Senadores precisam tirar exceções do PL dos Supersalários
O Globo
Texto que voltou da Câmara mantém privilégios
que permitem à elite do funcionalismo ganhar acima do teto
Os supersalários do setor público sempre aparecem como alvo quando há necessidade de conter despesas do governo. Voltaram à tona agora que os ministérios da Fazenda e do Planejamento preparam um programa de controle de gastos públicos. Pela estimativa do governo, a aprovação do Projeto de Lei dos Supersalários traria economia anual de até R$ 5 bilhões, contribuindo para o cumprimento da meta fiscal. A dificuldade, como costuma acontecer, está nos detalhes. Se aprovado pelo Senado na forma atual, o PL corre o risco de agravar o problema que se propõe a resolver.
É mais que meritório o objetivo de reduzir os
penduricalhos que permitem à elite do funcionalismo usufruir privilégios
inadmissíveis. Mas a pressão das categorias influentes dos servidores tem
conseguido desvirtuar a intenção do projeto. Aprovado pelo Senado, ele foi
desfigurado na Câmara dos
Deputados, que incluiu no texto 32 exceções permitindo furar o teto
salarial — da conversão em dinheiro de férias não gozadas de juízes e
procuradores aos adicionais noturnos de funcionários do Congresso; das verbas
de representação dos diplomatas a isenções e compensações de militares. O
alerta foi dado pelo economista Bruno Carazza, autor do livro “O país dos
privilégios — os novos e velhos donos do poder”, em sua coluna no jornal Valor
Econômico.
Em maio, uma nota técnica elaborada pelo
economista Daniel Duque para o Centro de Liderança Pública (CLP) estimou que,
em razão de inúmeros penduricalhos e verbas indenizatórias, uma elite de 17 mil
servidores tem renda média acima do teto constitucional, hoje fixado em em R$
44.008,52 mensais (salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal). Desses,
dizia a nota, 7 mil recebem todo mês mais que o teto, e quase 170 mil já o
furaram em pelo menos um mês. A maioria, de acordo com a análise, está concentrada
no Judiciário, no Ministério Público e no Legislativo. Vem daí a projeção do
governo de economizar até R$ 5 bilhões com a aprovação do PL.
Carazza, mesmo reconhecendo o mérito da nota
ao apresentar um cálculo aproximado do custo dos supersalários, considera as
estimativas de redução de gastos do CLP “um retrato apenas parcial da
realidade”. Duque fez suas contas com base na Relação Anual de Indicadores
Sociais (Rais) e na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad),
do IBGE.
“Por serem levantamentos declaratórios ou amostrais, não retratam fielmente a
realidade das folhas de pagamento de cada órgão público”, diz Carazza. Para
isso, segundo ele, é preciso ter acesso às informações dos contracheques,
disponíveis nos portais de transparência — mais acessíveis na esfera federal
que na estadual ou na municipal.
Para seu livro, Carazza usou dados das folhas
de pagamento de todos os tribunais do país, levantados pelo Conselho Nacional
de Justiça (CNJ).
Calculou que, no ano passado, 93% dos magistrados brasileiros receberam mais
que os ministros do Supremo, uma despesa adicional que ultrapassou R$ 8
bilhões. Pelo menos 1.002 juízes ganharam, líquido, mais de R$ 1 milhão por ano
(mais de R$ 83 mil por mês). Entre os procuradores, segundo seus cálculos,
91,5% ganharam acima do teto. Ao todo, ele avalia em mais de R$ 20 bilhões a
despesa de todas as esferas de governo com estouros do teto.
O PL voltou para apreciação dos senadores.
Eles devem, no mínimo, restabelecer a versão original da proposta.
Para FMI, é hora de ajuste fiscal e avanço
das reformas
Valor Econômico
Esta é uma tarefa na qual o governo brasileiro já deveria estar empenhado
A economia global venceu o maior pico
inflacionário em décadas e caminha para um pouso suave, avalia o Fundo
Monetário Internacional no relatório “Panorama Econômico Mundial”. Apesar
disso, há vários riscos no horizonte, e o crescimento mundial nos próximos
cinco anos será mediano e abaixo da média dos 19 anos do século até a pandemia.
No caso de países emergentes, como o Brasil, as expectativas de expansão são
ainda mais fracas do que antes da irrupção da covid-19. O PIB mundial avançará
3,2% ou ao redor disso até 2029.
