sábado, 5 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Taxação de multinacionais inspira cuidados

O Globo

É preciso integrar Brasil a acordo global, mas evitar que novo imposto seja pretexto para mais gastos

O governo federal acaba de impor a tributação mínima de 15% sobre o lucro de multinacionais que operam no Brasil, cumprindo acordo negociado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e assinado por 140 países. Trata-se de um passo na direção de um ordenamento tributário comum para evitar distorções na taxação dessas empresas, obrigando-as a recolher impostos nos países onde geram empregos e produzem, e não apenas onde mantêm suas sedes. A medida tem o mérito de adequar o Brasil a normas internacionais, mas também embute riscos. O principal é o governo tentar aproveitar para elevar a carga tributária sobre empresas globais, com o objetivo de financiar o aumento de despesas que ameaça o equilíbrio fiscal.

Prevista para entrar em vigor no ano que vem, a taxação, instituída por Medida Provisória (MP), valerá para empresas com faturamento anual superior a € 750 milhões. O imposto para corporações no Brasil é de 34% do lucro, mas a alíquota efetiva pode ficar abaixo de 15%, a depender de incentivos fiscais e do planejamento tributário de cada contribuinte. A Receita informou que, em 2022, 957 das 8.704 empresas que estariam no escopo da MP pagaram menos de 15%. Estas teriam de pagar a diferença, de modo que a alíquota ficasse exatamente em 15%.

No afã de cumprir as metas fiscais e sem apetite para cortar gastos, o governo enxergou na nova taxa mais uma oportunidade para aumentar a arrecadação. Caso a regra tributária estivesse em vigor em 2021, quando foi aprovada por ministros da Economia dos países do G7, o Fisco teria arrecadado cerca de € 900 milhões, equivalentes a R$ 5,7 bilhões ao câmbio da época, segundo o Observatório de Tributação da União Europeia (UE). Agora, a expectativa da Receita é arrecadar entre R$ 8 bilhões e R$ 10 bilhões por ano. Seria bom que essas receitas não servissem de pretexto para criar novas despesas. A credibilidade do novo arcabouço fiscal exige do governo um programa consistente de controle de gastos, e não a criação de novos impostos.

Outra dificuldade com que o governo terá de lidar é a degradação de expectativas. Com impostos mais altos, o país poderá afugentar investimentos estrangeiros. De acordo com a OCDE, no ano passado os investimentos diretos no Brasil somaram US$ 64 bilhões, superados apenas pelos US$ 341 bilhões nos Estados Unidos. Junto aos superávits comerciais sustentados por exportações do agronegócio e de matérias-primas minerais, tais investimentos têm contribuído para o país manter o colchão de US$ 300 bilhões em reservas internacionais, retaguarda que impede grandes oscilações cambiais em momentos de crise, equilibrando as pressões inflacionárias.

Se houver queda no total investido por empresas estrangeiras do Brasil, isso aumentaria a carga de responsabilidade dos exportadores para manter esse colchão. E num momento em que produtores brasileiros já enfrentam dificuldades em seus dois maiores mercados — a China, que atravessa uma fase de ajuste com crescimento menor, e a União Europeia, onde se aguçam as pressões protecionistas, sobretudo no setor agrícola. Qualquer mudança nas expectativas afetará o cenário externo para o Brasil. Os números auspiciosos da arrecadação não devem levar ao açodamento. A taxação das multinacionais é um passo correto, mas inspira cuidados para ter sucesso.

Populismo econômico aproxima campanhas de Trump e Kamala

O Globo

Ambos adotam receita protecionista e subsídios, sem ligar para o impacto na inflação, na dívida ou no crescimento

Na campanha eleitoral americana, a democrata Kamala Harris e o republicano Donald Trump têm demonstrado algo em comum: propostas econômicas populistas, segundo as quais é possível gastar mais, cortar impostos e proteger empregos com tarifas sem nenhum impacto no déficit público, na inflação ou no crescimento. “Com Trump e Harris nas eleições, o populismo econômico não perderá em novembro”, diz a conservadora National Review. Para a liberal The Economist, ambos prometem uma “utopia sem compensações”.

