Intervenção no setor elétrico é oportunismo
O Globo
Governo Lula aproveita apagão em São Paulo
para tentar exercer controle político sobre a Aneel
Não passa de oportunismo a tentativa do
governo Luiz Inácio Lula da
Silva de usar o grave episódio do apagão em São Paulo para interferir na
estrutura regulatória do setor elétrico. Desde o temporal da semana passada,
que deixou mais de 3,1 milhões de paulistas sem luz, o ministro de Minas
e Energia, Alexandre
Silveira, aumentou o tom das críticas à Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel),
expondo a insatisfação do governo petista com o modelo de concessionárias
privadas, que pressupõe agências reguladoras fortes e independentes. Depois do
apagão, o governo chegou ao cúmulo de abrir na Controladoria-Geral da União
(CGU) uma investigação preliminar para apurar irregularidades que atribui a
diretores da Aneel com base em denúncias de Silveira — tarefa que nem cabe à
CGU.
Em qualquer setor, a independência das agências reguladoras é fundamental para evitar intervenção política no mercado, garantir estabilidade jurídica, respeito aos contratos e a devida maturação dos investimentos. Tal independência pressupõe diretorias formadas por técnicos e profissionais experientes do mercado, com mandatos fixos e não coincidentes com o calendário eleitoral. Exatamente o contrário do que defendem Lula e Silveira.
Para entender por que a autonomia deve ser
preservada, basta lembrar a transferência, sem licitação, da deficitária
Amazonas Energia à Âmbar, controlada pela J&F dos irmãos Joesley e Wesley
Batista. A operação, cercada de estranheza, foi facilitada pela edição de uma
Medida Provisória às vésperas do negócio. No fim, o contribuinte brasileiro
poderá herdar um prejuízo de R$ 14 bilhões. A Aneel se opôs, mas teve de
avalizar a transação por força de uma liminar. O caso está na Justiça.
Não surpreende que o terceiro apagão em menos
de um ano em São Paulo, logo antes do segundo turno das eleições municipais,
tenha deflagrado uma disputa de narrativas que atribuem responsabilidades a
adversários políticos, quando cada um tem sua parcela de culpa. Há falhas na
fiscalização da Enel por
parte da Aneel, mas não se pode ignorar que a agência reguladora tem sido
esvaziada no atual governo.
Depois do apagão de março deste ano, causado
por um acidente com cabos subterrâneos, um diretor afirmou que a agência não
tinha mais estrutura para fiscalizar o setor elétrico, pois o quadro de pessoal
reflete a realidade de 25 anos atrás (eram 730 funcionários em 2014; são 558
neste ano). A falta de diretores e as nomeações políticas também trabalham
contra o bom funcionamento da Aneel. Nada disso incomoda o governo, interessado
apenas em curvar a diretoria a seus interesses.
Os rompantes de Brasília contra a Enel também
soam contraditórios. Como informou
a colunista do GLOBO Malu Gaspar, desde abril Silveira fez três
viagens à Itália e em todas esteve com executivos da concessionária a quem
ventilou a renovação da concessão em 2028. Em junho, levou o próprio Lula a se
reunir com o CEO da empresa durante encontro do G7.
Diante do apagão de quase uma semana em São
Paulo, é óbvio que a Enel deve ser punida. Mas todos os ritos legais devem ser
seguidos antes de ser cogitada a caducidade do contrato. A responsabilidade por
essa avaliação cabe à Aneel, de forma técnica, não ao Ministério de Minas e
Energia, cujo interesse é apenas pressionar por mudanças na diretoria da
agência para exercer maior controle político sobre o setor.
Google demonstra resistência, mas aceita
pagar por conteúdo jornalístico
O Globo
Acordo da plataforma na Califórnia comprova
tendência mundial a remunerar veículos de imprensa
O Google fechou
em agosto um acordo com veículos de imprensa do estado da Califórnia pelo qual
pagará US$ 250 milhões pelo uso de conteúdos produzidos pelo jornalismo
profissional. O acordo, um avanço em pleno coração da indústria digital, revela
as dificuldades que cercam esse tipo de negociação. Ao mesmo tempo comprova uma
tendência: as plataformas digitais podem resistir, mas, se pressionadas por
instrumentos legais, arcam com a responsabilidade.
