O Globo
Ministro acena com a possibilidade de Brasil retomar grau de investimento para sensibilizar o presidente
Não é fácil a tarefa de Fernando Haddad de
convencer o presidente Lula da necessidade de passar de um pacote de cortes
pontuais de gastos, que permite uma economia momentânea, mas insuficiente
diante da velocidade e do volume do crescimento das despesas, para algo mais
estrutural, o enfrentamento de grandes distorções nesse quesito.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o ministro da Fazenda deu um exemplo brutal: o crescimento explosivo da destinação de recursos ao Fundeb, fundo de desenvolvimento da educação básica, que deverá atingir R$ 70 bilhões em 2026 sem fonte de financiamento. E admitiu que, diante de um pepino legado pelo governo Jair Bolsonaro, Lula questiona por que terá de ser ele a cortar dinheiro da educação — raciocínio que vale para pobres e aposentados —, quando não foi ele quem cometeu a irresponsabilidade fiscal.
O ministro e o presidente acertam ao apontar
que o agora alarmado mercado não teve a mesma reação diante das pedaladas de
Bolsonaro e Paulo Guedes, que desde 2020 foram desrespeitando o finado teto de
gastos e produzindo déficits em série, agravados por medidas francamente
eleitoreiras no último ano de mandato. Mas Haddad tem tentado convencer Lula de
que a necessidade de equilibrar as contas é incontornável, e só enxugar gelo
não será suficiente.
Para reduzir o inconformismo presidencial,
ele parece ter ganhado um argumento poderoso na recente viagem a Nova York, em
que teve uma série de encontros com agências de risco. A perspectiva de melhora
na nota do Brasil, com a retomada do grau de investimento mais adiante, é um
trunfo que Haddad sabe ser capaz de fazer o presidente aceitar que terá de
aplicar remédios amargos e a princípio impopulares para colher um resultado de
forte impacto mais à frente.
Interlocutores de Haddad apontam que, desde
que a agência Moody’s elevou a nota do Brasil de Ba2 para Ba1, ele tem chamado
a atenção para a contradição entre a visão externa e a interna do mercado,
muito mais deteriorada. Mas o fato de as três maiores agências de risco terem
deixado explícito que o controle dos gastos é essencial para os passos
seguintes, que culminariam na retomada do grau de investimento, tem sido
crucial para Lula aquiescer que o pleito não era apenas um muxoxo de má vontade
da Faria Lima, mas uma necessidade inescapável.
Resta romper a próxima barreira, incluir nas
medidas de curto prazo o enfrentamento das grandes despesas que crescem a
descoberto e dizem respeito a áreas sociais sempre centrais ao programa de
governo de Lula e do PT. Até aqui, a desvinculação da Previdência e de
benefícios como o BPC do aumento do salário mínimo, ou mesmo a revisão do
critério de financiamento do Fundeb, não faz parte do rol de medidas à mesa de
Haddad e das demais pastas econômicas para ser chanceladas pelo chefe.
Haddad vai tentando segurar a abertura das
fissuras no dique enquanto avança no convencimento. Se puder evitar o
cumprimento da promessa de isentar quem ganha até R$ 5 mil do Imposto de Renda
enquanto a solução não vem, melhor. Anunciar a moralização nos supersalários
também ajuda, mas ainda está na coluna dos gastos pequenos perto dos demais,
que ameaçam explodir logo ali na frente.
Além de Simone Tebet, Haddad pode contar, na
missão de fazer a cabeça de Lula, com a ajuda do vice-presidente Geraldo
Alckmin, que, em entrevista ao Roda Viva, não hesitou em defender a
responsabilidade fiscal como principal política social de um governo — outro
discurso voltado claramente a romper as resistências de Lula.
Haddad reconhece que tem em mãos uma batata
quente. Mas, se conseguir carregá-la sem queimar os dedos e com o prêmio do
grau de investimento, pode dar a Lula o discurso de que precisa para calar o
mercado e chegar forte a 2026. É nisso que ele mira.
E que venha 2026.
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