Kamala demorou a apresentar um programa de governo. Do documento de 82 páginas enfim produzido, é possível depreender algumas ideias de sua agenda econômica. Ela se compromete a expandir subsídios para moradia — US$ 25 mil de entrada na primeira compra de imóvel —, para idosos e crianças — US$ 6 mil por ano para recém-nascidos — e para expansão da indústria. Defende uma agenda protecionista voltada à transição energética. Também fala em instituir uma “economia de oportunidades”, com US$ 50 mil em crédito para startups. E quer aprofundar a política econômica de Joe Biden, com impostos maiores sobre ganhos de capital, corporações e fortunas. Ela copiou de Trump a ideia demagógica de acabar com o imposto sobre gorjetas, sugerida por uma garçonete em Las Vegas. Também diz que manterá a tarifa instituída no governo Trump sobre as importações da China.

Com base nas tarifas, Trump promete o “renascimento industrial” dos Estados Unidos, tomando empregos de outros países. A bandeira protecionista — outrora exclusividade democrata — foi abraçada com fervor pelo Partido Republicano trumpista. Trump fala numa tarifa de 60% sobre produtos chineses e de 100% sobre a importação de carros montados no México — dando de ombros para o acordo de livre-comércio em vigor com mexicanos e canadenses. Entre seus planos, está a criação do cargo de “embaixador da indústria”, para convencer empresas estrangeiras a transferir suas linhas de produção aos Estados Unidos. A única ideia que parece restar do partido de Ronald Reagan são os cortes de impostos para cidadãos e empresas (fala-se numa alíquota corporativa de 15%).

A entidade não partidária Tax Foundation estima que os planos de Trump custariam US$ 1,3 trilhão na próxima década. Outros analistas avaliam o impacto em US$ 4 trilhões, a depender da guerra comercial atiçada pelas medidas protecionistas. Os custos seriam sem dúvida maiores que os ganhos obtidos com as novas tarifas.

Nem Kamala nem Trump manifestam a menor preocupação com o preço de suas políticas. Competem para se mostrar magnânimos na distribuição de cortes de impostos, subsídios e tarifas para proteger empregos e a indústria. Mas ninguém menciona a escalada da dívida pública, a piora da produtividade econômica com a proteção da indústria local ou o empobrecimento da população que tudo isso acarreta— problemas cujas consequências o brasileiro conhece muito bem.

Usar dinheiro público fora do Orçamento é grave risco

Folha de S. Paulo

Manobra para destinar verbas de fundos públicos a financiamentos dribla regras de transparência e tende a elevar dívida

Nunca é bom sinal quando o governo, em vez de propor uma medida com clareza de intenções e argumentos, prefere incluí-la de modo sorrateiro em algum projeto sobre outro tema já em tramitação no Congresso. Pior ainda é quando o dispositivo cria algum mecanismo intrincado para usar dinheiro público fora do Orçamento.

Pois foi o que a administração petista fez ao inserir numa proposta de emenda constitucional, já aprovada pelo Senado, uma norma que permite destinar até 25% do superávit de fundos públicos ao financiamento de projetos ligados a ações ambientais, conforme a Folha noticiou.

Fundos de diferentes propósitos e fontes de receita têm um saldo de R$ 228 bilhões apurado em dezembro de 2023, mas nem todos seriam atingidos pela nova regra. Procurado, o Tesouro Nacional diz que a expectativa é não empregar mais de R$ 20 bilhões ao ano dos recursos.

A PEC, porém, não traz limitações de valores e tampouco especifica quais fundos poderão ser acionados para sustentar os novos financiamentos. A proposta aguarda votação na Câmara dos Deputados e deve ser aprovada por conter medidas já acordadas para beneficiar os prefeitos em ano de eleições municipais.

