Projeção para dívida exige controle de gastos
O Globo
Estimativas mostram que Lula não pode
titubear ao apoiar programa de Haddad e Tebet
São preocupantes as projeções para a dívida
pública do último relatório de acompanhamento fiscal da Instituição Fiscal
Independente (IFI), vinculada ao Senado. Os técnicos da IFI avaliam que, apesar
de a agência Moody’s ter elevado recentemente a nota do Brasil, as “incertezas
fiscais dificultam a obtenção do grau de investimento”. “O nível de
endividamento brasileiro está na média dos países da Zona do Euro, inferior aos
países desenvolvidos do G7, mas bem acima dos países emergentes e da América
Latina e Caribe”, afirma o documento.
Pelos cálculos da IFI, a dívida bruta do governo alcançou o patamar de 78,5% do PIB até agosto, mas deverá fechar este ano em 80%. A tendência é a alta prosseguir ao longo do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atingindo 82,2% em 2025 e 84,1% em 2026. Ao todo, o endividamento público terá crescido 12,4 pontos percentuais do PIB nos quatro anos do mandato de Lula, de acordo com as projeções (em dezembro de 2022, antes da posse, a dívida estava em 71,7% do PIB).
Os números da IFI expõem os limites da atual
política econômica do governo. De um lado, a resistência de Lula a implantar um
programa consistente de controle de gastos obriga o Tesouro a tomar mais
dinheiro emprestado no mercado para o governo poder pagar suas contas. De
outro, as sucessivas declarações de Lula semeando incerteza sobre o compromisso
da atual gestão com a responsabilidade fiscal aumentam a desconfiança de quem
empresta ao governo, obrigando o Banco Central a pagar juros maiores para captar
o dinheiro.
Os dois fatores, segundo o relatório da IFI,
têm contribuído para manter a trajetória da dívida em alta. “O crescimento da
dívida, fica aqui demonstrado, resulta da não geração de superávits primários,
da elevação dos juros e das emissões primárias líquidas de dívida pelo Tesouro
Nacional”, afirma o documento. “O aumento da dívida até agosto de 2024 teve a
contribuição da elevação de juros de 5,2 pontos percentuais e de 1,4 ponto
percentual das emissões líquidas.”
Os ministros da Fazenda, Fernando
Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet,
prometem para logo depois das eleições municipais um programa
de controle de gastos da ordem de R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões,
para tornar factível a meta fiscal do Orçamento de 2025. As propostas em estudo
envolvem restrições a supersalários e mudanças em benefícios previdenciários.
Mesmo sendo um pacote modesto ante a necessidade para trazer equilíbrio às
contas públicas — da ordem de R$ 250 bilhões —, ele enfrenta resistência tanto
dentro do próprio governo quanto nas alas mais vocais do PT.
Lula não deveria titubear em apoiar as
medidas. A alternativa já traçada nos números da IFI para seu governo não é
nada alvissareira. Ele não deveria piorar a situação. O aumento da dívida
alimenta a desconfiança, repercutindo na inflação, pressionando os juros e
reduzindo a perspectiva de crescimento. Tudo isso acaba por drenar recursos dos
mesmos programas sociais que ele tanto fala em preservar. Caso se mantenha
indiferente à crise fiscal, a herança que deixará ao próximo governo — dele
próprio, caso reeleito — será necessariamente um choque recessivo de grande
proporção. O Brasil já viveu história similar na gestão Dilma Rousseff. Lula
deveria ter aprendido com os erros para não repeti-los.
Fim da revista íntima é chance para reduzir
vulnerabilidade nos presídios
O Globo
Decisão de maioria do STF cria oportunidade
para equipar prisões com instrumentos mais eficazes
O julgamento de um recurso no Supremo
Tribunal Federal (STF)
sobre revistas íntimas em presídios abre caminho para que a Corte ponha fim a
essa prática obsoleta, infelizmente ainda corriqueira no Brasil. Os ministros
formaram maioria para proibi-la, mas um pedido de destaque do ministro
Alexandre de Moraes interrompeu o julgamento. Ele pediu que o caso saia do
plenário virtual e seja discutido numa sessão da Corte, onde pode haver mudança
nos votos.
Até agora, prevaleceu o entendimento de que
não se deve permitir a inspeção de partes íntimas dos visitantes e de que
provas obtidas dessa forma não podem ser aceitas em tribunais. Para o
ministro Edson Fachin,
relator do caso, trata-se de prática “vexatória” e “abominável”, que viola os
princípios da dignidade e constitui tratamento desumano e degradante. Fachin
foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Cármen
Lúcia e Rosa Weber (antes de se aposentar). Decano da Corte, Gilmar sugeriu um
prazo de 24 meses para os estados providenciarem o equipamento necessário a
substituir a revista íntima. Por ter repercussão geral, a decisão será aplicada
nas demais instâncias.