“Derrubar a inflação sem uma recessão global
é uma grande conquista”, afirmou o economista-chefe do FMI, Pierre-Olivier
Gourinchas. Mas o balanço de riscos globais continua pendendo para o lado
negativo. Por um lado, a política monetária não foi afrouxada o suficiente em
muitos países avançados e emergentes relevantes porque o núcleo da inflação
(4,2% na média global) ainda é 50% superior ao do período pré-pandemia. A
inflação de serviços permanece alta e mantém os bancos centrais na defensiva,
com juros ainda contracionistas, aumentando o déficit público em um momento em
que o endividamento é alto. No Brasil, os serviços conduzem um repique da
inflação, induzindo um novo ciclo de alta de juros.
Um dos riscos que podem se materializar é o
de que o aperto monetário já realizado tenha sido mais forte do que o
necessário, e a flexibilização se afigurar mais lenta, dada a resistência à
queda da inflação na reta final. A economia continuaria a ser freada pela
política monetária, contrariando expectativas e motivando uma rodada de
reavaliação dos preços dos ativos que poderá não ser ordenada.
Outro risco é o de uma contração maior que a
prevista da economia chinesa, com a persistência da crise imobiliária e um
aprofundamento da desconfiança do consumidor, que tem se refletido na redução
do crescimento. O FMI prevê avanço de 4,8% do PIB neste ano e de 4,5% em 2025,
diferença marginal em relação aos planos de Xi Jinping de manter um ritmo de 5%
anual.
Choques climáticos e tensões geopolíticas
podem fazer disparar novamente os preços das commodities, trazendo dificuldades
aos bancos centrais, que se veriam às voltas com um crescimento econômico menor
e maior pressão inflacionária. O cenário básico do FMI para petróleo e demais
commodities é de queda de 3,8% em 2025, com as carnes com redução maior (5,2%
neste ano, 4,5% no próximo).
Uma ameaça nesse sentido é a eleição de
Donald Trump (não nomeado no relatório), que prometeu elevar em 10% as tarifas
sobre todos os produtos importados e 60% sobre produtos vindos da China. Em
cenário avaliado pelo FMI, essa medida seria seguida de tarifas retaliatórias
de 10% aplicadas por China e Europa sobre mercadorias dos EUA. Essa guerra
atingiria um quarto de todo o comércio de mercadorias e 6% do PIB mundial.
Nessas circunstâncias, o PIB americano declinaria 0,4% em 2025 e 0,6% em 2026,
e o PIB mundial, 0,3% nesse ano.
Os efeitos de uma fragmentação global,
resultado da disputa entre EUA e China, serão amplos. Por enquanto, não
afetaram significativamente o comércio mundial, mas sua direção: ele aumentou
entre países que estão no bloco americano e nos que têm proximidade comercial
com a China, e diminuiu entre os dois blocos. Mas se o cisma continuar a se
desenvolver ele poderá reduzir a estabilidade das cadeias globais de
suprimento, aumentar custos, perturbar os fluxos de capital internacionais,
diminuir a transferência de conhecimento entre países emergentes e avançados e,
o que não é menos relevante, trazer um maior custo econômico à transição verde.
O relatório, em seu cenário básico, estima
que os juros na zona do euro vão parar de cair em junho de 2025, chegando então
a 2,5%. A dívida dos países do bloco monetário já se estabilizará em 2024, em
88% do PIB. Os Estados Unidos reduzirão juros até 2,9% só no terceiro trimestre
de 2026. O déficit americano (6,1% do PIB) não declinaria e o endividamento
atingirá 134% do PIB em 2029.
O Fundo prevê que o Brasil crescerá 3% este
ano e 2,2% em 2025, uma desaceleração que será provocada pela política
monetária restritiva. As projeções de inflação da instituição são de 4,6% para
2024 e 3,6% em 2025, ou seja, a meta ainda não seria atingida. No entanto, esse
não é um “privilégio” brasileiro. Em outro trecho do relatório, o FMI estima
que em 2025 dois terços dos países avançados ou emergentes que utilizam o
sistema de metas de inflação não atingirão seu centro ou ultrapassarão o teto.
Quanto ao crescimento, o Brasil seguirá em 2025 ritmo inferior ao dos
emergentes (4,2%) e de países da América Latina e Caribe (2,5%).