É inegável que o governo precisará de mais dinheiro para enfrentar o impacto da mudança climática nos próximos anos. Assim o mostram a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul e a seca que fez proliferar o fogo no cerrado, no pantanal e na amazônia. Esse objetivo, porém, precisa ser orçado com transparência.

Pelo jabuti legislativo de Brasília, excedentes disponíveis nos fundos serão utilizados em operações de crédito, presumivelmente em taxas favorecidas. Nesse caso, haverá subsídio —vale dizer, um gasto público— não explicitado no Orçamento.

Não há dados consolidados recentes sobre o superávit dos fundos. Também não há informações sobre as instituições financeiras aptas a usar esses recursos.

De antemão sabe-se apenas que será beneficiado o Fundo Clima, operado pelo BNDES, o que aumenta a preocupação sobre o alcance da medida —nas administrações petistas anteriores, viu-se uma escalada desastrosa de subsídios concedidos por meio do banco de fomento.

Não é a primeira vez, recorde-se, que este terceiro governo Luiz Inácio Lula da Silva se vale de manobras para criar despesas fora dos limites orçamentários. Um exemplo é o programa de estímulo à permanência de alunos no ensino médio, bancado por um fundo de natureza privada que recebeu aporte do Tesouro Nacional fora das regras fiscais.

Subterfúgios do gênero podem parecer engenhosos à primeira vista, mas a experiência recente mostra seu enorme dano potencial. De pouco adianta cumprir metas de ajuste à custa de exceções e manobras de contabilidade, enquanto a dívida pública —o indicador mais importante— continua em expansão.

A improvável missão da presidente do México

Folha de S. Paulo

Sob a sombra do populismo de seu antecessor, Claudia Sheinbaum dilui promessa de austeridade fiscal com intervencionismo

A esquerdista Claudia Sheinbaum tomou posse como presidente do México na terça (1º) com o desafio de dar continuidade à agenda populista centralizadora herdada de seu padrinho político e antecessor, Andrés Manuel López Obrador, num cenário de crescimento frágil e quadro fiscal preocupante.

A segunda maior economia da América Latina tem, por meio da política dos EUA de privilegiar importações de países vizinhos (nearshore), uma chance de escapar da armadilha da renda média, superar mazelas sociais e incrementar a industrialização.

Contudo a atração de investimentos exige compromisso com uma gestão racional da economia, até agora não evidenciado pelo governo mexicano.

A garantia de Sheinbaum de buscar a austeridade fiscal, durante seu discurso de posse, diluiu-se nas promessas populistas que se seguiram, como a elevação do valor das aposentadorias e a contenção dos preços da energia, que contrastam com a situação precária das contas do governo.

O déficit público deve alcançar 5,9% do Produto Interno Bruto no final deste ano, o que emite alertas sobre a tendência de alta da dívida pública, que chegou a 47,6% do PIB —ainda bem abaixo dos 78,5% do Brasil, diga-se— no primeiro semestre, e da inflação, na casa dos 5%.

Investimentos estrangeiros têm chegado ao México, de fato, mas carregados de incentivos fiscais e pressionados pela demanda por modernização da infraestrutura e contenção da violência.

Por mais que avente alguma autonomia em relação a AMLO, pelo menos para reduzir o rombo fiscal a 3,5% do PIB em seus seis anos de governo, Sheinbaum não dá sinais de reversão das reformas expansionistas de seu padrinho. Teme-se que o pragmatismo demonstrado quando governou a Cidade do México tenha terminado ao assumir a Presidência.

Paira, ainda, o viés autocrático do populismo de AMLO, que durante seu mandato proferiu ataques à imprensa, moveu militares a cargos públicos, enfraqueceu controles do sistema eleitoral e promoveu uma reforma temerária do Judiciário —com o objetivo de minar um dos poucos obstáculos às políticas de seu governo.