Houve divergência sobre a abrangência da
medida. Moraes afirmou que, apesar de invasiva, nem toda revista íntima pode
ser declarada ilegal, vexatória ou degradante. Defendeu que possa ser feita de
forma excepcional, desde que “devidamente motivada para cada caso específico” e
com anuência do visitante. Foi acompanhado pelos ministros Dias Toffoli, Nunes
Marques e André Mendonça.
O julgamento no Supremo tem o mérito de pôr
em discussão um problema que o país já deveria ter enfrentado. Não é admissível
que visitantes em presídios — a maioria mulheres — ainda sejam submetidos ao
constrangimento de se desnudar e expor partes íntimas para comprovar que não
levam às celas objetos ou substâncias ilícitos. O caso em questão diz respeito
a uma mulher que portava 96 gramas de maconha para o irmão preso.
A situação nos presídios brasileiros, em
particular nos estaduais, é de descalabro. Apesar dos protocolos de segurança,
drogas, armas e celulares continuam a entrar livremente. Nesta semana, a
polícia do Rio deflagrou uma operação contra uma facção criminosa acusada de
comandar de dentro das celas golpes como o falso sequestro, que depende
essencialmente de celulares.
É preciso controlar com firmeza o acesso aos
presídios, onde se comete todo tipo de delito. Mas é fundamental buscar meios
civilizados, compatíveis com a dignidade dos cidadãos e os direitos humanos. Há
tecnologia para isso. Scanners, aparelhos de raios X, detectores de metais
substituem revistas vexatórias com eficácia até maior. Alguns estados, como São
Paulo e Goiás, já os adotaram como padrão. É claro que não basta ter
equipamento. Ele deve funcionar, e deve haver pessoal capacitado a operá-lo. O
julgamento no STF é uma oportunidade para discutir não só as visitas íntimas,
mas também como acabar com as vulnerabilidades constrangedoras dos nossos
presídios.
A saída para a forte alta dos juros da dívida
é o ajuste fiscal
Valor Econômico
Há outro bom motivo para pôr as contas
públicas em dia: quanto mais tempo o governo demorar para fazer isso, mais alto
será o custo do ajuste
As taxas de juros futuras brasileiras estão
embutindo riscos de todos os tipos e prêmios substanciais. Em maio, os juros
futuros estavam já há um bom tempo acima do nível de quando o Banco Central
começou seu ciclo de afrouxamento monetário (agosto de 2023). O Brasil teve
melhoria de sua nota de crédito soberano em julho, mas os mercados a ignoraram
solenemente, e o rendimento dos títulos prefixados do Tesouro com vencimento em
2029 atingiram 13% ao ano, em um movimento de alta que vem afetando toda a curva
dos juros. Consumidores e empresas pagam pela desconfiança dos investidores,
que se resume à fragilidade da situação fiscal.
Os investidores temem a repetição do
descalabro com as contas públicas ocorrida no governo petista anterior, de
Dilma Rousseff, reforçado por declarações de descaso para com resultados
fiscais positivos do presidente Lula. No entanto, o déficit primário está sendo
reduzido. Mas para que os juros declinassem, seria preciso atingir logo um
superávit (prometido para 2025 e adiado), cortes de gastos inteligentes e
relevantes, e menos tentativas de utilizar a criatividade para retirar despesas
da meta.
A inflação implícita, medida pela diferença
entre o título prefixado de 2029 (13% na segunda-feira) e o Tesouro IPCA de
maio do mesmo ano (7%), chegou a 6%, um percentual muito inferior à variação
esperada dos preços sinalizada pelo boletim Focus, aponta o especialista
Marcelo D’Agosto (Valor, ontem). Para ele, a inflação teria de subir muito mais
para justificar os altos juros precificados. A economista Zeina Latif fez um
exercício com as taxas futuras de um ano e chegou à conclusão de que poderiam
estar entre 10,4% e 11,1%, e não em 12,5% (O Globo, ontem).