As recomendações do FMI se adequam ao caso
brasileiro. “Agora é a hora da guinada fiscal”, disse Gourinchas. É preciso
mudar o mix de política monetária apertada e política fiscal frouxa para seu
contrário. Ao lado das reformas para elevar a produtividade, a consolidação
fiscal é vital para reduzir juros e ter a inflação sob controle. “Mas tem
faltado vontade ou habilidade para realizar ajustes fiscais disciplinados e
críveis”, conclui. É uma tarefa na qual o governo brasileiro já deveria estar
empenhado.
Governo Lula erra na gestão de vacinas
Folha de S. Paulo
Dinheiro público é desperdiçado com
imunizantes contra Covid vencidos; urge mellhorar logística e intensificar
campanhas
Mais uma vez o Ministério da
Saúde se vê diante de problemas com seu programa de imunização,
que denotam precariedade em distribuição e evidenciam desperdício de dinheiro
público.
De 12,5 milhões de vacinas adaptadas à
variante XBB do coronavírus adquiridas
em maio deste ano por R$ 725 milhões, a pasta foi
incapaz de entregar 4,2 milhões a estados e municípios.
Para piorar, 3 milhões estão vencidas e 1,2
milhão delas serão trocadas pela farmacêutica Moderna por doses com validade
mais longa. Agora, o governo não possui imunizantes para entrega imediata.
Ademais, das 8,26 milhões de doses repassadas, apenas 3,1 milhões foram
aplicadas.
O ministério de Nísia
Trindade reconhece que as unidades da Federação dispõem de
poucas doses, notadamente do modelo infantil, e indica que as dificuldades se
devem a fatores como validade, exigência de baixíssimas temperaturas de
armazenamento e fake news contra
vacinas.
Contudo os motivos elencados são justamente
aqueles que devem ser diagnosticados e enfrentados pela gestão, com incremento
em logística e em campanhas de conscientização —estas também deveriam ser
intensificadas por estados e municípios.
O contrato com a Moderna foi emergencial. Em
abril deste ano, um abaixo-assinado feito por integrantes da comunidade
científica e profissionais da área da saúde já
cobrava da pasta a entrega de vacinas para novas variantes do vírus e medidas
para fortalecer o combate à doença. A vacina atualizada contra novas variantes
foi aprovada pela Anvisa em
dezembro de 2023.
Sinais de inépcia não são novidade. Em
setembro de 2023, o governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
adquiriu 10 milhões de doses da Coronavac,
mesmo que esse imunizante já fosse secundário no SUS, por não
ser atualizado para novas cepas do vírus.
Além disso, isentou o Butantan da obrigação
de substituir lotes com validade inferior ao prazo definido no contrato.
Passados 12 meses, 8 milhões de doses estavam vencidas ou prestes a vencer —desperdício
de R$ 260 milhões.
Já em relação ao imunizante Qdenga, contra
a dengue,
a Anvisa deu aval para venda em março de 2023, mas, devido à burocracia, a permissão
para distribuição no SUS só veio em dezembro.
De janeiro a outubro de 2024, a Covid-19
matou 5.157 pessoas no país; a dengue, 5.661.
Outras enfermidades também são afetadas.
Estudo da Confederação Nacional dos Municípios mostra que 6 em cada 10 cidades
relatam falta de vacinas para o público infantil contra doenças como meningite,
sarampo, catapora e rubéola, além da Covid.
Mesmo considerando possíveis entraves no
fornecimento pelas farmacêuticas, está claro que o Ministério da Saúde precisa
instituir mudanças para garantir distribuição eficiente e evitar o desperdício
de dinheiro do contribuinte. Exige-se tão somente que a pasta cumpra sua
função.
Reforma administrativa vai além de cortar
supersalários
Folha de S. Paulo
Eliminar benesses é importante, mas cumpre
enfrentar distorções como o nível exagerado da estabilidade do funcionalismo
Diante da necessidade de demonstrar alguma
disposição para o controle de despesas, de modo a mitigar temores que levam à
alta do dólar e dos juros, o governo Luiz Inácio Lula da
Silva (PT)
fez saber que estuda
limitar os chamados supersalários do serviço público.
Compreende-se a escolha do alvo. Trata-se de
medida com apoio garantido na opinião pública, sem o desgaste político que
outros cortes de gastos acarretariam, sobretudo no eleitorado mais à esquerda.
É bem mais fácil defender o fim de remunerações nababescas na elite do
funcionalismo do que menos
recursos para saúde e educação, por exemplo.