Sheinbaum foi escolhida por eleitores que desejavam a continuidade desse projeto e terá no Congresso a confortável maioria de seu partido, o Morena, comandado por López Obrador.

Mesmo assim, enfrentará o desafio de equacionar as contas públicas e estimular o crescimento pautando-se numa agenda intervencionista. A história mostra ser essa uma tarefa improvável.

O ‘hiperindividualismo’ faz mal à sociedade

O Estado de S. Paulo

Um individualismo predatório tem sido estimulado como ativo eleitoral. Ao contrário do que apregoam seus arautos, isso destrói a união dos cidadãos na defesa de seus interesses comuns

Uma infeliz conjunção de fatores atrapalha o amadurecimento político da sociedade brasileira. Por um lado, há o financiamento público dos partidos. E essa excrescência, uma perversão do Orçamento, não apenas empobrece a discussão de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento nacional, o que já é grave por si só, como ainda amplia a distância que separa eleitores e legendas, prestando um desserviço à democracia representativa no País.

Por outro lado, está em curso um movimento de estímulo ao que pode ser chamado de “hiperindividualismo” como um potente ativo eleitoral. Candidaturas destrutivas como a de Pablo Marçal, entre outros, vendem o triunfo selvagem do indivíduo mais “forte” – logo, mais “merecedor” – como o único meio apto a desenvolver a sociedade como um todo, pois livre das garras do Estado e das vicissitudes do que chamam indistintamente de “velha política”. Na realidade, dá-se o exato oposto.

Esse culto a um individualismo de cariz predatório nem remotamente se assemelha à ideia liberal clássica segundo a qual os indivíduos são livres para tomar decisões sobre suas próprias vidas, desde que suas escolhas não infrinjam direitos dos outros. Vale dizer, a liberdade individual à luz do liberalismo clássico, esteio filosófico que orientou a fundação deste jornal há quase 150 anos, é de natureza eminentemente solidária. Indivíduos livres, mas socialmente responsáveis, formam uma sociedade livre e igualmente responsável.

O “hiperindividualismo” personificado por Marçal e quejandos, por sua vez, representa a negação dos agrupamentos sociais. Para essa turma, indivíduos “fortes” ou “empreendedores” não dependem de ninguém para prosperar. Sob essa lógica tão mentirosa quanto cruel, quem não depende de ninguém também não depende de partidos. No limite, não depende nem da própria política – menos ainda da dita “política tradicional”, em geral tratada como “o sistema”, “o establishment” ou coisa que o valha. O tal “coach”, não por acaso, defende que cidadãos possam se lançar candidatos a mandatos eletivos sem qualquer filiação partidária, o que é vedado pela Constituição.

Nesse sentido, não surpreende que os partidos estejam muito mais preocupados em sobreviver como empresas privadas sustentadas por recursos públicos do que em se esforçar para adquirir alguma densidade ideológica e programática capaz de atrair eleitores que se sintam representados e, assim, se disponham a financiá-los por meio de doações. O critério de distribuição dos bilionários fundos públicos que abarrotam o caixa das legendas com dinheiro líquido e certo – o tamanho das bancadas partidárias na Câmara dos Deputados – foi concebido exatamente para manter os partidos, sobretudo os grandes, livres da obrigação de ter de oferecer aos eleitores um conjunto de ideias, valores e propostas claramente reconhecíveis, de modo a permitir que os caciques partidários possam ungir qualquer um que se mostre viável do ponto de vista eleitoral.

Referências partidárias, outrora relevantes, hoje não significam nada. Em um círculo vicioso, os partidos, sôfregos para formar grandes bancadas, ou seja, para abocanhar um quinhão maior dos fundos públicos, passaram a buscar o poder pelo poder. Os eleitores, por sua vez, não se sentem representados por legendas fechadas em seus interesses particulares e, pelo desencanto, são seduzidos por qualquer um que se levante contra o “establishment” político. O que é a ascensão de um desqualificado como Pablo Marçal senão o retrato mais bem acabado dessa dinâmica eleitoral? Aí está o racha que sua candidatura provocou no campo da direita. À esquerda o fenômeno é menos perceptível porque os ditos progressistas orbitam o petista Lula da Silva.