O acordo passou a ser negociado de forma
objetiva quando a deputada estadual Buffy Wicks, democrata de Oakland,
apresentou um projeto de lei obrigando as plataformas digitais — Alphabet,
controladora do Google, Meta, dona de Facebook e Instagram, e as demais — a
negociar com empresas de comunicação a remuneração pelo uso de seu conteúdo
jornalístico. O princípio é o mesmo que rege leis do tipo na Austrália, no
Canadá e em países europeus: se o conteúdo da imprensa é usado para atrair
audiência e rende receitas publicitárias às plataformas, nada mais justo que
compartilhar essas receitas com os detentores do direito autoral, as empresas
jornalísticas.
Como já fez na Austrália e no Canadá, o
Google chegou a bloquear links dos veículos de imprensa californianos para
pressionar contra a lei. Em resposta, o senador estadual da Califórnia Mike
McGuire afirmou que se tratava de “claro abuso de poder” e “extraordinária
demonstração de arrogância”. No fim, como foi revelado nesta semana, o Google
impôs uma condição para fechar o acordo: o governo estadual contribuirá com US$
70 milhões para financiar o jornalismo.
Não é, evidentemente, a solução ideal — o
contribuinte não deveria ser convocado para um acerto entre empresas privadas.
Mas a simples existência do acordo revela como as plataformas dependem da
produção jornalística. Já houve outros entendimentos do tipo nos Estados
Unidos. O Google fechou acordos com a News Corporation — dona de jornais na
Austrália, do Wall Street Journal e da Fox News — e com o New York Times. Na
França, resistiu, mas terminou aceitando pagar US$ 76 milhões a 121 editoras
por três anos.
Na Austrália, pioneira na regulação da
remuneração pelo conteúdo, a lei estabelece que, quando não há acordo, um órgão
regulador define quanto elas devem pagar aos veículos de imprensa. Alphabet e
Meta fecharam acertos com a maioria dos órgãos de imprensa australianos. Num
primeiro momento, a Meta reagiu com bloqueio do acesso a sites de notícias em
plena temporada de incêndios. A história começa a se repetir na Nova Zelândia,
onde o Google ameaça bloquear o acesso a notícias, se for aprovado um imposto
sobre as plataformas destinado a compensar as empresas jornalísticas.
Não se pode esquecer que, também no Brasil,
tramita no Congresso Nacional um projeto que regula a remuneração dos
produtores de conteúdo pelas plataformas digitais, separado do Projeto de Lei
das Redes Sociais. Ele deve ser encarado com urgência. Como noutros países, as
plataformas poderão resistir, mas no fim acabarão cedendo.
Fim de autonomia das agências seria
retrocesso institucional
Valor Econômico
Retirar autonomia abriria espaço para que as empresas privatizadas sejam submetidas ao arbítrio de mutantes interesses políticos, nem sempre republicanos
Os péssimos serviços da Enel após fortes
chuvas em São Paulo, que deixaram 3,1 milhões de imóveis sem luz em São Paulo,
serviram de pretexto para uma ofensiva do governo Lula contra a independência
das agências reguladoras. Criadas durante as privatizações no governo de
Fernando Henrique Cardoso, elas foram instituídas como órgãos do Estado para
supervisionar e disciplinar o comportamento de empresas que deixaram de ser
públicas, várias delas monopolistas em suas áreas de atuação. Desde o início de
seu primeiro governo, em 2003, o presidente Lula rejeitou a ideia de não poder
controlá-las, mas há o risco de conseguir o que quer agora, no terceiro
mandato.
O ministro de Minas e Energia, Alexandre
Silveira, é o principal e contundente porta-voz do desejo oculto do presidente
Lula. Silveira ameaçou intervir na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel)
porque em vários momentos não cumpriu suas determinações, como se ela devesse
obediência ao ministro e como se o titular do Ministério tivesse poderes de
intervenção. “Uma coisa é autonomia, outra coisa é o que querem ter no Brasil,
supremacia, soberania individualizada”, disse o ministro (Valor, 16/10). “Não
acredito nesse papo furado de autonomia”.
O Executivo não lida bem com a independência
das agências. Como detém a distribuição de recursos e a indicação para os
cargos de suas diretorias, tem poderes suficientes para esvaziar suas
atribuições ou impedir que cumpram seu papel a contento. Há várias maneiras de
fazer isso, mas duas das principais são a não nomeação de cargos que se tornam
vagos e a pauperização orçamentária, destinando apenas parte exígua das verbas
que lhes competiam. Ambas foram usadas nos governos petistas e nos que lhes
sucederam.