Os preços exorbitantes para rolar a dívida do
Tesouro se baseiam em expectativas negativas formadas pelo aumento muito
significativo do endividamento bruto e pela frustração da ideia de que o novo
regime fiscal faria o contrário e atenuaria bem a trajetória da dívida. De
qualquer forma, o déficit não entrou em trajetória explosiva, mas o Brasil
caminhará para uma crise fiscal no futuro se medidas adicionais para a
contenção de despesas não forem adotadas tempestivamente. O aumento da dívida
bruta, que ultrapassou R$ 1 trilhão em 12 meses, graças aos juros em ascensão,
mobilizou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que prometeu cortar gastos o
quanto for necessário para atingir a meta. No entanto, em outras situações de
aperto semelhantes, no primeiro semestre, também foram feitas promessas de
contenção, mas as de fato executadas foram as de aumento das receitas.
Não precisaria ser assim, pois as receitas da
União bateram recorde praticamente mês a mês durante o ano e foi assim também
em setembro. O resultado dos nove meses de 2024 foi o maior da série histórica,
R$ 1,9 trilhão, com uma alta de 9,7% acima da inflação. Mas as despesas vinham
crescendo até agosto a um ritmo muito superior aos excelentes resultados da
arrecadação. É difícil para o governo cumprir até mesmo as regras do regime
fiscal que propôs, e que foram alteradas para dar-lhe mais margem de manobra.
Em menos de dois anos de governo Lula, a relação dívida bruta/PIB subiu de
71,7% para 78,5%, um salto de mais de sete pontos percentuais do PIB.
Ontem, ao lançar a edição de outubro de seu
Monitor Fiscal, o Fundo Monetário Internacional apontou o Brasil, ao lado de
França, Itália, África do Sul, Reino Unido e EUA, como um dos países em que a
dívida continuará aumentando. Pelas projeções do FMI, ela será de 92% do PIB em
2025 e de 97,6% do PIB em 2029. Os números são mais altos porque a instituição
conta como dívida os títulos do Tesouro em poder do BC, e o Brasil, não. As
tabelas do relatório mostram que o endividamento do Brasil, de 87,6% em 2024, é
o sexto maior entre 38 países emergentes - atrás de Bahrein, Ucrânia,
Argentina, Egito e China. As despesas públicas são bem superiores às da média
dos emergentes do G20 (46,2% do PIB ante 33,4%), assim como as receitas (39,3%
do PIB ante 27%). A dívida média de seus pares do G20 é de 75,8% do PIB, quase
14 pontos percentuais acima dos 87,6% do PIB do Brasil.
Além disso, as projeções do FMI indicam que o
Brasil não conseguirá cumprir as metas do regime fiscal. O déficit primário
(exclui juros) estimado é de 0,5% do PIB (a margem do sistema é -0,25% do PIB)
este ano, piora no ano seguinte para 0,7%, cai para 0,6% em 2026 e atinge um
tímido superávit de 0,1% apenas em 2027.
Países com alto endividamento precisam
consertar suas contas a tempo, segundo o FMI, porque “esperar é arriscado”,
tanto pela reação adversa dos investidores, como as que se observam agora nos
mercados financeiros domésticos, quanto pela perda da margem de manobra
necessária para enfrentar eventuais choques negativos. Há vários deles rondando
o ambiente global, já revolto pelas tensões geopolíticas e pelo aumento do
protecionismo. Outro bom motivo para pôr as contas públicas em dia: quanto mais
tempo o governo demorar para fazer isso, mais alto será o custo do ajuste.
Partidos precisam reduzir dependência de
verba pública
Folha de S. Paulo
Agremiações têm de reduzir uso de fundo
eleitoral; crimes como caixa dois e compra de votos não podem passar em branco
Partem de todos os lados relatos
consternadores sobre a qualidade e
a lisura do financiamento do processo eleitoral no Brasil, tema
delicado em qualquer democracia.
Políticos de um polo ao outro do espectro
ideológico descrevem uma percepção inaudita sobre a circulação de dinheiro vivo
em meio ao período eleitoral, com a escalada de práticas como caixa dois,
compra de votos e infiltração do crime organizado.
A ministra Cármen Lúcia,
presidente do Tribunal Superior Eleitoral, também manifestou preocupação com o
tema, e a Polícia
Federal corroborou as suspeitas com evidências materiais. Neste
ano, segundo o órgão, foram apreendidos R$ 50,4 milhões relacionados a crimes
eleitorais, dos quais R$ 21,8 milhões em espécie.
A cifra representa um salto sem precedentes
em relação ao último pleito municipal, quando os valores ficaram em R$ 6
milhões (R$ 1,5 milhão em dinheiro vivo), e mesmo na comparação com a disputa
geral de 2022, com o confisco de R$ 10 milhões (sendo R$ 5,5 milhões em
espécie).
