quinta-feira, 17 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Endurecer pena de crimes ambientais é necessário

O Globo

Congresso manifestará independência se aprovar projeto do governo. Mas isso não bastará para deter queimadas

Depois da onda de incêndios florestais por quase todo o Brasil neste ano, o governo faz bem em tentar endurecer a punição para os crimes ambientais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encaminhou ao Congresso um projeto que aumenta a pena máxima para quem atear fogo em florestas de quatro para seis anos e prevê que os condenados comecem a cumpri-la em regime fechado. A proposta deverá ter tramitação rápida por ser incorporada a um projeto do senador Davi Alcolumbre (União-AP), já aprovado no Senado e em discussão na Câmara, sob relatoria do deputado Patrus Ananias (PT-MG).

O texto em discussão reúne contribuições de outros 42 projetos sobre o tema. A estratégia tem a intenção de acelerar a tramitação e reduzir as resistências (só o União, de Alcolumbre, conta com 59 deputados). É comum que as pautas ambientais empaquem nos labirintos do Congresso por pressão da bancada ruralista (costumam ser mais bem-sucedidas as propostas que flexibilizam a legislação ambiental). Desta vez, os parlamentares — que conviveram de perto com as nuvens de fumaça sobre Brasília — têm uma oportunidade de demonstrar independência dos grupos de interesse.

Qualquer iniciativa para deter o avanço das queimadas é bem-vinda. Mesmo considerando a seca severa que atinge o país, os números são assustadores. Até ontem, o Brasil havia somado 228.205 focos de incêndio, 74% acima do registrado no mesmo período do ano passado (131.328). As queimadas não se resumem a um problema ambiental. Degradam o ar das cidades, mesmo as distantes dos focos, agravando problemas respiratórios da população e causando transtornos para o tráfego nas estradas e o funcionamento de aeroportos. Para não falar na emissão de gases que contribuem para agravar o aquecimento global.

O presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, tem dito que quase todos os incêndios são criminosos. A vegetação seca cria condições favoráveis à expansão do fogo, mas alguém risca o fósforo. Diante do caos, os governos têm se mostrado despreparados. Tanto para conter os incêndios — faltam brigadas e aeronaves — quanto para impedir que eles aconteçam. A estratégia mais eficiente tem sido esperar pela chuva.

É óbvio que a fiscalização tem sido ineficaz, do contrário as chamas não teriam se espalhado pelo país com tamanha facilidade. Embora as autoridades investiguem casos suspeitos de incêndios criminosos, raramente alguém vai para a cadeia. Reportagem do GLOBO mostrou que, no fim do mês passado, o país registrava apenas 374 presos por crimes ambientais. Mesmo quando alguém é punido, as penas costumam ser inferiores a três anos. Queima-se a floresta e paga-se uma cesta básica como punição.

Aumentar as penas para crimes ambientais pode dar a impressão de que Executivo e Legislativo estão agindo. Mas apenas uma lei mais rígida não deterá as queimadas se a iniciativa não for acompanhada de outras ações. O aumento de pena desencoraja o crime, mas, por si só, não evita que infratores toquem fogo na vegetação. O governo precisa se empenhar para impedir que o incêndio comece. Isso se faz com mapeamento, tecnologia, melhoria da fiscalização e articulação com governos estaduais. Aplicar a pena a quem degrada o meio ambiente é essencial, mas é bom lembrar que, quando isso acontece, o fogo já consumiu a mata.

Fracasso do Mais Médicos explica falta de profissionais onde há necessidade

O Globo

É decepcionante que políticas para levar medicina a todo o país não sejam avaliadas e aperfeiçoadas

Onze anos depois da criação do programa Mais Médicos, implantado no governo petista de Dilma Rousseff com o objetivo de levá-los a regiões onde eram escassos, o Brasil ainda enfrenta o problema. Um levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) demonstra progressos tímidos na distribuição dos profissionais, apesar do aumento significativo no total de médicos. Há excesso nalgumas regiões, carências noutras.

