domingo, 24 de novembro de 2024

Bernardo Mello Franco – A omelete do general

O Globo

Em 15 de julho de 2019, o Congresso viveu um dia de quartel. Militares de verde-oliva ocuparam os lugares dos deputados no plenário da Câmara. Foram escalados para assistir a uma sessão solene em homenagem ao Comando de Operações Especiais do Exército.

O então presidente Jair Bolsonaro participou da cerimônia. “O Brasil precisa de uma quimioterapia para que não pereça. Alguns poucos, pouquíssimos, ainda reagem. Mas serão convencidos pelo povo”, discursou. Ele exaltou os “ensinamentos da caserna” e se definiu como “terrivelmente patriota”. “Eu deixei o Exército em 1988, mas o Exército não me deixou”, disse.

O capitão estava enfezado com a imprensa, que reagia à sua intenção de nomear o filho Zero Três como embaixador nos EUA. “Um filho meu, tão criticado pela mídia... se está sendo criticado, é sinal que é a pessoa adequada”, esbravejou.

Depois de cumprimentar ministros e ex-colegas de farda, Bolsonaro apontou um militar que não conhecia. “É da brigada PQD?”, perguntou. Fora do microfone, o oficial explicou que comandava as Operações Especiais. Era o general Mario Fernandes, que ficaria famoso na última terça ao ser preso pela Polícia Federal.

O “kid preto” passou à reserva em 2020. Trocou o 1º Batalhão de Ações de Comandos pelo Palácio do Planalto. Virou o número dois da Secretaria-Geral da Presidência. Em pouco tempo, o general que Bolsonaro não conhecia se tornou seu homem de confiança. Mais tarde, ele se envolveria até o pescoço na tentativa de golpe.

O inquérito da PF descreve o general como um dos integrantes mais radicais da organização criminosa que tentou solapar a democracia brasileira. Ele é apontado como autor de um “detalhado planejamento operacional” para matar o presidente eleito, o vice e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Os assassinatos abririam caminho para o grupo do capitão se perpetuar no poder.

Fernandes imprimiu o plano em seu gabinete no Planalto. Em seguida, levou o documento ao Palácio da Alvorada, onde Bolsonaro ficou entrincheirado após a derrota nas urnas.

Depois de matar os vencedores da eleição, os golpistas criariam um Gabinete Institucional de Gestão de Crise. Na hierarquia do órgão, Fernandes só ficaria abaixo dos generais Augusto Heleno e Braga Netto. Curiosamente, o nome de Bolsonaro não aparece no organograma.

As mensagens apreendidas pela PF mostram que o “kid preto” tinha pressa. “O senhor tem que dar uma forçada de barra com o Alto Comando”, escreveu ao general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral, em 4 de novembro de 2022. “Não dá mais pra gente aguentar esta porra, tá foda. Tá foda”, reforçou.

Quatro dias depois, ele contou ao coronel Marcelo Câmara que estava pressionando o comandante do Exército, general Freire Gomes, para aderir ao golpe. “Eu tô aloprando por aqui”, disse. “Qualquer solução, Caveira, tu sabe que ela não vai acontecer sem quebrar ovos, né?”.

A omelete do general Fernandes previa o uso de armas de guerra, como fuzis, metralhadoras e lançadores de granadas. Desviadas do arsenal do Exército, as munições seriam capazes de perfurar veículos blindados e estruturas fortificadas.

Os documentos mostram que os golpistas podiam ser aloprados, mas não estavam de brincadeira. “No tabuleiro das intenções antidemocráticas, vidas humanas eram descartáveis, inclusive de eventuais militares envolvidos na ação”, anotaram os delegados da PF.

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