Seu impacto para o reequilíbrio das contas do
Orçamento, porém, é duvidoso. Estima-se uma economia perto de R$ 5 bilhões
anuais, na União e nos estados, com a eliminação de auxílios, abonos e outros
penduricalhos que hoje permitem que funcionários privilegiados, principalmente
no Judiciário, recebam do erário mais que o teto salarial dos servidores, de R$
44.008,52 mensais.
O montante não chega a impressionar na
comparação com o déficit de quase R$ 70 bilhões esperado só no balanço do
Tesouro deste ano. Mais ainda, um projeto nesse sentido —como outros já
tentados no Congresso— sofrerá oposição feroz de corporações com grande
influência entre os parlamentares.
A boa notícia é que amadurece o debate em
torno de uma reforma
administrativa mais ampla, capaz de trazer não apenas maiores ganhos
fiscais como melhoras de gestão. O próprio governo petista tem ensaiado
discussões e propostas nessa seara, embora obviamente limitadas pelas
afinidades sindicais do partido.
Como noticia a Folha, um grupo de
entidades privadas prepara uma campanha em prol de providências fundamentais
como a reorganização das carreiras com diminuição dos salários iniciais, hoje
muito próximos aos do topo, e redução do alcance da estabilidade no emprego,
que deveria ser limitada às funções de Estado.
O fim dos supersalários —que fazem do
Judiciário brasileiro o mais caro de que se tem notícia no mundo— pode ser um
ponto de partida para a reforma, mas não um objetivo único. Mesmo antes de
rever a estabilidade, por exemplo, pode-se regulamentar a demissão por mau
desempenho já autorizada na Constituição.
A tarefa é sem dúvida difícil politicamente, mas Executivo e Legislativo aprovaram nos últimos anos mudanças previdenciárias e tributárias também complexas. Em todos os casos, o motor é a urgente necessidade de buscar a funcionalidade do Estado.
Presente de grego
O Estado de S. Paulo
PL dos supersalários, ao contrário do que o
nome sugere, valida penduricalhos que ignoram o teto do funcionalismo público e
desmoraliza o pretenso discurso fiscal do governo
A equipe econômica pretende apresentar um
ambicioso pacote de corte de gastos ao presidente Lula da Silva após o segundo
turno das eleições municipais. Pouco se sabe sobre essas medidas, mas, se o
governo tem a intenção de provar seu compromisso fiscal e de mostrar aos
céticos que eles estão errados, terá de se esforçar muito mais.
Na agenda do Executivo, uma das principais
apostas parece estar na aprovação do projeto de lei dos supersalários, que
tramita há anos no Legislativo. Originalmente elaborada por uma comissão
especial do Senado em 2016, a proposta tinha como objetivo moralizar o setor
público, dar fim a penduricalhos e fazer valer o teto remuneratório previsto na
Constituição, que tem como base a remuneração dos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF), hoje em pouco mais de R$ 44 mil mensais.
Bem se sabe que a medida teria caráter mais
simbólico do que prático, pois são poucos os funcionários públicos nesta
privilegiada situação. Enquanto 11 milhões ganhavam até R$ 5 mil mensais no ano
passado, segundo o Centro de Liderança Pública (CLP), apenas 25 mil recebiam
mais que o teto. Mas é um tema politicamente fácil de defender ao reforçar o
discurso do governo de que o ajuste não pode se dar apenas sobre os mais pobres
e gerar economia aos cofres públicos.
O problema é que há razões para duvidar dessa
pretensa economia. De fato, o texto do Senado pretendia garantir que ninguém no
Executivo, no Legislativo e no Judiciário nas esferas federal, estadual e
municipal ganhasse mais que o teto. Mas, na Câmara, a proposta foi desfigurada
para que algumas das benesses da elite do funcionalismo público não sejam
tratadas como remuneração, o que assegura a manutenção dos penduricalhos e
permite que o teto, na prática, continue a ser ignorado.
Ao todo, 32 tipos de pagamento – não é piada
– terão tratamento especial e serão considerados indenizações, direitos
adquiridos ou ressarcimentos. Auxílio-alimentação, licença-prêmio, horas
extras, auxílio-creche e auxílio-transporte, entre outros, serão preservados,
alguns com “travas”.
