O Estado de S. Paulo
O Brasil não reduz os custos da máquina porque as forças que se beneficiam dela não deixam
Neste momento, o tema corte de gastos
públicos subiu na agenda tanto aqui como nos EUA. Eleito, Donald Trump designou
Elon Musk para comandar o processo no qual pretende economizar US$ 2 trilhões.
Será possível? A que custo, em termos políticos?
Parece que a tática de Musk é a de cortar o
máximo, errar por excesso, nunca por timidez.
No caso brasileiro. O corte de gastos públicos parece um consenso, restando apenas a grande dúvida: cortar para cima ou para baixo? Supersalários, máquina dispendiosa, fantásticos subsídios às empresas. O panorama nas alturas é animador para quem maneja a tesoura.
Um dos episódios mais dramáticos desta
história de cortes ocorreu na Grécia. Uma política fiscal descontrolada acabou
levando o país a uma dívida impagável. Fundo Monetário Internacional (FMI) e
União Europeia pressionaram e um plano de cortes atingiu salários e
aposentadorias. Era triste ver os velhinhos assustados com a pobreza que se
aproximava. Na verdade, a pobreza veio acompanhada de desemprego e exclusão
social. E, em 2015, um partido de esquerda, o Syriza, foi eleito com uma
política contra a austeridade que sufocava o país.
Apesar das boas intenções, a Grécia concedeu,
de acordo em acordo, à pressão do mundo financeiro e teve de se ajustar à nova
situação, ao custo de muito sofrimento.
O exemplo grego, vivido num momento muito
difícil, mexeu com as normas de vigilância financeira da União Europeia, mas,
sobretudo, colocou o debate sobre limites de uma política de austeridade.
A posição do Brasil não é semelhante à da
Grécia. Mas as premissas sobre os limites de planos de austeridade estão de pé,
sobretudo num país onde a pressão de cima para baixo é muito forte. É
politicamente mais fácil derrubar algum tipo de benefício social do que
suprimir os supersalários, por exemplo. Há três anos o deputado Rubens Bueno
redigiu um relatório minucioso sobre os penduricalhos que elevam os rendimentos
às alturas, muito acima do permitido por lei. Esse relatório, contudo, dorme na
gaveta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, presidida por
Davi Alcolumbre – aliás, favorito para a própria presidência do Senado.
A elite da burocracia federal é poderosa,
assim como as empresas que recebem subsídios do governo. O mundo financeiro
pressiona cegamente: não importa tanto como fazer o corte, desde que seja
feito.
Há muitos anos que participo desta discussão.
Houve uma época em que foi preciso acentuar o potencial da revolução digital
para reduzir custos. Houve ano em que o governo federal gastava R$ 800 milhões
só com passagens e diárias. As conferências a distância já eram possíveis e
enfatizávamos esse caminho, mas a pressão para manter o velho esquema de
viagens era muito forte: as diárias ampliavam os salários.
Pensando bem, em todos os debates sobre uma
economia em todos os Poderes da República, é possível afirmar que dinheiro não
falta. O grande obstáculo é subjetivo. O Brasil não reduz os custos da máquina
porque as forças que se beneficiam dela não deixam.
Num contexto como esse, reduzir benefícios
sociais é uma proposta obscena, apesar de que a desorganização e o atraso
tornem esses benefícios mais caros e ineficazes. Muitas vezes mencionei aqui a
experiência da Índia, que criou o número pessoal e evitou que milhões fossem
para o ralo – mais um exemplo de como a tecnologia pode ser uma aliada no
programa de cortes de gastos.
Dificilmente esta questão do uso racional dos
recursos vai se resolver apenas com um rápido corte de gastos. É preciso uma
grande mexida que possa contar também com a participação social.
É um pouco melancólico gastar dinheiro mal
num país que precisa ao máximo de seus recursos. Mais triste ainda é
compreender que uma reviravolta racional sempre foi possível. O País, nesse
particular, parece o personagem de Kafka parado anos diante da porta de um
castelo sem compreender que ela sempre esteve aberta para ele.
De novo, estamos sendo confrontados com
nossas limitações políticas. É quase impossível realizar uma campanha nacional,
mobilizar a maioria da sociedade para que este processo de racionalização
aconteça.
Não se trata apenas de liberar recurso para
as necessidades fundamentais do País. Enquanto o dinheiro for gasto de forma
errada e a máquina também, por incompetência, não responder aos anseios mais
profundos, que chegaram a se manifestar nas revoltas de 2013, a própria
democracia estará fragilizada.
A fórmula escolhida é um combustível para
aventuras políticas e soluções autoritárias, ainda que sejam soluções
ilusórias, destinadas apenas a eleger extremistas.
Interessante como é difundido o discurso de
defesa da democracia, mas como ele se concentra apenas na necessária defesa das
liberdades. Os riscos mais profundos não são captados, sobretudo a frustração
popular diante de um Estado que coleta implacavelmente os impostos, mas não
consegue devolvê-los em forma de serviços eficazes.
A dificuldade de ver essa realidade, até mesmo de tomar consciência dela, está na grande resistência a aceitar cortes na própria seara, tanto em ministérios como em empresas oficiais, estendendo-se até os salários acima da lei. É uma cegueira perigosa para a própria sobrevivência do aparato burocrático.
Querem cortar no meu salário,o mínimo.
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