É ocioso esperar que o fim desse jorro de dinheiro público sobre os partidos parta de seus maiores beneficiários sem provocação. Cabe à sociedade se mobilizar para que a política, enfim, volte a servir à concertação dos seus interesses comuns, e não os de um punhado de caciques políticos que não estão nem aí para o que é melhor para o Brasil.

Lula alinha o Brasil ao Irã

O Estado de S. Paulo

Presidente precisa responder como sua afinidade com os aiatolás favorece os princípios constitucionais da diplomacia, como a prevalência dos direitos humanos e o repúdio ao terrorismo

Assim como escolheu tacitamente alinhar o Brasil à Rússia na agressão que o regime de Vladimir Putin cometeu contra a Ucrânia, apoiando inclusive uma proposta para o fim da guerra que equivale à capitulação da Ucrânia, o presidente Lula da Silva decidiu explicitamente alinhar o Brasil ao Irã no conflito com Israel.

Os sinais são inequívocos. Quando Israel decidiu atacar bases do Hezbollah no Líbano após um ano sendo agredido diariamente, o Itamaraty condenou a operação “nos mais fortes termos”. Quando o Irã, sem ser atacado diretamente, lançou sobre Israel uma chuva de 200 mísseis para vingar o Hezbollah, o governo se limitou, quase num sussurro, a manifestar “preocupação”. Há meses o Brasil retirou seu embaixador de Israel, o que equivale, se não de jure, de facto, a um rompimento diplomático. Mas o Planalto prestigiou o Irã enviando o vice-presidente Geraldo Alckmin à posse do novo presidente iraniano, onde formou fila com terroristas do Hezbollah, do Hamas, da Jihad Islâmica e da milícia Houthi.

A relação entre israelenses e palestinos tem uma história complexa e dolorosa que pode ser traçada até os tempos bíblicos. Não há inocentes nessa história. Mas a visão simplista e simplória de Lula reduz tudo a uma dicotomia maniqueísta entre “opressores” e “oprimidos”. Lula é incapaz de condenar o Hamas como um grupo terrorista, mas equipara o governo de Israel ao nazismo. Recentemente, Lula lamentou que a ONU não tenha autoridade “de fazer com que Israel se sente numa mesa para conversar ao invés de só saber matar”. Mas, só para ficar na história recente, desde os Acordos de Oslo de 1993, Israel cumpriu suas obrigações, concedeu territórios ocupados em Gaza e no Líbano, e o resultado foi mais terrorismo e ataques aos seus cidadãos.

Enquanto os palestinos não tiverem um lar e autonomia para governá-lo, Israel não estará seguro e sua democracia não será plena. Ainda assim, Israel é a rigor a única democracia no Oriente Médio, e o único Estado genuinamente laico, que reconhece direitos iguais às mulheres e abriga cerca de um quinto da população de árabes, com plenos direitos políticos.

Em contraste, o Irã é um regime totalitário teocrático e imperialista que desrespeita sistematicamente os direitos humanos de seus cidadãos. Israel não tem como política de Estado destruir outro país. Já o Irã prega oficialmente não só a destruição de Israel, mas, a rigor, a submissão de todas as nações à sua revolução jihadista xiita, e não hesita em empregar para esse fim milícias terroristas que oprimem povos e provocam conflitos no Oriente Médio e já mataram milhares de civis ao redor do mundo.

Isso não significa que o Brasil deva se alinhar automática e incondicionalmente a Israel contra o Irã, mas tampouco que deva ser neutro. Países não têm amigos, têm interesses, e os interesses da política externa brasileira são os consagrados na Constituição: a prevalência dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos, da solução pacífica dos conflitos e do repúdio ao terrorismo.