Membros do Judiciário e do Ministério Público
manterão as férias de 60 dias intocadas, bem como a possibilidade de converter
um terço do descanso em dinheiro. O projeto também endossa a prática de
militares que acumulam férias ao longo da carreira para receber uma bolada na
passagem para a reserva.
O auxílio-moradia dos juízes, de R$ 4,3 mil,
e de procuradores, de 25% do salário, também será mantido. Sozinho, tal
benefício supera o rendimento médio real do trabalhador, de R$ 3,1 mil no
segundo trimestre deste ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua do IBGE.
Em coluna do jornal Valor, Bruno
Carazza, professor-associado da Fundação Dom Cabral, sugere que o projeto pode
até aumentar as despesas, em vez de reduzi-las. Afinal, ao mesmo tempo que
regulamenta o teto regulatório, o texto valida todos os penduricalhos que a
elite do funcionalismo público acumulou ao longo dos últimos anos.
Devido a essas regalias, segundo Carazza, 93%
dos juízes ganham mais que um ministro do STF – e continuarão a receber, se o
projeto for aprovado. Muitas dessas benesses se baseiam em decisões de
conselhos que deveriam extingui-los, em vez de criá-los, mas que atuam como
entidades sindicais.
Depois de aprovada pela Câmara em 2021, a
proposta voltou ao Senado e, desde então, está parada na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ). Na única ocasião em que o presidente da Casa,
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), cogitou desengavetá-la, foi para “compensar” o
impacto financeiro da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) do
quinquênio.
Nenhuma delas, por enquanto, avançou. Mas a
PEC do quinquênio ao menos tem a honestidade de dizer a que veio: para
restabelecer o extinto privilégio do adicional por tempo de serviço a
magistrados e membros do Ministério Público. Já o projeto dos supersalários é
um verdadeiro presente de grego que faz o oposto do que promete, o que nos faz
pensar se os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet conhecem mesmo a
iniciativa que decidiram apoiar.
Nova ofensiva de Lula contra as agências
O Estado de S. Paulo
Governo petista usa o apagão em São Paulo
como pretexto para tentar diminuir a autonomia das agências reguladoras, um
desejo antigo de Lula
O governo Lula da Silva quer usar o caos do
recente apagão em São Paulo como pretexto para tentar realizar o antigo sonho
do petista de reduzir a autonomia das agências reguladoras, que têm como função
disciplinar a prestação de serviços públicos cuja gestão foi privatizada. Se
dependesse de Lula, como todos sabem, nem privatizações haveria; como é
impossível revertê-las, o demiurgo busca interferir politicamente nas agências
para que estas atuem conforme os interesses do governo.
Em guerra declarada com a Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel), o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira,
usou a crise no fornecimento em São Paulo para confirmar a ideia corrente no
governo de alterar o sistema legal de mandatos não coincidentes entre diretores
de agências e o presidente da República. A assincronia de mandatos é essencial
à autonomia funcional, decisória e administrativa das agências para, como diz a
lei, garantir a “ausência de tutela ou de subordinação hierárquica” ao governo
de ocasião.
Em entrevista recente, buscando justificar o
empenho na mudança da natureza das agências, Silveira declarou que os
reguladores não estariam apenas usufruindo de autonomia, mas de “supremacia,
soberania individualizada”. E defendeu a extinção dos mandatos, para que
diretores possam ser nomeados e demitidos a qualquer tempo. Lula da Silva já
pediu à Advocacia-Geral da União estudo sobre a possibilidade de mudança no
modelo.
Por trás da campanha depreciativa está o
traço autocrático de um governo que não admite instituições fiscalizadoras de
Estado que atuem sem o jugo do Planalto. Sem tirar nem pôr, é a mesma reação à
autonomia do Banco Central, até agora impassível diante dos repetidos apelos
populistas de Lula para baixar a todo custo a taxa de juros. A Aneel é mais um
exemplo da tentativa de impor subserviência a órgãos cujo desempenho é baseado
na independência.
Outro caso a ilustrar a tendência é o da
Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Para ocupar
a direção-geral, com o término do atual mandato em dezembro, deve ser indicado
o secretário de Petróleo e Gás do MME, Pietro Mendes, que preside o Conselho de
Administração da Petrobras, nomeação que contrariou impedimentos internos da
petroleira. O truque usado pelo governo Lula da Silva, como se sabe, foi se
valer de uma liminar do então ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski
– hoje ministro da Justiça de Lula – para desconsiderar o conflito de
interesses e manter o secretário de Silveira na Petrobras.
