O Globo
O presidente Lula já tinha problemas
suficientes para resolver, com seus ministros se digladiando internamente em
torno dos cortes de gastos, quando ganhou as redes sociais e a atenção do
Congresso a proposta da deputada do PSOL Erika Hilton que acaba com a escala de
seis dias trabalhados para um de folga, a famosa 6 x 1.
Saudada como uma lufada de ar fresco, capaz de superar a reconhecida desconexão da esquerda com as novas demandas do mundo do trabalho, a pauta também foi encarada no governo como uma forma de dispersar a atenção da opinião pública e do mercado sobre sua própria incapacidade de definir onde e como enxugar o Orçamento para caber nos limites do arcabouço fiscal.
Depois de algumas declarações desencontradas,
com o vice-presidente Geraldo Alckmin falando a favor e o ministro do Trabalho,
Luiz Marinho, fazendo ressalvas, o governo, por intermédio do ministro das
Relações Institucionais, Alexandre Padilha, chamou para uma reunião a deputada
do PSOL e um colega do PT de Minas Gerais, Reginaldo Lopes, que apresentara
proposta similar há alguns anos.
A ideia era debater formas de encaminhar o
assunto no Congresso — visando, claro, à aprovação.
Àquela altura, a PEC, que na verdade reduz a
jornada semanal de trabalho de 44 para 36 horas, num esquema de 4 x 3, já tinha
sido subscrita por 194 parlamentares — mais que o mínimo exigido de 171
assinaturas —, portanto já podia começar a tramitar. A pressão das redes
sociais foi irresistível e, no momento em que os deputados se reuniram com
Padilha, até deputados da oposição já haviam assinado.
Uma bancada que aderiu em peso foi a do União
Brasil. O ex-PFL tem três ministros no governo, mas nas eleições municipais
marchou unido com a direita e o bolsonarismo. A razão por que o grupo assinou o
projeto mostra que a adesão não é prenúncio de uma onda acachapante, pelo
contrário.
— Se o governo está apoiando, deve ser porque
já sabe como pagará os custos dos empresários que terão de contratar mais
gente. Se não estão preocupados com o dinheiro, não sou eu que vou me preocupar
— diz o líder o União, Elmar Nascimento.
E provoca:
— Minha função é proteger a bancada. Se é
para ficar com essa esculhambação nas redes sociais, a gente assina. Vamos
entrar no jogo para ver como o governo vai se virar para pagar essa conta.
Com sua notável franqueza, o deputado baiano
escancarou o jogo da oposição — emparedar o governo para explicar como, de um
lado, espera convencer o Congresso a fazer cortes, enquanto, do outro, quer
bancar uma proposta que poderá gerar mais custos para o próprio governo — já
que os empresários fatalmente exigirão contrapartidas em forma de desoneração
ou outro tipo de subsídio à contratação de mais funcionários para cobrir a nova
escala de trabalho.
De acordo com os dados da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE, 50,8% dos trabalhadores com
carteira assinada, ou 20,7 milhões, trabalham 44 horas semanais ou mais.
Ninguém com juízo discorda que reduzir a
escala de trabalho melhoraria a saúde mental, a qualidade de vida e até a
produtividade do trabalhador. Além disso, escalas extenuantes cumpridas em
troca de salários aviltantes são um dos motivos por que muita gente prefere
abandonar seus empregos com registro em carteira e empreender ou atuar na
informalidade.
Também não dá para dizer que é impossível
financiar a mudança dessa natureza. É perfeitamente legítimo um governo de
esquerda colocar no topo da lista de prioridades a redução da jornada de
trabalho — aliás, bandeira de Lula no início de sua vida sindical.
Só que, para isso, será necessário fazer
escolhas, tirando benefícios de outros setores —como a Zona Franca de Manaus ou
a indústria automobilística. Ainda assim, a nova regra não afetaria a vida dos
outros 81 milhões de ocupados que não estão sob o regime da CLT ou cumprem
outro tipo de jornada.
Difícil imaginar o mesmo Lula que já está
espremido pela disputa entre seus ministros se arriscar no Congresso por um
projeto de retorno político incerto, com caminho tão acidentado pela frente.
Claro que apostas ousadas podem render grandes vitórias. Mas ousadia não tem
sido a marca deste governo, nem quando as coisas dependem apenas dele mesmo.
Pois é...
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