O Globo
Precisamos fazer o balanço crítico de
excessos na resposta do Estado brasileiro a ataques a escolas
Uma reportagem publicada na semana passada
pelo jornal The New York Times mostrou que, depois de um atentado numa escola
no estado americano da Georgia, mais de 700 crianças foram presas por fazer
ameaças —inclusive ameaças não críveis, como trotes.
No dia 4 de setembro, um adolescente de 14
anos invadiu uma escola na área metropolitana de Atlanta e atirou em mais de 11
pessoas . Dois estudantes e dois professores foram mortos. O crime chocou
os Estados
Unidos. Como costuma acontecer nesses casos, o atentado foi seguido
de uma explosão de novas ameaças. Devido ao “efeito contágio” — o estímulo a
novos ataques gerado por um atentado bem-sucedido —, as autoridades foram
obrigadas a levar cada ameaça a sério e a investigá-las.
A reportagem do New York Times mostrou que, nesse esforço investigativo e repressivo, muitos excessos foram cometidos contra crianças que aparentemente apenas passavam trotes. Um menino no estado de Ohio, de apenas 10 anos, enviou uma mensagem pelo Snapchat dizendo que haveria tiroteios em escolas próximas. Foi preso enquanto estava na escola por provocar pânico e ficou num centro de detenção juvenil por dez dias, sem entender o que estava acontecendo. Não foi a única criança presa por passar um trote. As operações policiais nos Estados Unidos levaram à prisão de 700 — 10% delas com menos de 12 anos.
Os excessos da polícia relatados pelo jornal
deveriam acender o alerta no Brasil para o que pode ter acontecido no país
quando vivemos situação semelhante. Após uma onda de atentados em escolas no
Brasil, em abril de 2023, mais de 1.600 crianças, adolescentes e adultos foram
detidos, levando a mais de 400 prisões e apreensões, segundo balanço do Ministério da Justiça. Quantos desses detidos
e presos tinham menos de 12 anos? Quantos deles fizeram ameaças que poderiam
ser consideradas apenas trotes? E como essas centenas de crianças foram
tratadas pela polícia?
Não seria descabido supor que, se houve
excesso nos Estados Unidos, o excesso deve ter sido maior por aqui. Isso se
deve não apenas ao fato de nossa polícia ser mais violenta, mas também de o
Ministério da Justiça ter politizado o caso, tratando os ataques à escola como
uma forma de “bolsonarismo” (segundo o então ministro Flávio
Dino, porque vinham de uma mesma “matriz”). Essa associação dos ataques às
escolas ao bolsonarismo pode ter afrouxado o controle de eventuais excessos da
polícia ao lidar com as ameaças.
Não há dúvida de que, numa situação como a
que vivemos em abril do ano passado, com famílias extremamente assustadas pelos
ataques, os trotes precisavam ser punidos. Mas a punição por um trote não pode
ser a prisão, especialmente se falamos de crianças. É muito improvável que os
400 presos, ou mesmo a maioria deles, estivessem preparando ataques a escolas.
Nessa época, o monitoramento das comunidades que incentivavam ataques a escolas
mostrava no máximo poucas dezenas de adolescentes próximos de fazer alguma
besteira.
Precisamos estabelecer um protocolo
cuidadoso, mas eficaz, segundo o qual ameaças de ataques são respondidas com
uma visita de policiais que advertem a criança e alertam pais e escolas. Isso
deve ser suficiente para prevenir os ataques (acabando com o efeito surpresa) e
desestimular os trotes — sem qualquer tipo de excesso.
Precisamos fazer o balanço crítico de
eventuais excessos na resposta do Estado brasileiro à série de ataques a
escolas de 2023. E temos de fazer isso rápido, de maneira a aprender com os
erros. Quando a próxima onda de ataques vier — e ela provavelmente virá —,
precisamos estar mais bem preparados. Se não agirmos prontamente para revisar e
corrigir esses excessos, correremos o risco de repetir os mesmos erros, com
consequências graves para as crianças.
Interessante e útil. Concordo integralmente com o autor neste ponto: "os trotes precisavam ser punidos. Mas a punição por um trote não pode ser a prisão, especialmente se falamos de crianças". O autor poderia ter obtido a informação de quantas crianças estariam entre as 400 prisões e apreensões ocorridas no Brasil. Mas levantar questões também é um dos objetivos da imprensa, e já inicia uma discussão necessária.
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