Com Mendes à frente da ANP, o governo almeja,
por certo, passar a contar com uma parceria sem o contraditório em políticas de
seu interesse, como os critérios de exigência de conteúdo local, por exemplo. A
intenção parece ser a de transformar os reguladores em apêndices do governo,
desprezando seu verdadeiro papel. Criadas a partir de 1997, no governo FHC, as
agências foram consequência da privatização de serviços públicos, com o
objetivo de garantir a boa prestação desses serviços. Não é de hoje que essa atuação
incomoda o lulopetismo.
A primeira tentativa de Lula de tirar-lhes a
autonomia foi em 2003, quando constituiu um grupo de trabalho para discutir um
novo formato de atuação. Como sói acontecer com “grupos de trabalho” no
governo, não deu em nada. Em 2007, em meio a uma crise na aviação civil, houve
nova investida para emplacar o projeto que transferia poder das agências aos
ministérios. Do mesmo modo que agora, com a Aneel, na ocasião o governo
endureceu as críticas à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) durante o
“apagão aéreo” que se seguiu à queda de um avião da Gol após a colisão com um
jato Legacy, que causou 154 mortes. Também daquela vez, a ofensiva não surtiu
efeito.
O oportunismo em situações de crise para
tentar mudar a atividade reguladora não é, portanto, novidade no lulopetismo.
Se empenho semelhante fosse concentrado em indicações eminentemente técnicas –
e não de apadrinhados políticos – para cargos ainda vagos nas agências, o
Brasil sairia ganhando. Também ajudaria se recompusesse o pessoal das agências,
já que estão desfalcadas de um terço de suas equipes e têm dificuldade extra de
cumprir sua importante função.
Cuba nas trevas
O Estado de S. Paulo
Apagão na ilha é o último de uma série de
infortúnios que se abatem sobre os cubanos
Imagens de cubanos às escuras, forçados a
trocar suas casas pelas ruas no escorchante calor de Havana, correram o mundo
após um apagão generalizado, o pior em dois anos, deixar milhões sem energia
elétrica na ilha. O blecaute não surpreende, já que até o finado ditador Fidel
Castro certa feita classificou a rede elétrica do país de “pré-histórica”. Cuba
depende de petróleo importado, e caro, para abastecer sua obsoleta
infraestrutura elétrica. Mas se o sistema elétrico da ilha é da Idade da Pedra,
são ainda mais pré-históricas as lideranças que há décadas legam aos cubanos
uma vida de privações, cuja fatura fica cada vez mais cara.
Mesmo para uma população há muito acostumada
a infortúnios como racionamento de energia e de alimentos, o apagão
generalizado dos últimos dias é um alerta de que o que era ruim pode piorar
muito. Os problemas no precário setor elétrico agravaram-se com a redução de
fornecimento de petróleo oriundo da Venezuela, que, imersa ela mesma em grave
crise econômica, envia bem menos combustível para Cuba do que no passado.
Outros “parceiros”, como México e Rússia, também têm destinado menos petróleo
aos cubanos.
A ditadura da ilha, como de praxe, culpa o
bloqueio imposto há anos pelos Estados Unidos pela falta de luz e por qualquer
outro problema que se abata sobre os cubanos. Embora seja inegável que as
sanções norte-americanas prejudicam a economia cubana, a crise é obviamente
endógena, produzida com denodo, há décadas, por um governo que sabota todas as
iniciativas tendentes a reduzir a penúria dos cubanos.
O governo americano, por exemplo, permitiu
que pequenos empreendedores cubanos usassem contas bancárias nos EUA, numa
iniciativa de apoio ao nascente setor privado da ilha, mas bastaram algumas
semanas para que a ditadura proibisse comerciantes locais, que têm sérias
dificuldades de conseguir moeda forte no mercado doméstico, de recorrer ao
sistema bancário norte-americano. Em vez de apoiar os pequenos empreendedores
que ajudam a trazer comida para Cuba, o governo parece querê-los fora de
atividade, pouco importando se o povo cubano passa fome.
Para azar dos cubanos, os problemas do país,
que eram bem mais visíveis na época da guerra fria ou da crise migratória dos
anos 90, já não chamam tanto a atenção do mundo. O atual ditador, Miguel
Díaz-Canel, não tem o apelo dos Castros, e a América Latina conta com uma nova
geração de tiranos, como Nicolás Maduro, que, com seu petróleo, tem toda a
atenção de China e Rússia. Cuba, tal qual sua rede elétrica e seus líderes,
parece pertencer à pré-história. Além de nada oferecer à sua população, pouco
importa ao mundo.