O Legislativo, que dá a palavra final ao
submeter a sabatinas os aprovados para a direção das agências, muitas vezes faz
parceria política com o Executivo para acomodar interesses político-partidários
e de poder de ambos. Tornou-se prática comum, e desvirtuadora, que as agências
sejam aparelhadas por partidos em troca de apoio político ao governo, com a
indicação de pessoas com filiação política e com capacidades técnicas variadas,
ou mesmo escassas. O pêndulo da divergência entre suas funções primordiais de
instituições de Estado e de governo, como apêndices do Executivo e suas
repartições, marca a história das agências desde o início. Nos governos
petistas, elas não têm vida fácil. Há hoje 9 cadeiras vagas nas 12 agências
reguladoras e mais 8 que ficarão desocupadas em 2025, quase um terço dos 59
cargos de direção existentes (Valor, 15/10).
O governo pediu que a Corregedoria Geral da
União investigue a omissão da Aneel e possíveis irregularidades em sua atuação,
com base em denúncias de Silveira. O apagão da Enel ocorreu em meio às eleições
municipais, agregando um imbróglio político a outro técnico, não menos
complexo. Silveira abriu carga pesada contra a Aneel, que já multara a empresa,
para depois reconhecer, com discrição, que os contratos feitos com a Enel eram
“frouxos”, isto é, que a eximiam de responsabilidades por eventos climáticos extremos.
Em vez de somar esforços com a Aneel para encontrar uma solução para a
reincidência de falhas graves da Enel e evitar que se repitam, o ministro
mostrou-se mais interessado em subordinar a agência a seu comando.
O presidente Lula, em reuniões fechadas,
queixa-se de que as agências foram capturadas por interesses privados no
governo Bolsonaro. No caso em questão, é incongruente, mas atende a suas
conveniências políticas. Silveira é do PSD, partido chefiado por Gilberto
Kassab, que dá expediente na Secretaria de Governo de Tarcísio de Freitas,
governador de São Paulo, possível opositor de Lula nas eleições de 2026. Como
senador, Silveira foi nomeado para líder do governo de Jair Bolsonaro no início
de 2022, mas rejeitou. Foi padrinho da indicação de Pietro Mendes para a
presidência do Conselho da Petrobras, depois de Mendes integrar o Ministério na
gestão do almirante Bento de Albuquerque, no governo Bolsonaro. Silveira também
emplacou na Petrobras seu secretário executivo, Bruno Eustáquio, da equipe de
transição de Bolsonaro e secretário no Ministério de Infraestrutura do governo
anterior.
O governo pretende fazer coincidir os
mandatos das diretorias das agências com os do presidente da República, de
forma que o Executivo controle todas as nomeações, ou então, o que dá no mesmo,
a troca dos conselheiros com a posse do presidente da República - total ou
parcial (O Globo, ontem). As agências passariam a ser repartições dos
Ministérios, ao sabor da composição política da Esplanada, e não mais órgãos
técnicos independentes que, com maior ou menor competência, têm exercido suas
funções.
O loteamento dos cargos por critérios não
técnicos, a falta de verbas adequadas e a pressão para mudar suas diretrizes
enfraqueceram as agências. Elas têm é de ser cobradas a tomar decisões técnicas
e embasadas. Retirar sua autonomia será um caminho sem volta e um retrocesso
institucional enorme, abrindo espaço para que as empresas privatizadas sejam
submetidas ao arbítrio de mutantes interesses políticos, nem sempre
republicanos.
Descartado agora, horário de verão deve
seguir em pauta
Folha de S. Paulo
Medida, que divide brasileiros segundo
Datafolha, tornou-se opção para enfrentar seca e mudanças na geração de energia
O governo não
vai adotar o horário de verão no período 2024-25. A decisão era
esperada, até pela demora em discuti-la. Levaria tempo para que fosse
implementada, e a poupança de energia seria menor. As dificuldades que
suscitaram o debate, porém, permanecem.
Ao final do período de chuvas no centro-sul
do país, em abril próximo, espera-se que a administração federal esteja
preparada para adotar providências a fim de evitar problemas no abastecimento
de eletricidade no horário de pico do começo da noite.