À primeira vista, a situação melhorou. O total de médicos no Brasil quase dobrou desde 2010 (de 304.406 para 575.930). Mas basta olhar os dados com atenção para perceber que a melhora aparente esconde distorções. É só analisar a taxa de médicos por mil habitantes. No Maranhão, que apresenta o pior cenário, ela é de 1,25. No Distrito Federal, cinco vezes maior. Chega a 6,31, superando países como Estados Unidos (2,7), Japão e Coreia do Sul (2,6).

Os médicos continuam a priorizar o trabalho nos grandes centros, onde salários e perspectivas de carreira são mais atraentes. As capitais, que reúnem 23% da população, concentram 52% dos médicos. Em Roraima, 97% dos médicos estão fincados na capital, Boa Vista. A disparidade regional também é flagrante. O Sudeste, onde vive 41,7% da população, abriga 51% dos profissionais. O Norte, onde estão 8,6% dos brasileiros, apenas 4,9%.

É verdade que houve progresso, mesmo nos estados com escassez. No Piauí, os médicos aumentaram 158%. Em 13 das 27 unidades da federação, o crescimento desde 2010 foi de mais que o dobro. Mas a desigualdade precisa ser enfrentada. Mesmo com universidades formando médicos em abundância, a taxa de profissionais por mil habitantes no Brasil (2,8) ainda não alcança a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 3,7.

Distribuir melhor os médicos pelo país é importante, porque a medicina à distância, cada vez mais usada para contornar o problema, é incapaz de suprir as deficiências, que se refletem nos indicadores de saúde. Em regiões remotas, nem dá para usar a tecnologia.

O Mais Médicos poderia ter atenuado as discrepâncias, levando profissionais a cidades onde são mais necessários, mas o resultado foi frustrante. Na primeira versão, contaminado pelo uso político, priorizou a contratação de profissionais cubanos por meio de um acordo com a ditadura amiga. Na gestão Jair Bolsonaro, o governo cubano suspendeu o acordo unilateralmente e chamou os médicos de volta. No atual governo, o programa foi reformulado, reunido cerca de 25 mil profissionais, a maioria brasileiros. Não se sabe até que ponto cumpre seus objetivos.

É decepcionante que falte avaliação decente das políticas públicas para saber o que fazer. Tentou-se a experiência com médicos importados e não deu certo, mas pouco se fez para aperfeiçoá-la. No caso da educação, pelo menos há exemplos de sucesso a seguir, como o Ceará, onde as políticas adotadas por diversos governos proporcionaram resultados auspiciosos. E na saúde?

FMI lembra que dívida alta reduz capacidade de reação a crises

Valor Econômico

O alerta serve bem ao Brasil, cujo endividamento bruto é um dos maiores entre os emergentes, atrás apenas de China, Egito e Ucrânia

Nas vésperas de sua reunião anual, o Fundo Monetário Internacional (FMI) advertiu que o endividamento dos países está muito alto, atingirá US$ 100 trilhões em 2024 - 95% do PIB mundial - e precisa ser reduzido logo, para que os governos não sejam surpreendidos sem defesas por novas crises, que podem ser deslanchadas por problemas fiscais. O Fundo vê a necessidade de um esforço de contenção dos déficits maior do que o previsto, enquanto a estabilização dos débitos como proporção do PIB deva ocorrer em 2029. O alerta serve bem ao Brasil, cujo endividamento bruto é um dos maiores entre os emergentes, atrás apenas de China, Egito e Ucrânia.

A situação fiscal global é mais desconfortável do que as estatísticas mostram. As dívidas somarão 100% do PIB global em 2030 em condições normais, mas em cenários muito adversos poderão subir 20 pontos percentuais mais. Esses cálculos ainda não contam toda a história, pois desconsideram tendências que tendem a predominar, como aumento de custos decorrentes da transição verde, dos gastos com defesa (no caso, em países que se envolvem ou têm interesses diretos nos conflitos geopolíticos no Oriente Médio e Europa), dos custos dos bens industriais, pela clivagem política entre Estados Unidos e China (e blocos antagônicos respectivos), e do envelhecimento da população.