Diante desse cenário, políticos outrora
defensores do financiamento público exclusivo das campanhas começam a rever
suas posições. Provou-se ingênua a ideia de que o fim das doações empresariais
extinguiria o caixa dois e reduziria uma das fontes de distorção das corridas
eleitorais.
Pelo que se afirma, o dinheiro não
contabilizado continua prática corrente —o interesse das empresas, afinal, não
desapareceu. Já distorções cresceram com a enxurrada de recursos públicos.
Somados, os fundos
eleitorais alimentados com o esforço do contribuinte montam a
R$ 6,2 bilhões, uma quantia fabulosa. A situação piora quando se leva em conta
a distribuição das emendas parlamentares, que superaram R$ 50 bilhões e tiverem
influência decisiva em diversas cidades.
Os visíveis danos ao arranjo
político-institucional precisam ser reparados. Do lado das emendas, não há
segredo: trata-se, se não for politicamente viável reduzir seu montante, de aplicá-las
nas necessidades mais prementes da população, com planejamento,
fiscalização e critérios republicanos, para que não funcionem como ferramenta
de poder.
Quanto aos recursos para campanhas, importa
reduzir de forma drástica os fundos públicos e ampliar os mecanismos de
controle, pois não são poucos os desvios para finalidades desconectadas da
função eleitoral.
Há que se ter em mente, ademais, a
necessidade de punir com rigor os crimes cometidos, para que as ilicitudes não
sejam, no fim das contas, um bom negócio —isso quando elas não são perdoadas
por anistias vexatórias.
Partidos deveriam se mostrar capazes de
levantar verbas por si mesmos, seja pelas doações de pessoas físicas, seja por
outros meios permitidos em lei.
Sem mudanças dessa natureza, o sistema
eleitoral se tornará cada vez mais convidativo para candidatos que não
representam ninguém além do próprio bolso.
Aliar demandas individuais e benefício social
no SUS
Folha de S. Paulo
Norma do STF para conter judicialização por
remédios é bem-vinda; ideal é que avaliação de seja feita por especialistas
O presidente do Supremo Tribunal
Federal, Luís Roberto
Barroso, e a ministra da Saúde, Nísia
Trindade, anunciaram
medidas pertinentes para reduzir a judicialização no SUS. A
principal é a decisão vinculante que cria regras para o fornecimento de drogas
aprovadas pela Anvisa, mas não incluídas na lista do sistema.
O Judiciário só poderá determinar acesso a
esse tipo de medicamento se o demandante provar, por meio de "evidências
científicas de alto nível", que ele
é eficaz e não pode ser substituído por outro já incluído no
rol do SUS.
A norma é correta, mas soa redundante. É
claro que juízes só deveriam determinar custeio de uma despesa extraordinária
se o requerente provasse a necessidade com bons níveis de evidência.
A dificuldade está no fato de que as demandas
são sempre apresentadas como exceção necessária, e magistrados raramente têm
conhecimento técnico para decisão respaldada. Compreende-se, ademais, a
situação delicada de lidar com casos que podem tratar de vida ou morte.
Na dúvida, concede-se a liminar. Não parece
garantido, pois, o impacto da mudança.
O problema da judicialização se origina no
artigo 196 da Constituição: "A saúde é direito de todos e dever do
Estado". Trata-se de uma norma programática, não imperativa. Afinal, na
realidade, não há como garantir que todos os cidadãos sejam saudáveis.
Tampouco há sistema público de saúde no mundo
que arque com qualquer demanda pessoal sem considerar eficácia e custos.
Não obstante, o artigo 196 vem alimentando a
judicialização, inclusive no setor privado. É com base nele que pacientes e
familiares fazem pedidos que vão de colchões e outros itens que guardam leve
relação com a saúde até terapias
sem respaldo científico.
Por óbvio, também há demandas legítimas.
Ocorre que, mesmo nesses casos, a judicialização pode gerar iniquidades. Quanto
mais recursos são destinados a demandas individuais, menos sobram para
políticas públicas, que em tese têm alcance mais amplo.
Por vezes, o remédio solicitado na Justiça de
fato traz benefício, mas ele pode ser marginal e o fármaco custar muito mais do
que outro que está na lista do SUS.
É preciso não só avaliar a efetividade da droga, mas o custo-benefício social. E é mais racional que tal decisão seja tomada no âmbito administrativo, por especialistas que olham para o setor como um todo, do que por juízes que se debruçam sobre solicitações específicas. Assim se dá na maioria dos países que mantêm sistemas públicos de saúde.