A geração de eletricidade mudou desde que o
horário de verão foi cancelado, em 2019. Vai mudar mais, segundo projeções das
autoridades do setor. Passaram a ter peso maior as fontes solar e eólica. Por
óbvio, não há como contar com a radiação do sol a partir do início da noite;
pode ainda haver inconstância na produção de energia derivada do aproveitamento
dos ventos.
No final de 2023, 50,4% da capacidade
instalada de geração estava em hidrelétricas. A segunda maior fonte era a
solar, com 17,5%; a eólica ficava com 13,3%. Na projeção das autoridades, as
proporções em 2028 serão 44,1%, 26,3% e 14,1%, respectivamente.
A fim de haver folga de segurança no
abastecimento no horário de pico da noite, é preciso contar com as usinas
hidrelétricas e térmicas. Em anos de seca, afora outras restrições
operacionais, o recurso às primeiras pode ser limitado. A energia das segundas
é mais cara e poluente.
A adoção do horário de verão contribuiria
para aumentar a segurança e a economia do sistema. Outras opções de urgência
vêm sendo implementadas. O custo da energia e, pois, o desincentivo ao consumo
sobem com a adoção da bandeira vermelha, um remédio ruim. Grandes consumidores
vão receber compensações financeiras a fim de modificar seus horários de maior
demanda.
Ainda assim, continuam as pressões causadas
pela mudança na geração e pelo risco de seca, aumentado pela crise climática.
Além do mais, é preciso dar cabo do atraso nos leilões de contratação de
energia e reformar o setor.
O governo promete para novembro uma lei para
dar conta da barafunda, dos subsídios indevidos, das injustiças e das
ineficiências do sistema, piorados frequentemente pelos favores que o Congresso
distribui a lobbies.
A mudança no relógio é controversa. Segundo
pesquisa do Datafolha,
a população está dividida —contrários e
favoráveis reúnem os mesmos 47%. Mas, enquanto não se resolverem
outras limitações, o horário de verão tende a ser uma resposta
ao menos para anos de pouca água nos reservatórios das hidrelétricas.
Reformas regulatórias, do uso da água
inclusive, incrementos de eficiência e mudanças tecnológicas podem aumentar a
segurança do abastecimento. O assunto é amplo e muito complexo. Uma longa
sucessão de governos não se dedicou a ele, exceto em momentos de crise grave, o
que sobrevirá se a leniência persistir.
A tragédia dos transplantes e seus
responsáveis
Folha de S. Paulo
Caso exige investigação rigorosa e indica
falha na fiscalização de entes privados contratados pelo SUS, a ser aprimorada
O caso chocante das seis pessoas que
receberam transplantes de órgãos contaminados pelo vírus HIV no estado do Rio de
Janeiro provoca justa indignação e demanda investigação e
punição rigorosas.
Mais complexo é avaliar se eventuais erros ou
deficiências de política pública levaram à tragédia —que suscitou ataques
açodados tanto ao Sistema Único de Saúde (SUS) como a
suas parcerias com o setor privado.
Primeiro, deve-se considerar o ineditismo.
Segundo especialistas, como a chefe da Comissão de Infecção da Associação
Brasileira de Transplante de Órgãos, Lígia Câmera Pierrotti, a contaminação dos
transplantados por HIV não tem precedentes no Brasil.
Há uma portaria, editada em 2009 pelo Ministério da
Saúde, que fixa critérios para a triagem de doadores, que são
testados para patógenos infecciosos.
O volume nacional de procedimentos também
indica como o caso está fora da curva. De janeiro a junho deste ano, houve
4.579 transplantes de órgãos, 8.260 de córnea e 1.613 de medula óssea.
Já as parcerias com o setor privado merecem
olhar pragmático. Dada a escassez orçamentária em todos os níveis de governo,
terceirização e concessões são necessárias para ampliar o atendimento à
população, como ocorre
nos mais diferentes setores.
Não se trata de panaceia. A eficiência dos
serviços exige bom desenho de processos licitatórios e fiscalização. O caso
fluminense revela possíveis falhas no controle de qualidade dos terceirizados
do SUS, mas que não comprometem o modelo de parceria.
Auditoria conduzida pela Anvisa,
agência reguladora nacional, e pela Vigilância Sanitária estadual achou, após a
revelação do episódio, 39 irregularidades no PCS Lab Salene, que elaborou os
exames com o falso negativo.