A espiral ascendente de gastos afetará todos os países, sem distinção, e esses é um dos maiores desafios globais. As mudanças climáticas ganharam mais intensidade quando as nações estão muito mais endividadas do que estavam quando eclodiu a crise financeira global de 2008. Mas o endividamento, que precisa ser combatido, não parece ser uma urgência para 60% dos países pesquisados pelo FMI, a maioria deles emergentes, que estão postergando o ajuste fiscal. Nos cálculos do Fundo, atrasar medidas nessa direção aumenta seu custo à razão de 0,2% do PIB por ano.

A importância de conter gastos e reduzir a espiral de dívidas é óbvia para os países que almejam o crescimento sustentável. Dívidas muito altas, lembram os economistas do Fundo, reduzem a capacidade de reação fiscal dos governos quando surgirem situações adversas na economia, que são relativamente imprevisíveis. Tornam ainda mais difícil ou muito mais custoso colocar em prática, diante de recessões ou tombos rápidos da economia, uma política de gastos anticíclica. Além disso, drenam recursos dos investimentos, um dos principais propulsores de crescimento e do aumento geral da produtividade.

O novo regime fiscal no Brasil definiu aumento de gastos em todas as circunstâncias, sob o argumento de que o mecanismo é importante para se contrapor aos ciclos de baixa da economia se retrai. Com o novo regime, no entanto, as dívidas bruta e líquida estão subindo muito além do previsto, ameaçam não se estabilizar no médio prazo, como prometido, e corroem o seguro que o regime em tese daria para uma reação fiscal em momentos difíceis.

Da mesma forma, países altamente endividados estão mais vulneráveis a crises externas. O Brasil está bem protegido por uma montanha de reservas de US$ 365 bilhões, mas não é invulnerável. O FMI registrou que fatores globais explicaram, nas últimas duas décadas, mais de metade das flutuações dos rendimentos dos títulos soberanos emitidos em dólar por países emergentes e, também, mais de 30% dos retornos em títulos emitidos nas moedas locais. Dessa forma, a gangorra das bolsas americanas, o menor crescimento da China, os efeitos da guerra do Oriente Médio sobre o petróleo têm mais peso no custo da dívida interna brasileira do que teriam caso o país estivesse com a situação fiscal em ordem e o endividamento se encaminhando para a redução.

O FMI ficou conhecido até a crise financeira de 2008 por uma intransigência maior nos ajustes econômicos dos países aos quais empresta dinheiro. Mudou de posição e se tornou mais realista. Para os países com dívidas em ascensão, como o Brasil, o Fundo recomenda um ajuste bem planejado que envolva tanto receitas e despesas e que mitigue os impactos negativos de um ajuste sobre as atividades econômicas, como o aumento da desigualdade social dele decorrente. “O ritmo desse ajuste precisa atingir um equilíbrio entre os riscos fiscais e o vigor da demanda privada”, aponta o FMI em um dos capítulos do Monitor Fiscal.

O acerto fiscal precisa ser “decisivo, deliberado e bem desenhado”, para o FMI. Ele não deve ser adiado sob pena de se tornar mais caro e arriscado. Entre as poucas sugestões específicas, recomenda ao Brasil que realize reformas que eliminem a forte rigidez orçamentária, que impede a realocação de despesas para onde são mais necessárias - um diagnóstico também unânime domesticamente - e racionalize gastos e isenções tributárias, que liberariam recursos para gastos prioritários e programas sociais contra a pobreza. A iniciativa de levar o controle de despesas “a sério”, como afirmou Simone Tebet, ministra do Planejamento, e apresentar um pacote de medidas para fazer com que o regime fiscal seja eficaz nessa direção é inadiável.

Voto deveria ser opcional, mesmo com abstenção maior

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra que 34% não compareceriam às urnas, se não fosse obrigatório; sufrágio facultativo respeita liberdades

Segundo o Datafolha34% dos brasileiros deixariam de votar caso o comparecimento não fosse obrigatório e 65% iriam de qualquer modo.

