. A análise repetida era que a direita turbinada nas urnas vinha impor a nova ordem. Deputados aprovaram o pacote contra o STF na Comissão de Constituição e Justiça. Tinha de tudo: impeachment de ministro, limitação de decisões monocráticas e uma bizarra proposta dando ao Congresso poderes de mudar decisões do Supremo. A Corte reagiu com discursos. O presidente da Câmara, Arthur Lira, então, mandou dizer, por interpostas pessoas, que vai matar no peito e deixará passar só um item desse pacote anti-STF. O que de fato ocorreu na semana passada?
Emenda é o nome da discórdia. Dinheiro.
Dinheiro distribuído a rodo por parlamentares, concentrando poderes no
Congresso e nos municípios. Dinheiro público sem informação de quem ordenou a
despesa, para onde foi e em que foi usado. Dinheiro que não pode ser rastreado
nem auditado. Como agenda acessória daquele movimento estava a ideia com a qual
sonha a extrema direita: anistia para os golpistas de 8 de janeiro e, quem
sabe, até para o golpista-mor. A ideia era intimidar o STF, manter as bases do
orçamento secreto e conseguir a impunidade de quem conspirou contra a
democracia.
Tudo aquilo era reação ao que havia
acontecido bem antes. No dia 20 de agosto, reuniram-se no STF autoridades dos
três poderes. Do Congresso foram Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. Do governo, Rui
Costa e Jorge Messias. Foi o PGR. E lá estavam os onze ministros do Supremo. As
emendas haviam sido suspensas e os parlamentares ameaçavam com o fim do mundo.
Na reunião, todos se debruçaram sobre o assunto. E o problema é o seguinte: em
2022, a ministra Rosa Weber, respaldada pelo plenário, havia dito que o orçamento
secreto era inconstitucional porque não pode ter distribuição de dinheiro
público dessa maneira. Precisa de transparência, rastreabilidade e ser
auditável. É forçoso saber, de onde vem, para onde vai, e como foi usado.
Naquela época, o Congresso reduziu emendas de relator, mas manteve o modo de
operar nas emendas de comissão.
Daquela reunião saiu nota pública. Ficou
decidido que em dez dias — que já lá se foram — governo e parlamento iriam ter
um portal da transparência para as emendas. Seria feito um esforço para
esclarecer o que houve com emendas liberadas e seriam criadas novas regras para
o futuro. Uma lei complementar disciplinaria como as emendas devem ser
aprovadas, liberadas, aplicadas, auditadas. Tudo em pratos limpos, porque
dinheiro do distinto público, colocado no orçamento, não é recurso que possa
ser enviado por um deputado, através de uma emenda pix, como se dele fosse.
O prazo de dez dias caía bem na campanha
eleitoral. Ficou entendido que na volta das eleições tudo seria organizado. Mas
eles retornaram cheios de ira e aprovaram o tal pacote anti-STF. Fica simples
dizer que tudo é porque a presidente da Comissão de Constituição e Justiça é a
extremista Caroline de Toni. Primeiro, quem a colocou lá atende pelo nome de
Arthur Lira. Segundo, algo de tal monta só é aprovado quando tem concordância
do presidente da Casa e dos principais líderes. Lira, quando manda dizer que vai
segurar, está fingindo ser o bombeiro do fogo que ajudou a atear.
Sobre o pacote em si, disciplinar decisões
monocráticas pode e deve ser feito pelos próprios ministros do STF no seu
regimento. A propósito, os presidentes da Câmara e do Senado também tomam
decisões monocráticas. Deveriam disciplinar-se. Aumentar as possibilidades de
impeachment é vingança contra Alexandre de Moraes. Terceiro, Congresso poder
revisar decisões do Supremo é completamente inconstitucional. “É um experimento
institucional único no planeta terra. Nem a ditadura militar ousou tal
desvario”, disse um ministro do STF.
As emendas como estão alimentam a corrupção.
É o mesmo expediente apanhado no escândalo dos Anões do Orçamento que muda de
nome para permanecer. Elas distorcem as eleições. Quem ficará contra um
prefeito com R$ 100 milhões de emendas?
No volume em que estão, elas quebram o
equilíbrio dos poderes. O Legislativo passou a executar cada vez mais fatias do
orçamento, tomando para si atribuição do Executivo. Agora, em defesa desse
poder, tenta emparedar o Supremo. A luz do sol é o melhor protetor do dinheiro
público. É dessa luz que fogem as criaturas das sombras que inventaram a crise
da semana.
Um congresso reacionário está elegendo prefeitos à sua imagem e semelhança.
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