Boulos tropeça no caminho de Damasco
O Estado de S. Paulo
PT e PSOL, que se opõem a todas as tentativas
de aliviar o peso do Estado sobre os negócios, querem que o eleitor acredite
que sua vedete se converteu num campeão do empreendedorismo
O candidato pela chapa PSOL-PT à Prefeitura
de São Paulo, Guilherme Boulos, fala muito em “esperança”, mas parece ter
entrado mesmo no modo “desespero”. Amargando uma distância de 10 pontos
porcentuais de seu adversário, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), Boulos
propagandeou na segunda-feira “um anúncio inédito na história das campanhas
eleitorais, que pode mudar tudo”. Nem tão inédito assim, o anúncio era uma
versão mimeografada da Carta ao Povo Brasileiro fabricada pelos
marqueteiros do “Lulinha paz & amor” na campanha de 2002.
A Carta ao Povo de São Paulo faz um
arremedo de mea culpa: de tanto olhar para os “invisíveis”, a esquerda
teria tapado os olhos – além de ouvidos, boca e quiçá o nariz – aos pequenos
empreendedores. Na ânsia de provar que, em seu caminho de Damasco, o feroz
extremista de esquerda havia se convertido num campeão das liberdades
individuais, Boulos admite que “deixamos de falar com tanta gente que batalha,
sofre o dia-a-dia das periferias e que buscou encontrar sua própria forma de
ganhar a vida”. E vem a epifania: “A periferia mudou”.
De fato, mudou, e não é de hoje. Já em 2016,
a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, fez uma pesquisa em bairros pobres de
São Paulo e identificou que categorias como “luta de classes” simplesmente “não
habitam o imaginário da população”, para quem “o principal confronto existente
na sociedade não é entre ricos e pobres, entre capital e trabalho, entre
corporações e trabalhadores”, e sim “entre Estado e cidadãos, entre sociedade e
seus governantes”. Para os entrevistados, “todos são vítimas do Estado que cobra
impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento
econômico e acaba por limitar ou sufocar a atividade das empresas”. Eis algo
que não mudou: em rankings de liberdade econômica e ambiente de negócios, o
Brasil segue atolado nos últimos pelotões.
Não por mera coincidência, naquele mesmo 2016
se encerrava um ciclo de 13 anos do PT no poder e inaugurava-se um ciclo de
reformas, como a trabalhista e a da previdência, além do teto de gastos, o
marco do saneamento e as leis das estatais, das agências reguladoras e da
autonomia do Banco Central. Um elemento comum era reduzir o peso e as
arbitrariedades do Estado que freiam o potencial de crescimento e perpetuam
desigualdades de renda e oportunidades. O outro foi a feroz oposição do PT e do
PSOL.
O Partido Socialismo e Liberdade, que por
sinal nasceu de uma costela do PT, gosta de se apresentar como a “nova”
esquerda. Mas de novo trouxe apenas as pautas identitárias – coqueluche
dos apparatchiks das elites que geram repulsa nas classes médias e
baixas. Já em política econômica, o PSOL nasceu mais à esquerda e mais
retrógrado que o PT, sintomaticamente num motim contra a reforma da previdência
de Lula em 2003. Expulsos do PT sob vaias e gritos de “stalinistas”, os
fundadores do PSOL inscreveram em seus estatutos a defesa apaixonada da
“superação da ordem capitalista” em nome da “necessidade histórica da
construção de uma sociedade socialista”.
Quando Boulos deixou de queimar pneus e
invadir propriedades para tentar a sorte nas urnas, em 2018, era natural que se
filiasse ao PSOL. Afinal, “o Movimento dos Trabalhadores sem Teto”, dizia o seu
líder, “não é um movimento de moradia”, mas “um projeto de acumulação de forças
para mudança social”. A um repórter do Estadão em 2014, Boulos se
disse “um marxista com a missão de acumular forças políticas para a revolução
socialista”. Já de barba aparada e terno bem cortado, o deputado Boulos, eleito
em 2022, vocalizou sua intenção de derrubar as reformas e o marco do saneamento
e votou contra o arcabouço fiscal do próprio governo Lula.
Que ironia ver uma candidatura impulsionada
com milhões do contribuinte que formam o pedaço do fundo eleitoral nos cofres
do PT buscando seduzir o eleitor “descrente da política, que perdeu a esperança
por achar que são todos iguais” e aparecem “de quatro em quatro anos repetindo
o que o marqueteiro falou”. Verdade seja dita: em geral, como diz a tal Carta
ao Povo de São Paulo, é difícil mesmo “diferenciar quem está de verdade do seu
lado dos que querem te enganar”. Mas no caso do PT, do PSOL e de seu candidato
a prefeito de São Paulo, talvez não seja tão difícil assim.