A Folha levantou
quatro processos por danos morais relativos a erros que teriam
sido cometidos por laboratórios dos sócios da empresa desde 2010 —o contrato
com a Secretaria de Saúde para realizar exames para a Central Estadual de
Transplantes foi firmado em dezembro de 2023.
De acordo com a Polícia Civil,
o laboratório teria reduzido a
frequência da testagem dos reagentes para aumentar lucros.
Esses são apenas exemplos de mazelas que poderiam ser prevenidas ou detectadas por meio de licitação cuidadosa e fiscalizações periódicas. Agora, resta que a polícia e o Ministério Público investiguem e a Justiça puna os responsáveis no rigor da lei, que as vítimas recebam suporte e, claro, que o monitoramento dos terceirizados seja aperfeiçoado.
A senilidade lulopetista
O Estado de S. Paulo
Lula finalmente descobre que o PT, incapaz de
representar os trabalhadores, precisa de uma ‘rediscussão’ interna para evitar
que a direita se torne hegemônica
“O governo precisa tomar um chacoalhão”,
sugeriu à repórter Vera Rosa o ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo
Cunha. Integrante da velha-guarda do Partido dos Trabalhadores (PT), Cunha
pregou ao Estadão a necessidade de reformulação do partido após os
maus resultados das eleições municipais, assim como a importância de o governo
do presidente Lula da Silva “entender os sinais que estão aparecendo na
sociedade” e corrigir seus problemas para enfrentar os próximos dois anos –
leia-se: preparar o terreno para a disputa presidencial de 2026.
Foi mais uma entre muitas análises que
expressam a perplexidade de um partido, o PT, e da esquerda marxista, que vê o
mundo exclusivamente sob o prisma da luta de classes, diante da hemorragia de
votos e de simpatia em setores antes tidos como cativos. Hoje, para resumir, o
Partido dos Trabalhadores não representa os trabalhadores, apenas os sindicatos
– que, na datação do mundo do trabalho, estão na idade da pedra.
Cunha ecoou o que Lula já reconhecera dias
antes. “Temos que rediscutir o papel do PT”, avaliou o presidente ante derrotas
fragorosas no Brasil. Ao seu estilo, Lula sugeriu a “rediscussão” do papel do
seu partido, como se ele próprio não fosse responsável pela crise, ao
interditar a renovação e ao atrelar o PT a imperativos puramente eleitorais.
Mesmo os petistas mais empedernidos admitem que o resultado das eleições
municipais foi péssimo se comparado a anos como 2012, quando também ocupava a
Presidência, e um sinal evidente da desidratação da esquerda, da consolidação
da direita e da relativa diluição da polarização entre o lulopetismo e o
bolsonarismo.
As agruras lulopetistas, contudo, não têm a
menor importância para o Brasil. O que, sim, interessa é observar que não é bom
para o País que haja qualquer hegemonia política, nem à esquerda nem à direita,
razão pela qual a esquerda precisa se livrar do lulopetismo e das cansativas
batalhas identitárias do psolismo e se modernizar, para que, como
social-democracia, volte a ter relevância no debate público contra uma direita
que, de modo inteligente, captou as aflições e os desejos da maioria do
eleitorado.
Quando deveriam pensar sobre um Brasil que se
transforma a olhos vistos e numa velocidade estonteante, Lula e seus aliados
trabalham sob a mesma lógica dos anos 2000, quando chegaram à Presidência pela
primeira vez. Trata-se de um envelhecimento que vai muito além da idade de suas
lideranças. É uma senilidade de ideias – em parte decorrente do próprio
pensamento rupestre típico da esquerda marxista, em parte decorrente dos erros
do passado, jamais admitidos.
Do mesmo modo que o Brasil precisa de uma
direita não bolsonarista e não golpista, também precisa de uma esquerda
moderna, capaz de fazer um contraponto qualificado. Não está claro qual caminho
o PT adotará nessa rediscussão, mas parece difícil que seja o PT a promover tal
modernização e a construir uma esquerda liberal progressista, não estatista,
não radical e não dependente de Lula – atributos essenciais para lidar com uma
direita que caminha para monopolizar o cenário político do País num futuro previsível.
O que se vê, por ora, é um discurso essencialmente concentrado na polarização,
nas questões identitárias e na velha cantilena anti-imperialista, demonstrando
excruciante incapacidade de atualizar sua agenda.