Perguntas hipotéticas devem ser sempre recebidas com cautela. O que os entrevistados dizem que fariam numa situação irreal nem sempre corresponde ao que eles se dispõem a fazer quando tal cenário se materializa.

Não há dúvida, porém, de que as abstenções aumentariam na hipótese de o sufrágio deixar de ser compulsório. Foi o que se viu nos países que abandonaram a obrigatoriedade. Um caso emblemático é o da Holanda, que tornou o voto facultativo em 1967 e viu o comparecimento cair da casa dos 95% para os 80%.

O Datafolha também mostrou que as taxas de abstenção seriam maiores entre eleitores pretos (42%), de escolaridade média (40%), moradores das regiões Centro-Oeste e Norte (40%), mais pobres (39%) e na faixa etária entre 25 e 34 anos (39%).

Os dados estão em linha com o que se observa em nações onde o voto é opcional. Em geral, é o estrato mais pobre e discriminada que deixa de frequentar as urnas.

Essa é uma das razões por que alguns especialistas defendem a manutenção da obrigatoriedade. Seria uma forma de reduzir a marginalização daqueles que já são marginalizados.

É um argumento ponderável, mas nem de longe decisivo. Esta Folha defende há bastante tempo que o sufrágio seja facultativo, como ocorre na esmagadora maioria das democracias.

Trata-se de uma questão lógica. Não faz sentido dar ao cidadão a liberdade de escolher quem vai conduzir a nação e escrever suas leis, mas suprimir-lhe o direito básico de decidir se votará.

A compulsoriedade tem ainda viés autoritário. Regimes que prezam pelas liberdades não impõem nada que não seja absolutamente indispensável para a vida em sociedade, e o voto individual não está nessa categoria. O vitorioso de um pleito ao qual acorreram 90% dos cidadãos não é mais legítimo do que o de um ao qual compareceram 70%.

É verdade que, no Brasil, o termo "obrigatoriedade" é relativo. Embora as sanções para os faltosos sejam rigorosas, como impossibilidade de tirar passaporte, matricular-se em instituição de ensino oficial e até receber salário, no caso de servidores públicos, na prática o tratamento é bem mais brando.

Aqueles que deixam de votar ou de justificar a ausência precisam apenas pagar uma multa de R$ 3,51 por turno perdido.

Ademais, se no passado era trabalhoso ir até o cartório eleitoral e quitar os débitos em bancos, hoje, dado o desenvolvimento tecnológico, é possível fazer tudo isso sem sair de casa. Dependendo da distância e do transporte utilizado, não votar pode custar menos do que votar.

O eleitor já se deu conta disso e as taxas de absenteísmo subiram em relação às verificadas no século passado. O risco, nesse caso, é o de desmoralização da lei.

Plano ucraniano para a vitória soa inconvincente

Folha de S. Paulo

Enquanto forças russas avançam ao leste do país invadido, ideias de Zelenski são vistas com desconfiança até por aliados

"Este plano pode ser implementado. Ele depende dos nossos parceiros. Eu enfatizo: dos parceiros", disse Volodimir Zelenski ao Parlamento da Ucrânia nesta quarta-feira (16).

A aparente fadiga do presidente da nação invadida em 2022 pela Rússia de Valdimir Putin contrastava com a esperança vendida ao apresentar, após meses de expectativa, o que chamou de forma triunfal de plano para a vitória.

Zelenski quer a Ucrânia convidada para a Otan, a aliança militar ocidental, e mais armas. Apresenta seu país como base para a instalação de forças de dissuasão não nucleares. Pede investimentos em troca de recursos naturais.

Por fim, num delírio de grandeza, Zelenski ofereceu seu Exército para substituir forças americanas na Europa, na esperança de que isso vá comover um eventual presidente Donald Trump, crítico ácido da Otan.

As ideias foram recebidas com frieza, por inexequíveis ou por criarem riscos de uma guerra global. O novo secretário-geral da Otan, o holandês Mark Rutte, apenas disse que não concordava com a totalidade do plano, mas que iria debatê-lo.