Sem celulares nas escolas
O Estado de S. Paulo
Sustentados em pesquisas que mostram
prejuízos à aprendizagem ligados aos smartphones, governo e oposição aceleram o
bem-vindo debate sobre a proibição de celulares em salas de aula
Ministério da Educação, parlamentares
governistas e de oposição e representantes dos conselhos estaduais e municipais
de Educação parecem ter chegado a um consenso, e deve ser enviado em breve um
projeto de lei proibindo o uso de celulares nas redes públicas e particulares
de ensino de todo o Brasil. Caso se confirmem as informações e os prognósticos
apresentados pela reportagem de Renata Cafardo e Paula Ferreira publicada
recentemente no Estadão, o País dará um passo gigantesco na contenção dos
malefícios causados pelo uso excessivo de smartphones por crianças e
adolescentes. Já são fartas as evidências dos prejuízos de aprendizagem,
concentração e foco, além de graves consequências à saúde mental, com aumento
do vício, ansiedade, depressão, automutilação e suicídios. Países como
Finlândia, Holanda, Portugal, Espanha e EUA já têm políticas de proibição ou
restrição dos aparelhos nas escolas. O Brasil precisa segui-los sem tardança.
O consenso e o apoio popular são importantes
combustíveis para fazer a medida avançar. Recente pesquisa realizada pelo
Datafolha mostrou que 62% dos brasileiros com mais de 16 anos são favoráveis à
proibição do uso de celulares nas escolas. O apoio aumenta entre os pais que
têm filhos de até 12 anos. Para 76% dos entrevistados, o celular traz mais
prejuízos do que benefícios ao aprendizado, índice que sobe entre os pais –
evidência da crescente preocupação com o mau uso da tecnologia na educação,
algo confirmado e ampliado por pesquisas. “O uso de smartphones nas salas de
aula leva os alunos a se envolverem em atividades não relacionadas à escola, o
que afeta a memória e a compreensão”, sintetizou a Unesco, por exemplo, em
seu Relatório Global de Monitoramento da Educação, intitulado A tecnologia
na educação, uma ferramenta a serviço de quem?.
Não se trata de conflito geracional nem de
recorrer a comparações saudosistas, com uma possível – e inútil – pregação de
retorno a um passado supostamente melhor. Tampouco se trata de demonizar a
tecnologia, que, afinal, é uma importante aliada em alguns processos
educacionais, e parece imprescindível às escolas manter seu uso dentro de sala
de aula de forma monitorada, consciente e a serviço do aprendizado – além de
ser parte integrante do cotidiano de jovens e adultos. Mas o uso mais cuidadoso
dos celulares e das redes sociais ganhou escala com obras de repercussão
internacional, como o livro A geração ansiosa, do psicólogo social Jonathan
Hardt. Ele investigou o que chama de “colapso da saúde mental” entre os jovens,
sobretudo aqueles nascidos depois de 2010, quando várias tendências
tecnológicas convergiram: a rápida expansão da banda larga, a chegada de
smartphones, a nova era das redes sociais que estimulam o engajamento e a
atenção permanentes.
A regulamentação é a consequência inevitável
do avanço das pesquisas sobre os riscos. Muitos países europeus e alguns
Estados americanos passaram leis que proíbem o celular em escolas, o ambiente
crucial para aprendizagem e interação social que claramente já sofre impactos
com as novas tecnologias. Em alguns casos, as regulamentações têm ultrapassado
as divisas escolares. A União Europeia, por exemplo, aprovou regras de design
apropriado para crianças em redes sociais, enquanto o Estado de Nova York, nos
EUA, já vem discutindo uma legislação que impeça o uso de algoritmos pelas
plataformas em conteúdos infantis.
Para o consenso funcionar, no entanto, não
basta só considerar as mais relevantes e atuais pesquisas sobre o tema. É
preciso aceitar que essa é uma decisão que une igualmente governos e sociedade,
políticos, especialistas e pais. E que é importante renunciar a protagonismos
de qualquer espécie entre governo e Congresso, governistas e oposição. No mês
passado, tão logo o ministro da Educação, Camilo Santana, ganhou os holofotes
por pautar o tema, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), presidente da Comissão
de Educação da Câmara, se apressou a encaminhar a tramitação de um projeto de
relatoria do colega Diego Garcia (Republicanos-PR).
O holofote, neste caso, precisa estar na
solução e nos jovens, não nos oportunistas que pretendem capitalizar
politicamente a ansiedade de pais e educadores.