Diante da pior crise econômica em décadas, os
cubanos continuam deixando o país aos milhares. Mais de 1 milhão de pessoas, ou
10% da população, abandonaram a ilha entre 2022 e 2023, de acordo com
estatísticas oficiais. Ou seja, o êxodo pode ser ainda maior, e nada indica que
será contido pela violência do regime. E, do jeito que as coisas estão, o
último a sair nem precisará apagar a luz.
As cascas de banana do período eleitoral
Correio Braziliense
O debate político chega a ganhar ares de
reality show. Os participantes do processo democrático incentivam as intrigas
em nome do entretenimento, como se política fosse lazer
No próximo domingo, moradores de 51 cidades
brasileiras voltam às urnas para escolher seus prefeitos no segundo turno. Há
disputa ainda indefinida em 15 capitais do país — entre elas, metrópoles como
Belo Horizonte, São Paulo, Porto Alegre e Belém. Enquanto isso, continua, nos
Estados Unidos, a corrida eleitoral entre a democrata Kamala Harris e o
republicano Donald Trump. Por lá, o pleito só acontece em 5 de novembro, ainda
que a legislação norte-americana permita a antecipação dos votos de maneira presencial
e pelos correios em alguns estados. Tanto lá quanto cá, chama a atenção
como algumas pautas que sequer deveriam estar em discussão ganham contornos
decisivos para as campanhas políticas e por parte da opinião pública.
Em São Paulo, para pegar o exemplo da maior
cidade brasileira, Guilherme Boulos (PSol) e Ricardo Nunes (MDB) travaram, no
último debate da TV Record, uma troca de acusações para vestir no adversário a
roupa do mau-caratismo, da pessoa desonesta, deixando as propostas em segundo
plano. Enquanto o emedebista acusou o psolista de calote em um acidente de
carro, o deputado federal afirmou que o atual prefeito deu um tiro para o alto
em episódio passado. Ambos negam as imputações.
No Estados Unidos, táticas semelhantes das
campanhas discutem até mesmo a idade dos candidatos — uma estratégia com todos
os traços do etarismo. Diante dos questionamentos sobre a saúde do atual
presidente Joe Biden, forçado a desistir do pleito, Trump e Kamala tentam
emplacar no outro uma imagem antiquada.
No fim da história, o debate político ganha
ares de reality show. Os participantes do processo democrático incentivam as
intrigas em nome do entretenimento, como se política fosse lazer. É nesse
cenário que os candidatos parecem mais trabalhar suas imagens nas redes sociais
do que na realidade, afastando-se dos locais em que os problemas reais da
população acontecem.
O alerta vale, inclusive, para candidaturas
ditas progressistas. É comum ver planos de governo que prometem diminuir a
vulnerabilidade social quando os candidatos, na realidade, pouco conhecem
daquela realidade. Até a evitam durante os eventos de campanha, priorizando
agendas politicamente corretas, mas que estão muito longe das vilas e favelas.
Bonito no discurso, mas muito longe da prática.
Entre os conservadores, a postura tiktoker se
volta às frases de efeito. A tão criticada lacração se manifesta mais nesses
perfis do que em todos os demais. A preocupação número um é com os adversários.
Tenta-se performar para as câmeras situações para constranger os oponentes,
novamente afastando-se completamente dos problemas sociais.
As limitações da política contemporânea
desafiam o eleitorado no mundo inteiro — o exemplo da corrida eleitoral dos EUA
é emblemático. Ainda assim, é papel da população participar de maneira mais
ativa do processo de escolha dos seus representantes. É preciso priorizar quem
apresenta um plano de gestão coerente com a difícil realidade encarada pelos
brasileiros no transporte público, nos centros de saúde, nas escolas e no meio
ambiente, somente para citar quatro áreas vistas como prioritárias no momento.
A falta de representatividade afasta o
eleitor das urnas, ante uma abstenção que se mantém alta nos últimos pleitos.
No primeiro turno, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registrou um índice de
21,71% de faltantes entre os aptos a votar. Ainda assim, é preciso assumir seu
papel democrático até para poder ser agente cobrador de uma sociedade mais
justa e heterogênea.
Patrimonialismo na veia.
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