Zelenski está em apuros. Sua contraofensiva de 2023 fracassou e ele viu Putin retomar a iniciativa, ameaçando o restante do leste ucraniano que ainda não domina.

Kiev ganhou armas, mas não têm autorização para usá-las contra alvos dentro da Rússia. O presidente tentou um golpe ao humilhar Putin com a tomada de um pedaço de Kursk, no sul russo —e, além de inócua, a ação só fez Moscou congelar conversas sobre paz. Pior, o ataque desviou recursos defensivos preciosos.

O autocrata russo redobrou a violência dos bombardeios, tendo degradado mais de dois terços da capacidade energética ucraniana às vésperas do inverno. Se não tem como tomar todo o país, é certo que hoje está vencendo e cristalizando sua posição.

Para os parceiros de Zelenski, o bolso pesa. Até 31 de agosto, estima-se que o Ocidente tenha destinado R$ 1,5 trilhão para apoio militar e financeiro a Kiev, R$ 350 bilhões somente em armas dos Estados Unidos. Isso equivale a mais de dez vezes o gasto militar brasileiro em um ano.

A indefinição do pleito americano, no qual uma vitória de Trump favorecerá Putin, é outro fator de desânimo. O russo também poderá, com ajuda de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mostrar que não está isolado como anfitrião da reunião dos Brics marcada para a semana que vem.

Sobre o plano de Zelenski, o Kremlin disse que Kiev precisa "cair na real". A despeito da empáfia, o conselho parece realista.

Falta convencer o chefe

O Estado de S. Paulo

Equipe econômica alinha o discurso em defesa do equilíbrio fiscal e da redução estrutural de gastos para recuperar o grau de investimento, mas Lula da Silva continua a defender o oposto

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que chegou a hora de o governo “levar a sério” a revisão estrutural dos gastos públicos. Em entrevista ao jornal O Globo, Tebet reconheceu que a agenda de recuperação de receitas da equipe econômica chegou a um limite e que o desequilíbrio fiscal do Orçamento não será resolvido somente pela ótica da arrecadação. “Já foi o momento de combater fraudes e erros, agora é hora de fazer revisão estrutural”, afirmou.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, admitiu que o problema é premente e precisa ser enfrentado com urgência. Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele disse que medidas criadas com finalidades eleitorais, em especial durante o governo Jair Bolsonaro, se tornaram uma “batata quente” que precisa ser resolvida pela administração atual.

As declarações, ainda que evasivas, trazem um certo alento. Felizmente, há no governo quem avalie as contas públicas de maneira realista. Afinal, o País registra há dez anos um déficit entre receitas e despesas, e, enquanto a arrecadação registrava altos e baixos, os gastos cresciam de maneira consistente e, em muitos anos, acima da inflação.

No entanto, se algo mudou no discurso da equipe econômica, tudo continua rigorosamente igual no governo, e o presidente Lula da Silva não parece convencido de que isso seja um problema. Tebet disse que uma das medidas em avaliação pode abrir um espaço fiscal de até R$ 20 bilhões, mas não revelou seu teor. Reafirmou, no entanto, que há debates interditados pelo presidente, entre os quais mudanças na política de valorização do salário mínimo.

Haddad, por sua vez, defendeu o arcabouço fiscal e as medidas adotadas pelo governo, mas reconheceu que a dívida pública continua a crescer a despeito do dispositivo, e que o mercado financeiro tem razão ao manifestar preocupação com a dinâmica do gasto público “daqui pra frente”.

No pacote a ser apresentado ao presidente Lula da Silva após o segundo turno das eleições municipais, constariam medidas para limitar os supersalários no setor público para fazer valer o teto remuneratório, hoje em R$ 44 mil, mudanças para reduzir despesas com o seguro-desemprego, um novo modelo para diminuir o alcance do abono salarial e a revisão de subsídios que somam quase R$ 600 bilhões, ou 6% do Produto Interno Bruto (PIB).