A extraordinária retomada gaúcha
O Estado de S. Paulo
Reabertura do Salgado Filho atesta a
formidável recuperação do RS após a tragédia das enchentes
O Aeroporto Internacional Salgado Filho, em
Porto Alegre, acaba de retomar voos comerciais, um marco na recuperação da
economia do Rio Grande do Sul após as chuvas sem precedentes que deixaram boa
parte do Estado inundada por dias a fio no primeiro semestre deste ano. À época
da catástrofe não se tinha ideia de quando o aeroporto seria reaberto. Por
isso, a retomada dos voos comerciais, ainda que de forma parcial (o retorno
completo é previsto para dezembro), é por si só um atestado da resiliência da
economia gaúcha, reconhecida inclusive pelo Fundo Monetário Internacional
(FMI).
Na edição mais recente do relatório Perspectiva
Econômica Global, o FMI eleva a projeção de crescimento do Brasil em 2024 de
2,1% para 3% e cita o impacto menos drástico que o esperado das enchentes
gaúchas como uma das razões que levaram à revisão para cima da estimativa de
PIB. A atividade econômica do Rio Grande do Sul, que por razões óbvias caiu
fortemente em maio, quando o Estado estava paralisado, já em junho apresentava
uma retomada em “V”. Renda e emprego também estão em recuperação.
Parte da retomada está relacionada à
diversificação da indústria gaúcha. Além disso, se eventos trágicos como o das
inundações recentes provocam perdas de valor incalculável como as de vidas
humanas, estas jamais recuperáveis, na economia, quando algo de que se
necessita deixa de ser oferecido por alguém, o mercado se impõe e um substituto
aparece, o que vem ocorrendo na Região Sul.
Até agora, o setor com recuperação mais lenta
vem sendo, sem surpresas, o de serviços, o que só reforça a importância da
reabertura do principal aeroporto gaúcho para voos comerciais, que traz alento
para atividades econômicas como turismo e eventos. Campanhas para visitas às
atrações turísticas gaúchas estão a pleno vapor. Note-se ainda que o fechamento
do Salgado Filho não dificultou apenas a vida dos gaúchos, o que por si só já é
ruim, mas a de viajantes regionais e estrangeiros, já que o aeroporto é um importante
hub internacional.
Óbvio que nem tudo são flores e que parte do
que ficou submerso está destruída para sempre. Ainda assim, a recuperação em
curso é formidável, ainda mais quando, há poucos meses, as imagens do Rio
Grande do Sul eram de completa desolação. É fundamental também destacar que,
embora as chuvas que castigaram impiedosamente o Estado tenham sido sem
precedentes e que parte da destruição era inevitável, é essencial que a
recuperação em andamento seja pensada para o longo prazo, contemplando a
ocorrência mais frequente de fenômenos climáticos.
Por fim, cabe ressaltar ainda que tentativas desavergonhadas de politizar a tragédia provaram-se improdutivas. Um leilão anunciado pelo governo Lula da Silva para uma desnecessária compra de arroz importado foi cancelado por suspeita de fraude. Já a Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução do Rio Grande do Sul, na verdade uma plataforma para as pretensões políticas do petista Paulo Pimenta, deixou de existir e não há notícia de que faça alguma falta. Tanto melhor para a recuperação gaúcha.
Paralisia infantil ainda preocupa
Correio Braziliense
A baixa cobertura vacinal é o principal
motivo para essa situação de alerta máximo. Desde 2016, a taxa de imunização do
Brasil está abaixo da meta de 95%, aumentando o risco de retorno da circulação
do poliovírus
Sousa, na Paraíba, registrou, em 1989, o
último caso de poliomielite no Brasil. Encerrava-se, há 35 anos, a disseminação
de uma doença altamente contagiosa cujas sequelas marcam o corpo e a memória de
quem testemunhou os surtos ocorridos no país desde 1968. No período, foram
26.827 casos de infecção por poliovírus, que, em casos graves, leva a
paralisias irreversíveis — a maioria em crianças. Cinco anos depois do caso
paraibano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou que a poliomielite
tinha sido oficialmente eliminada do território nacional. Agora, a mesma
agência das Nações Unidas alerta que o Brasil faz parte da lista de países com
risco "altíssimo" de retorno da também chamada paralisia infantil, o
que demanda uma reação rápida e bem-estruturada das autoridades de saúde.