Enquanto isso, o PT ainda padece do seu vício
de origem: achar que os eleitores é que estão cometendo erros, induzidos por
algoritmos, pela mídia e pelas “elites”. Ignora, por exemplo, os anseios de
prosperidade da nova classe média – que o marxismo chama jocosamente de
“pequena burguesia” –, desejosa de um Estado que justifique os impostos que
cobra e não lhe atrapalhe a vida. E ignora as aspirações de eleitores e
cidadãos de baixíssima renda que ainda precisam da proteção e do cuidado do
Estado. Para os primeiros, essa esquerda embolorada parece não ter projeto,
reservando-lhes indisfarçável desdém. Para os demais, não oferece muito mais do
que a velha política de transferência de renda.
A violência documentada de Maduro
O Estado de S. Paulo
Relatório da ONU descreve os crimes contra a
humanidade cometidos pelo regime do ditador venezuelano e dá nova chance à
dupla Lula-Amorim de parar de justificar o injustificável
A repressão do ditador Nicolás Maduro, já
reconhecidamente pavorosa segundo os relatos corajosos da oposição venezuelana,
ganhou uma nova evidência nesta semana: num informe de mais de 160 páginas, a
missão criada pela ONU para investigar as violações de direitos humanos no país
apontou uma série de crimes contra a humanidade antes, durante e depois da
eleição de julho – aquela cujos resultados foram escandalosamente fraudados
para dar a vitória ao ditador. A lista de crimes inclui tortura, violência sexual,
desaparecimentos forçados e prisões arbitrárias. O relatório fala em
“funcionamento consciente e premeditado” da “máquina de repressão” do Estado, a
partir de uma estreita cooperação entre militares e as diferentes instituições
a serviço de Maduro. Antes da eleição, a máquina operou para “desarticular e
desmobilizar a oposição”. Depois, foi intensificada e continua até hoje.
Mesmo para os conhecidos padrões de
truculência do chavismo, o relato é de espantar e aprofunda o muito que já se
sabia: no terror venezuelano promovido por Maduro e seus fantoches, dissidentes
foram obrigados a deixar o país, outros se refugiaram em embaixadas
estrangeiras em Caracas, muitos foram presos. A investigação da missão da ONU
documenta múltiplas violações, tudo “parte de um plano coordenado para
silenciar críticos e oponentes”. E o mais grave: entre as vítimas estão
crianças, mortas em operações de perseguição promovidas pelas forças de
segurança do ditador e grupos simpáticos ao regime. A missão confirmou 25
mortes nos protestos que se seguiram à eleição, evidenciando uma mudança de
perfil das vítimas e perseguidos. Se antes já era grave, atingindo líderes
políticos e ativistas, depois passou a ser gravíssimo, ao incluir “o público em
geral, alvo simplesmente por demonstrar discordância com as posições do governo
ou com os resultados da eleição presidencial”.
O relatório deixa o presidente Lula da Silva
e seu chanceler paralelo (e de facto), Celso Amorim, numa sinuca. A dupla, como
se sabe, costuma ser complacente com o companheiro Maduro e com qualquer outro
tirano que se alinhe ao antiamericanismo que mesmeriza os petistas. Em que pese
ser o país líder da América do Sul e um dos principais mediadores do Pacto de
Barbados – acordo selado em outubro de 2023, naquela ilha caribenha, entre
Maduro e a oposição para garantir a lisura do pleito –, o Brasil optou pelo
silêncio inaceitável. Antes, durante e depois da eleição, enquanto Maduro
promovia sua barbárie, Lula e Amorim não hesitaram em desmoralizar a diplomacia
brasileira e em insultar a inteligência alheia. Resta saber o que dirão agora,
ante o relatório divulgado pela missão da ONU. Convém lembrar que, na semana
passada, o mandato da missão internacional foi renovado, mas o Brasil optou por
abster-se, alegando que a resolução que dava aos investigadores o direito de
seguir seu trabalho era desequilibrada e ampliava o isolamento de Maduro.
Antes que as gralhas gritem, contudo, resta
dizer: a missão da ONU não está sozinha. Antes dela publicaram relatórios
igualmente graves organizações respeitadas como a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, a Organização dos Estados Americanos e a Human Rights Watch,
todas apontando, entre 2021 e 2023, os crimes políticos cometidos por Maduro.