Não são ideias novas, e muitas já foram aventadas por administrações anteriores e até mesmo por integrantes do governo atual. Algumas têm efeito mais simbólico do que efetivo, como o fim dos supersalários. A diferença é que, agora, Lula da Silva teria um “incentivo” para acatá-las: sua obsessão pela retomada do grau de investimento do País pelas agências de classificação de risco.

A nota foi conquistada em abril de 2008, durante seu segundo mandato presidencial, e perdida em setembro de 2015, na gestão de Dilma Rousseff, dias após o governo enviar ao Congresso uma proposta de Orçamento com déficit primário. Recuperar o grau de investimento seria algo que Lula da Silva gostaria de “entregar” até o fim de seu mandato, em 2026, ao menos segundo a equipe econômica.

Na manhã de ontem, o presidente se reuniu com representantes de bancos privados, que saíram do encontro com a impressão de que Lula da Silva arbitrará a favor de Haddad em temas de natureza fiscal. O problema é que, em público, ele continua a defender medidas que vão no sentido oposto desse discurso.

Em evento no Palácio do Planalto, Lula da Silva reafirmou que alguns gastos, em sua opinião, deveriam ser tratados como investimentos, entre eles as despesas com saúde, educação e políticas sociais, e classificou ainda os salários dos professores como “merreca” – declarações que, por óbvio, valem mais do que qualquer avaliação colhida em reuniões fechadas.

Aparentemente, os ministros Haddad e Tebet terão de se esforçar mais para persuadir o chefe sobre a importância do equilíbrio fiscal. Se nem em discurso o presidente consegue defender essa ideia, fica difícil acreditar que, desta vez, as medidas de redução de gastos serão para valer.

O ‘dedazo’ do governo no setor elétrico

O Estado de S. Paulo

Interferência do governo Lula da Silva que propiciou ao Grupo J&F, dos irmãos Batista, vantagens na transferência de controle da Amazonas Energia confronta a Aneel e onera consumidores

O vaivém constrangedor que desde junho cerca a transferência de controle da Amazonas Energia teria sido evitado se o instrumento legal da licitação tivesse sido acionado para a ineficiente e endividada distribuidora de eletricidade. Em vez disso, o governo Lula da Silva optou pelo método de escolher na base do dedazo o grupo empresarial que deveria assumir o negócio e deu início a uma queda de braço com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que, ao que tudo indica, terminará com todos os consumidores do País assumindo um prejuízo de até R$ 14 bilhões.

A prática de se autoconferir o poder de arbítrio não é novidade no lulopetismo. Mas, desta vez, o déficit bilionário acumulado pela distribuidora do Amazonas, a pouca experiência no setor de eletricidade dos postulantes à concessão, o alto risco aos mais de 60 municípios amazonenses e, acima de tudo, a resistência da Aneel em avalizar um negócio desprovido de exigência técnica mínima dificultaram o cumprimento do plano desenhado pelo governo.

A empresa escolhida pelo governo, a Âmbar Energia, controlada pela J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, esperou até o último minuto de validade da Medida Provisória (MP) 1232, elaborada pelo Ministério de Minas e Energia (MME), para fechar o acordo.

A MP tornou viável a transferência de controle da distribuidora sem o ônus da dívida que ela acumula com usinas termoelétricas da Eletrobras – que, por “mera coincidência”, como disse o ministro Alexandre Silveira, do MME, foram compradas pela Âmbar três dias antes da edição da MP.

Discordando das condições estabelecidas pela Aneel, que exigiam mais aportes de capital para reduzir as dívidas, a Âmbar chegou a anunciar desistência do negócio. No entanto, a empresa recorreu ao Judiciário e obteve uma decisão liminar que obrigou a agência a assinar o contrato nos termos que havia apresentado. Com o caso sub judice, restou ao diretor-geral, Sandoval Feitosa, avalizar a transferência.

O prazo da medida provisória terminou à zero hora de 11 de outubro, e a empresa assinou o acordo de última hora, mas condicionou a manutenção do negócio a uma decisão judicial definitiva que valide sua proposta ou à aprovação de seus termos por todo o colegiado da Aneel até o fim do ano.