Aplicados ao Oriente Médio, esses princípios implicam a repressão de organizações terroristas; o favorecimento da diplomacia nos conflitos entre nações, ao invés de confrontos armados diretos; e uma solução para o povo palestino que passe por uma concertação dos países árabes com Israel para a pacificação e governança dos territórios palestinos, até a criação de um Estado. Quanto ao Irã, cabe apoiar formas de dissuadir sua agressividade externa, o que inclui condenar qualquer tentativa de criar um arsenal nuclear, e, na medida do possível, favorecer reformadores que buscam restaurar os direitos humanos e as liberdades políticas dos iranianos.

Obviamente, é mais fácil dizer do que fazer. Mas, se o caminho é tortuoso e os instrumentos do Brasil são escassos, ao menos os fins deveriam ser claros. Porém a única coisa clara sobre a diplomacia do governo Lula é sua oposição a Israel e seu alinhamento com o Irã. Os brasileiros, suas lideranças civis e seus representantes eleitos têm uma singela questão a fazer a Lula: qual o interesse do Brasil na sua fraterna amizade com os aiatolás?

Lula é um craque

O Estado de S. Paulo

Petista entra em campo e facilita acordo para Flamengo ter estádio em terreno que era da Caixa

O presidente Lula da Silva, espécie de camisa 10 do patrimonialismo nacional, atuou para que o Flamengo possa construir seu estádio numa área que pertencia a um fundo privado administrado pela Caixa Econômica Federal (CEF). O clube carioca recebeu a bênção de Lula e ganhará sua arena no terreno do Gasômetro, na zona portuária do Rio de Janeiro.

Mais uma vez, ao que parece, o futebol é pretexto para que Lula misture interesses privados – seus e de clubes populares do País – com a coisa pública. Foi assim quando o presidente, corintiano roxo, mandou a mesma CEF financiar a construção do estádio do Corinthians em Itaquera, na zona leste de São Paulo. O clube paulista acumula dívida de mais de R$ 700 milhões com o banco, e obviamente não tem a menor condição de pagá-la, salvo se houver algum acordo com a Caixa a mando de seu torcedor mais ilustre.

Ao comemorar a assinatura da cessão provisória do terreno para o estádio do Flamengo com o presidente da Caixa, Carlos Vieira, e o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), Lula não escondeu o contentamento com o seu mais novo feito – às vésperas do primeiro turno da eleição, na qual apoia Paes.

Com o costumeiro discurso demagógico, o petista disse que é “casado em comunhão de bens com o futebol”. Desejou “boa sorte” ao time carioca e afirmou que é “muito importante” que sua torcida, que representa uma “paixão”, ganhe um estádio.

Lula disse ainda que está cumprindo uma promessa feita em seu primeiro mandato, em 2003, de dispensar um “tratamento muito especial” ao Rio. Para completar, deixou claro que se tratava de um presente para o Flamengo e que isso é “bom para meu governo”: “Esse acordo foi bom para o Brasil e para o meu governo. E esse acordo foi muito bom para o Flamengo. O Flamengo agora vai ter um estádio de futebol, vai ter uma arena. E isso é extraordinariamente importante pela grandeza do time do Flamengo”.

Portanto, ficamos sabendo pelo próprio Lula que ele e o Flamengo saíram ganhando com o acordo. É o caso de perguntar, porém, o que os brasileiros em geral, sobretudo os que nem torcem para o Flamengo nem gostam de futebol, ganharam.

A Caixa, ao que tudo indica, não saía ganhando. A entrega da área ao Flamengo é a segunda disputa do banco com Paes, que desapropriou um terreno da instituição na mesma região para construir o Terminal Gentileza. A indenização à Caixa foi de R$ 40,8 milhões, mas o banco alegou prejuízo e entrou com uma ação na Justiça para receber mais R$ 11 milhões. Paes parece ter gostado dessa estratégia e decidiu desapropriar uma outra área, agora para ajudar o Flamengo.