Mas Amorim, sempre ele, já recorreu até ao escárnio para lavar as mãos e
proteger Maduro. “Sou do tempo da bossa nova – a gente nunca sobe o tom”,
disse. De fato, nunca – desde que se trate de tiranos companheiros ou
inspirados por uma suposta influência nos regimes manietados por China e
Rússia, que financiam e armam países dispostos a enfrentar o Ocidente em geral
e os EUA em particular. Afinal, o mesmo não se aplicou aos conflitos na Ucrânia
ou em Gaza, temas com os quais Amorim e Lula subiram o tom de forma
superlativa, como aquele ultrajante momento em que Lula comparou as operações
militares de Israel ao Holocausto. Isenção ante processos eleitorais soberanos
nos países vizinhos? Quando se tratou de apoiar o companheiro peronista Alberto
Fernández contra Javier “El Loco” Milei na eleição argentina, Lula mandou às
favas a isenção.
Lula e Amorim têm nova chance agora de deixar
a bossa nova para lá e subir o tom, pois não há mais como justificar o
injustificável.
Casa própria mais distante
O Estado de S. Paulo
Caixa Econômica Federal amplia limites para
financiamento e restringe sonho da classe média
A Caixa Econômica Federal vai impor limite de
preço e novos tetos para o financiamento de imóveis a partir de 1.º de
novembro. Com as mudanças, recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e
Empréstimo (SBPE) só poderão ser utilizados para a compra de imóveis de até R$
1,5 milhão. Além disso, o limite para financiamento pelo Sistema de Amortização
Constante (SAC) cairá de 80% para 70% do valor do imóvel, enquanto no modelo
Price o limite será ainda menor, caindo de 70% para 50%. Na prática, trata-se
apenas da oficialização de algo que quem vem buscando financiamento da Caixa já
sabe: está faltando crédito imobiliário.
É sintomático, contudo, que o anúncio ocorra
em momento em que tudo o que o governo Lula da Silva mais deseja é baratear
diversas linhas de crédito, mesmo com a Selic em alta, para conquistar a classe
média. Mas a realidade, sempre ela, mais uma vez se impõe.
Responsável por quase 70% do volume de
financiamento imobiliário brasileiro, a Caixa vem lidando com a escassez de
recursos da caderneta de poupança, além de regras mais rígidas para emissão de
Letras de Crédito imobiliário (LCI), dois instrumentos importantíssimos para o
financiamento de imóveis. Como a poupança rende pouco ao investidor, tem havido
transferência de investimentos desse produto para outros mais rentáveis, como
os Certificados de Depósito Bancário (CDBs).
Vale lembrar também que outra importante
fonte de recursos para o crédito imobiliário, o Fundo de Garantia por Tempo de
Serviço (FGTS), tem tido seu caráter cada vez mais desvirtuado, agora sendo
utilizado até mesmo na aquisição de passagens aéreas ou como garantia para
acesso a empréstimos em bancos privados.
As medidas anunciadas pela Caixa atingem em
cheio a classe média, aquela que o governo busca cortejar, mesmo sem ter um
projeto para ela. Mundo afora, realizar o sonho da casa própria, um símbolo da
prosperidade pós-guerra, vem tornando-se cada vez mais difícil, especialmente
para as novas gerações. No Brasil, de juros em ascensão (além de historicamente
elevados), faltam ainda projetos, já que os lançamentos imobiliários se
destinam majoritariamente aos muito ricos ou aos pobres, por meio do programa Minha
Casa Minha Vida.
Agora as opções, que já eram limitadas, se
tornam ainda mais reduzidas. Em entrevista à Rádio CBN, Alberto Ajzental,
professor da Fundação Getulio Vargas e especialista no setor, afirmou que
exigir entrada de 50% no sistema Price é “muito” e “quase que inviabiliza” a
compra de imóvel por essa modalidade. Ele também destacou que a Caixa será mais
seletiva, concedendo crédito a quem tem mais condições. Na prática, isso quer
dizer que quem mais depende de crédito terá mais dificuldade para consegui-lo.
Baratear o crédito obviamente ajudaria a
classe média brasileira a financiar seus sonhos, mas para tal o governo
deveria, como primeiro passo, criar condições para que a Selic, que sobe porque
o Executivo é viciado em gastança, pudesse cair. Se quiser realmente ajudar a
classe média, o governo pode começar deixando de atrapalhar.