Tudo nessa história é muito estranho. A deficitária Amazonas Energia, uma das seis distribuidoras federalizadas expurgadas da Eletrobras antes da privatização da estatal, foi arrematada em leilão em 2018, por simbólicos R$ 50 mil. Mas o consórcio que venceu a disputa, liderado pelo Grupo Oliveira Energia, não conseguiu atingir o equilíbrio operacional e acumulou uma dívida bilionária nos últimos meses.

Ciente do problema, a Aneel chegou a recomendar a caducidade da concessão e a realização de uma licitação para selecionar um novo operador. Foi quando o governo apresentou a alternativa da MP que repassou o custo dos contratos da Amazonas Energia para as contas de luz de todos os consumidores, e, de quebra, beneficiou o grupo dos irmãos Batista, propiciando a eles que adquirissem uma distribuidora saneada e que recebe energia das usinas que eles haviam acabado de adquirir.

O problema desse tipo de escolha do governo – além, é claro, da forma opaca como a transação é feita, em detrimento dos princípios constitucionais de impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência – é que não faltavam candidatos ao papel de beneficiário, e os não contemplados, por óbvio, tendem a reclamar uma forma mais justa de disputar a benesse.

Outros participantes do mercado que disputavam as usinas da Eletrobras ficaram incomodados. É o que se pode depreender de uma carta enviada pelo empresário Carlos Suarez ao Estadão, na qual ele diz que sua empresa, a Termogás, assim como Eneva, Diamante e Global, foram surpreendidas e se sentiram ludibriadas pela MP do governo que facilitou o negócio da Âmbar e deixou clara sua preferência por um determinado grupo.

A “solução” comprova, mais uma vez, que o apreço lulopetista aos apadrinhados que escolhe contrasta com seu descaso às agências reguladoras e, pior, aos consumidores.

O dilema de Boulos e Lula

O Estado de S. Paulo

Adotado no ninho petista por conveniência, psolista não atrai eleitores do presidente

Os obstáculos no caminho do candidato a prefeito de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, parecem gigantescos nesta reta final da campanha municipal. Esperança do presidente Lula da Silva neste ano, mais em razão da incapacidade do PT de oferecer um quadro competitivo e palatável aos eleitores do que por seus méritos políticos, o psolista enfrenta o dilema de atrair o apoio de quem há não muito tempo votou no petista, enquanto cisca no eleitorado da direita que se mostra unido em torno de Ricardo Nunes (MDB).

A missão do candidato linha auxiliar do lulopetismo em São Paulo parece inglória. Ao que tudo indica, enganou-se redondamente Lula por um dia acreditar que teria força política suficiente para transferir por osmose seu apoio a Boulos na capital paulista simplesmente por ter triunfado sobre Jair Bolsonaro há dois anos.

Uma recente pesquisa Datafolha mostrou que boa parte daqueles eleitores de Lula de outrora não parece convencida dos atributos de Boulos para administrar a metrópole. De acordo com o levantamento, o preposto de Lula mostrou-se incapaz até aqui de conquistar as intenções de voto de nada menos do que quase um terço dos paulistanos que optou pelo petista na eleição presidencial passada. A pesquisa apontou que, enquanto 63% dos que votaram em Lula em 2022 poderão dar agora um voto de confiança a Boulos, nada menos que 31% disseram preferir Nunes. Isso significa que esses eleitores, em que pese terem repudiado Bolsonaro há dois anos, rejeitam o comando de Lula e repelem o baderneiro convertido a político moderado.

Recebido com desconfiança no ninho petista e integrante de um partido, o PSOL, que se sustenta na base das pautas identitárias, já que não tem mais nada a oferecer, Boulos ainda perdeu cerca de 48 mil votos no primeiro turno porque esse tanto de eleitores digitou 13, o número do PT, e não 50, o número do PSOL. Ou seja, são eleitores que simpatizam com o PT e que, na hipótese benevolente, votaram no PT por descuido, imaginando que Boulos fosse candidato do partido de Lula, ou então, na hipótese realista, votaram no PT porque não gostam do PSOL. Não se pode culpá-los.