A baixa cobertura vacinal é o principal
motivo para essa situação de alerta máximo. Desde 2016, a taxa de imunização do
Brasil está abaixo da meta de 95%, aumentando o risco de retorno da circulação
do poliovírus. Em 2021, 71% do público-alvo — crianças abaixo de 5 anos — foi
imunizado. No ano seguinte, o número subiu para 77% e chegou a 86% em 2023,
segundo o Ministério da Saúde. Algumas unidades da Federação se aproximaram
ainda mais do patamar recomendado pela OMS, ultrapassando a cobertura de 90%, como
Ceará, Piauí, Santa Catarina e Distrito Federal. Há de se destacar o esforço do
novo governo para reverter um movimento de negação aos benefícios das
vacinas que ganhou força com a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da
República.
Surge, agora, um novo desafio. O Ministério
da Saúde vai substituir as duas doses de reforço com gotinhas por uma dose
injetável. A pasta argumenta que a decisão é baseada em evidências científicas
e segue recomendações internacionais para deixar o esquema vacinal ainda mais
seguro — Estados Unidos e países da Europa adotaram o novo modelo, por
exemplo. Não se pode desconsiderar, porém, que há a possibilidade de poucas
informações sobre a mudança virarem combustível para a disseminação de fake news,
podendo, inclusive, comprometer os avanços recentes na imunização.
Considerando que a mudança ocorrerá até o
próximo dia 4, como anunciou o ministério, a adoção, o quanto antes, de uma
campanha robusta sobre os benefícios do novo esquema vacinal da poliomielite
pode ajudar a conter possíveis efeitos do negacionismo. O próprio Zé Gotinha,
uma marca nacional da luta contra a paralisia infantil e que não será
aposentado pelo governo, pode impulsionar uma investida federal de
esclarecimento sobre o novo protocolo, evitando que esse processo se limite a
iniciativas no âmbito estadual ou municipal.
Uma mobilização de grandes proporções também
se justifica pelo fato de os países vizinhos voltarem a registrar casos de
paralisia infantil. Um bebê indígena do Peru foi diagnosticado com a doença em
março do ano passado. O distrito em que ele vive fica a cerca de 500 km da
fronteira com o Brasil. Em 2018, um surto de poliomielite na Venezuela também
acendeu o sinal vermelho entre médicos brasileiros. Os venezuelanos estavam
livres da doença havia 30 anos.
Áreas fronteiriças representam um risco ainda
maior de reintrodução do poliovírus no Brasil porque nesses lugares há a
combinação de baixa cobertura vacinal e grande fluxo de pessoas e mercadorias,
favorecendo a circulação desse patógeno altamente contagioso. A região das
Américas foi a primeira do mundo a eliminar a paralisia infantil, conquista
comemorada em todo o 24 de outubro, Dia Mundial de Combate à Poliomielite. O
Brasil, como uma liderança regional, precisa dar o exemplo. Vacinar as suas
crianças é expressão de afeto, de respeito à vida e à coletividade.
A volta da pólio e do sarampo pode ser "creditada" ao Bolsonarismo tosco.
ResponderExcluirDizem que quem traiu Tiradentes foi Bolsonaro!
ResponderExcluirEssa galera Cabeça oca da esquerda consegue ser tão idiota que dá dó
Governo atual já está aí há quase dois anos e a culpa é do Bolsonaro KKKKK
É por isso que Lula deita e rola Com essa galera
A incompetência do PT em administrar a coisa pública já é antiga Saúde educação e segurança pioraram nos últimos 20 anos que eles tiveram à frente do governo brasileiro
ResponderExcluirO resto da conversa fiada
O candidato Guilherme Boulos está usando pele de cordeiro mas o paulista sabe que embaixo tem um lobo Velhaco
Esse texto do Estadão sobre o Bolos ( sic ) me fez lembrar de outra personagem: Djamila Ribeiro. Pois bem.
ResponderExcluirCerto dia vi uma foto da distinta portanto uma bolsa Prada, em campanha publicitária para a empresa. De minha parte, absolutamente nada contra. Ao contrário. Mas, como a pulga atrás da orelha e a curiosidade falaram mais alto, resolvi buscar algumas informações sobre o passado da, digamos assim, influenciadora. Pesquiso por seus textos no blog da Boitempo, e o que encontro? A mais pura defesa dos princípios revolucionários marxistas. A legitimação da luta de classes, travestida em luta antirracista, pela " superação do capitalismo, da exploração do homem pelo homem " e tudo o mais.
A comparação entre os contextos da evolução da, hmmm, intelectual me reportou ao ( salvo engano ) Radical Chic, livro do jornalista Tom Wolfe, e à cena de uma das suntuosas festas promovidas por Leonard Bernstein e a fina flor da elite nova-iorquina com a participação ( mais que especial ) dos panteras negras. O mais puro suco da esquerda com pedigree.
Nada como um dia após o outro.
😏😏😏