De posse do terreno, Paes realizou um leilão a jato, e a área foi arrematada pelo Flamengo pelo valor mínimo de R$ 138 milhões. No edital de licitação, que parece ter sido feito sob medida para o Flamengo, havia a obrigatoriedade de construir ali um estádio de futebol. Obviamente a Caixa entrou na Justiça, sob o argumento de que a desapropriação favoreceria o Flamengo em relação aos demais concorrentes. Diante do impasse com a Caixa, Paes chamou Lula – que, como sabemos, é um craque.

A revolução das cotas no ensino

Correio Braziliense

Universitários cotistas alcançaram uma taxa de conclusão de curso superior à de não cotistas. Na avaliação do MEC, resultado mostra avanço inequívoco na redução da desigualdade social

Os números divulgados esta semana pelo Censo da Educação Superior revelam uma revolução em curso no país. O levantamento realizado pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) indica que os universitários cotistas alcançaram uma taxa de conclusão de curso superior à dos estudantes não cotistas. No período entre 2014 e 2023, 51% dos universitários atendidos por políticas de incentivo — muitas vezes, vítimas de preconceito por causa de seu perfil racial e social — conseguiram terminar essa importante etapa de formação. Entre os não cotistas, esse percentual chegou a 41%.

Na avaliação do MEC, esse resultado mostra um avanço inequívoco na redução da desigualdade social, uma das chagas mais antigas do Brasil. "Os dados nos mostraram que o caminho é cuidar desses estudantes, especialmente dos que mais precisam, porque eles respondem, eles dão resultado quando instados a entrar na educação superior", comentou o ministro da Educação em exercício, Leonardo Barchini. "A gente dá uma chance para esses estudantes de baixa renda, pretos, pardos e indígenas, e eles respondem. Nesse sentido, com esse direcionamento, com base nesses dados, é que nós estamos desenhando os novos programas de concessão de benefícios de assistência estudantil para esses estudantes", prosseguiu o substituto do titular Camilo Santana, que está de férias.

Registre-se que a Universidade de Brasília (UnB) desempenhou um papel pioneiro nessa mudança social. Em 2023, completaram-se 20 anos da política de cotas raciais na instituição. Um olhar em retrospectiva revela como, em duas décadas, foi possível derrubar as intransponíveis barreiras que impediam brasileiros em situação vulnerável de ter acesso ao ensino superior. Em 2003, apenas 4,3% dos alunos da UnB eram negros ou indígenas. No primeiro vestibular sob o regime de cotas, em 2004, ingressaram 388 candidatos aprovados. Em 2022, o contingente de cotistas ficou acima de 10 mil.

O governo federal deu sinais de que pretende avançar em políticas que redundem em mais oportunidades para o estudante investir na formação superior. Consta na pasta da Educação o plano de melhorar instalações universitárias, como restaurante comunitário e os alojamentos estudantis, apesar das restrições orçamentárias. Também se encontra em estudo a criação de um Pé-de-Meia universitário, semelhante ao já adotado para alunos de ensino médio, no qual o estudante recebe uma bolsa mensal enquanto mantiver a frequência nos bancos escolares.

Se o Censo de Educação Superior revelou dados animadores sobre as políticas afirmativas, deixou claro que ainda há outros desafios a enfrentar. O aumento constante do ensino a distância — a modalidade corresponde a 49% das matrículas nas universidades — impõe, na avaliação do governo, a necessidade de se adotar medidas regulatórias. Merecem maior atenção os cursos de licenciatura, onde identificaram-se problemas na qualidade da formação desses alunos.

Sabe-se que o ensino universitário é apenas uma seção no extenso inventário da educação no Brasil. Ainda há enormes lacunas, em especial no ensino médio. Mas com políticas públicas consistentes, transparência e responsabilidade social, é possível encontrar a equação que permitirá ao país sair da debilidade em parâmetros educacionais e alcançar patamares de nações mais desenvolvidas.

 



 

 

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