Se Boulos não consegue convencer a esquerda, que dirá a direita. Tanto é assim que a pesquisa de segundo turno enfatiza a coesão dessa parcela da população que rejeita a esquerda. Dos eleitores de Bolsonaro, 85% disseram que vão votar em Nunes, e apenas 4% afirmaram que poderão optar pelo psolista.

Nada garante, portanto, que a insistência de Boulos na polarização, uma eventual maior participação de Lula na campanha, as piscadelas aos eleitores de Tabata Amaral (PSB) ou Pablo Marçal (PRTB) – com a adesão a propostas voltadas ao empreendedorismo – e os ataques pessoais a Nunes serão capazes de impulsionar o esquerdista.

Os números que retratam o ânimo do eleitorado nesta fase inicial do segundo turno são um claro sinal mais de repulsa a Boulos do que de aprovação ao incumbente. Tanto é assim que Nunes, embora tenha obtido menos de um terço dos votos válidos no primeiro turno, abre vantagem maior sobre Boulos do que o então prefeito Bruno Covas abriu sobre o psolista na eleição de quatro anos atrás, vencida pelo tucano.

Mais igualdade e menos regalias

Correio Braziliense

A estimativa é de que o país economizaria R$ 5 bilhões com a eliminação de vantagens daqueles que têm renda mensal elevada dentro setor público. Valor expressivo para transformar o perfil da sociedade brasileira

A proposta de pôr um fim aos supersalários volta à cena política. Algumas camadas de servidores públicos, principalmente os do alto escalão, no âmbito dos Três Poderes, desfrutam de regalias, auxílios variados, indenizações, prerrogativas por tempo de serviço, entre muitos outros benefícios que oneram severamente o Orçamento da União. São o alvo da decisão do atual governo, o que não chega a ser uma novidade. Gestões passadas ensaiaram fazer o mesmo. Uma delas foi a de Fernando Collor de Mello, que, durante a campanha eleitoral, garantiu que, se eleito, acabaria com os marajás. Não conseguiu.

No Congresso Nacional, tramitaram vários projetos com a mesma finalidade, mas não seguiram. A equipe econômica do atual governo se revela disposta a avançar com o objetivo de eliminar os supersalários. Na última terça-feira, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, ao ser questionada sobre as expectativas de cortes do governo, classificou que os supersalários do funcionalismo público são "ilegais e imorais" e que, em algum momento, vão fazer parte da lista de enxugamento. "Se isso vai entrar agora, se vai entrar em um segundo momento, depende de uma conversa que estaremos tendo também com o presidente (Lula) e, depois, no diálogo com o Congresso Nacional", afirmou.  

Eliminar regalias que propiciam a muitos ter rendimentos superiores ao teto salarial estabelecido pela Constituição — R$ 44 mil pagos aos ministros do Supremo Tribunal Federal — reduz a pressão sobre o governo federal. Hoje, há uma séria preocupação em zerar o deficit público a fim de que o país possa ingressar em uma promissora rota de desenvolvimento. No campo social, a realidade brasileira sinaliza que ainda há muito a ser feito para que o Brasil alcance o patamar de país desenvolvido.

Apesar da redução do número de famélicos, mais de 14 milhões de brasileiros enfrentam grave situação de insegurança alimentar. Outros 33 milhões estão privados de acesso à água potável e ao saneamento básico, elementos importantes para a saúde. A falta de moradia é realidade para mais de 6 milhões de famílias no país.

Refrear privilégios salariais para aqueles que têm estabilidade no emprego, acesso a serviços de saúde, residência, aposentadoria integral e outros benefícios é um passo importante para conter as profundas desigualdades socioeconômicas, incompatíveis com os mandamentos da Constituição Cidadã de 1988. A estimativa é de que o país economizaria R$ 5 bilhões com a eliminação de vantagens daqueles que têm renda mensal altíssima dentro do setor público. Em 10 anos, seriam R$ 50 bilhões. Valores expressivos para transformar o perfil da sociedade brasileira.





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