Varejistas em contagem regressiva
Correio Braziliense
Com previsão de faturamento de R$ 7,93
bilhões, a expectativa é de que a Black Friday 2024 tenha um crescimento de
mais de 10% em relação à edição de 2023
A pouco mais de um mês de uma das principais
datas para o varejo no Brasil, pesquisa traça o perfil do consumidor da Black
Friday 2024, que ocorrerá entre 29 de novembro e 2 de dezembro, embora as
ofertas — ou a promessa delas — sejam diluídas ao longo de semanas. A animação
dos comerciantes faz sentido. Com previsão de faturamento de R$ 7,93 bilhões, a
expectativa é de um crescimento de mais de 10% em relação a 2023, segundo a
Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm). O consumo deve ultrapassar
10,7 milhões de pedidos, com um tíquete médio de compras de R$ 738, um pouco
mais que a metade do salário mínimo. Eletrônicos, eletrodomésticos, produtos
nas áreas de saúde, beleza e moda fazem parte da lista de desejos.
A pesquisa Quem está comprando? contou com
1,5 mil respondentes, homens e mulheres, das classes ABC, com 18 anos ou mais e
moradores de todo o Brasil. O estudo, divulgado pela empresa de tecnologia
MindMiners, indica também que 47% dos entrevistados planejam gastar na Black
Friday deste ano e 38% reservam uma parte do orçamento anual especificamente
para essa data. Com relação à sexta-feira de descontos, estreia do evento, 56%
dizem que utilizam a data para as compras de Natal e ano-novo.
Outro dado que a pesquisa mostra é a
dicotomia entre o poder aquisitivo do brasileiro — que vem caindo ao longo dos
últimos anos por diversos fatores — e uma forte inclinação a participar das
promoções. Entre os respondentes, 54% relataram redução do poder de compra, o
que tem tornado a aquisição de produtos e serviços mais desafiadora. Mesmo que
alguns ainda consigam manter as contas em dia, 34% enfrentam dificuldades para
honrá-las, reforçando um cenário de inadimplência que, segundo a Confederação
Nacional de Dirigentes Lojistas, afeta 68 milhões de pessoas no país.
Moradia e alimentação e bebida abocanham boa
parte da renda dos brasileiros — 39% e 50%, respectivamente —, que fazem
questão de ter descontos significativos para aquisições além da lista do
essencial. Sessenta por cento dos consumidores, por exemplo, se sentem
incentivados a adquirir um produto ou serviço quando recebem um cupom ou código
de desconto, 49% aguardam ansiosamente por boas promoções e 49% preferem
comprar em lojas que oferecem cashback ou programas de pontuação. Por fim, 53%
afirmam que preferem comprar itens que não cabem em seu orçamento, mas que, com
os descontos, acabam se tornando acessíveis.
O fato é que a Black Friday se transformou em
uma vitrine de produtos. E, como todo bônus tem o ônus, também virou foco de
golpistas e hackers que veem grandes oportunidades de surrupiar o consumidor
brasileiro. Somente na Black Friday de 2023, as tentativas de fraude (quando um
pedido é feito no e-commerce com o fraudador realizando venda em nome de um
varejista) somaram R$ 10 milhões. Então, é preciso ficar de olho para não cair
em cilada. E, antes de fechar a compra, pensar duas, três vezes se realmente precisa
do produto. Nem sempre o preço estará tão vantajoso assim. Comprar por impulso
pode sair caro demais.
Salvo engano de minha parte, os conflitos de interesse apontados nos editoriais acima, envolvendo a responsável pela prestação do serviço de energia em São Paulo, o Executivo federal, o governo do estado e partidos interessados nos cargos das diretorias das agências reguladoras podem ser tomados como exemplares daquilo que os atuais laureados com o " Nobel " de economia chamam de instituições inclusivas e extrativistas. Enquanto as primeiras são notáveis por sua contribuição ao aperfeiçoamento e bem-estar do coletivo social, as segundas reforçam mecanismos de apropriação do patrimônio público/estatal por setores da elite. " Por que as Nações Fracassam ", dos pesquisadores premiados, analisa como tais instituições foram construídas historicamente nos países tidos como desenvolvidos e naqueles considerados pobres.
ResponderExcluirSim, é bem isto. O Ministério do Meio Ambiente no DESgoverno Bolsonaro também exemplificou o segundo tipo de instituição, quando comandado pelo atual deputado Ricardo Salles de SP.
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